Um dos autores mais reconhecidos e populares do cinema contemporâneo, e uma referência estética inevitável, de um “estilo” perfeitamente reconhecível e amplamente normalizado nos dias de hoje. Aproveitando a estreia do seu mais recente de The Phoenician Scheme, a equipa da Tribuna do Cinema debruça-se sobre o cinema idiossincrático de Wes Anderson. Um ranking de todas as suas longas metragens (no total de doze, mais a média The Wonderful Story of Henry Sugar).
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13° Asteroid City (2023)
A todos os títulos, Asteroid City é o filme mais impenetrável de Wes Anderson. Uma história contada a partir de um documentário televisivo, sobre a produção de uma peça, que é dramatizada em cinema. Não admira que Paul Schrader diga que este é o filme mais Wes Anderson de Wes Anderson. Todos os temas familiares de Anderson estão aqui revisitados: a descoberta do primeiro amor, como em The Grand Budapest Hotel ou em Moonrise Kingdom, a tentativa de buscar significados na perda, de The Darjeeling Limited ou de The Life Aquatic (…), tentar lidar com o peso da solidão, como em Isle of Dogs ou em qualquer outro Anderson. Mas onde verá aqui Schrader uma obra definidora? É difícil olhar para Asteroid City como algo que simplesmente não procura activamente alienar o seu espectador. Esta alienação sempre foi marca da metadesconstrução de Anderson, em toda a sua carreira. É, de resto, o que está na base da força de quase todos os impactos emocionais na sua obra. Mas em Asteroid City vemos esse impacto apenas em fogachos, em particular no fecho do terceiro acto, ou no silêncio quasi-Chaplinesco que inunda a surpresa em torno do final do primeiro acto. De resto, muitos dos temas de Anderson já viram melhor tratamento no passado.
Hugo Dinis
12° The Phoenician Scheme (2025)
If something gets in your way, flatten it. A cultura do businessman no mundo Andersoniano é feita de anti-desespero. Uma espécie de forma fácil de ter respostas para tudo. Em The Phoenician Scheme, esse papel é de Benicio del Toro, e o conselho esmagador foi-lhe dado pelo seu pai antes de o retirar do seu testamento. Esta exploração da relação parental é apresentada agora pelo próprio del Toro à sua filha, Mia Threapleton, que enveredou pelo caminho da Igreja. Threapleton é o arquétipo da credulidade nas relações humanas. Alguém que vê no pai uma oportunidade de penitência e uma força a ser apoderada pelo Bem. Anderson sempre fez por popular o seu trabalho com esta condição de moralidade em torno de personagens em estado de dor e sofrimento, mas, tal como em The Royal Tanenbaums ou em The Darjeeling Limited, The Phoenician Scheme faz questão de reconverter essa amargura em fruição terapêutica. Mas este é também um filme de números, papéis, contas e balanços. E a frieza dos números é total. Os mesmos números que mostram a percentagem que vai cabendo a cada um na cobertura do buraco nas contas do esquema. “Obey me”, diz del Toro a Scarlett Johansson, em busca da salvação do seu negócio. A deixa é mais desesperada do que imperativa. Assim sendo, “why?” é a resposta.
Hugo Dinis
11° The Wonderful Story of Henry Sugar (2023)
Uma história dentro de uma história dentro de outra história dentro de mais outra história. As matrioskas narrativas são um engenho sobejamente conhecido no cinema de Anderson; no entanto, nunca como em Henry Sugar a artificialidade foi tão assumida, diretamente parte do tecido desta média-metragem produzida para a Netflix em paralelo com Asteroid City (outro ensaio meta-moderno sobre os modos de contar histórias). Aqui, os décors são literalmente construídos e desarranjados em frente à câmara, o texto deliberadamente literário (essencialmente uma leitura ipsis verbis do conto de Roald Dahl), a dinâmica profundamente teatral, puxando o espectador diretamente para dentro de si. De Brecht a Zweig, o realizador nunca se coibiu de ostentar as suas influências, mas nunca até aqui as corporizara em forma de personagem (interpretada por Ralph Fiennes). Uma ode ao processo criativo, às histórias como acto de partilha.
André Filipe Antunes
10° Rushmore (1998)
Rushmore é a primeira camada do aperfeiçoamento de Wes Anderson enquanto autor. Os temas da juventude adensam-se, aqui na pele de um jovem de 15 anos (Jason Schwartzman). Um rapaz cuja vida gira em torno de ser aluno de uma das melhores academias dos Estados Unidos. Amor platónico, humor deadpan aperfeiçoado, e sobretudo o pontuar de um Mundo hermético que existe na cabeça do protagonista, influenciando todos os que com ele se cruzam. Será talvez injusto tentar encontrar o Wes Anderson do presente neste registo indie de desenvolvimento, ainda assim com uma cinematografia que já se apresenta bastantes furos acima de Bottle Rocket. Rushmore será sempre um filme com coração, de amizades, uma teen comedy, sim, mas matemática, por vezes surda, ligando-se musicalmente com excelente gosto.
David Bernardino
9° Isle of Dogs (2018)
Embora Isle of Dogs não esteja entre os meus filmes preferidos de Wes Anderson, é impossível ignorar o nível de precisão técnica e estética envolvida no décimo filme do realizador. Recheado de homenagens ao cinema japonês, em particular a Kurosawa, o filme é uma tour de force de imaginação, com cenários ricamente detalhados e personagens construídos com um carinho obsessivo. O filme que sucedeu a The Grand Budapest Hotel é, tal como esse, uma comédia frenética, mas sem o mesmo impacto emocional. A escolha narrativa de seguir uma estrutura mais episódica e fragmentada, cada vez mais comum nos filmes recentes de Anderson, cria uma barreira entre o espetador e as personagens. No entanto, momentos isolados tornam este filme imperdível — como a hipnotizante cena da preparação do sushi, onde a brilhante animação em stop motion e a obsessão de Wes Anderson pelo detalhe são evidentes. Uma autêntica coreografia de gestos rápidos e cortes precisos, tal como as facas do Itamae.
Francisco Sousa
8° The French Dispatch of the Liberty, Kansas Evening Sun (2021)
Se todos os filmes de Wes Anderson podem ser descritos como labors of love – isto é, obras concebidas com extremo cuidado e atenção, onde o estilo visual e os interesses temáticos do cineasta se fundem de forma inseparável – então The French Dispatch será o corolário do seu estilo. Uma espécie de compêndio maximalista das suas obsessões narrativas e formais, que (fossem os tempos outros) deveria ser comummente aceite como o culminar de um projeto autoral. Não é a visão dominante. Essa declarou este crescendo um cansaço, apontando elementos avulsos, como o suposto sacrifício de um núcleo afetivo em favor do artifício formal, para legitimar a sentença de um cinema esvaziado de conteúdo. Sem entrar em combates que aqui não pertencem, argumentaremos apenas que a emoção, em Anderson, não desapareceu com French Dispatch; deslocou-se. Deixou de residir nas personagens, que aqui não funcionam como âncoras psicológicas ou motores dramáticos, para se diluir na própria estrutura da obra. As personagens são agora peças de um sistema mais vasto — elementos de composição numa tentativa de mapear um certo olhar sobre o mundo. Um olhar simultaneamente analítico e poético, nostálgico e crítico.
Em mãos menos hábeis, French Dispatch facilmente descarrilaria num mero exercício de estilo balofo, mas o fulgor criativo de Anderson consegue fazer cinema de um mosaico rigoroso e auto-irónico, erigido em referências cruzadas, notas de rodapé e piadas altamente específicas que ganham uma dimensão quase épica. O filme antológico configura-se como uma recriação idiossincrática de uma França idealizada, uma América imaginada e uma patine do cinema europeu. Todos profundamente filtrados pela sensibilidade do autor. Mas também opera como uma reflexão, ainda que oblíqua, sobre temas mais amplos: o mundo do trabalho, os limites do idealismo juvenil, a tensão entre arte e mercado, ou o problemático legado cultural dos Estados Unidos — tudo mediado por uma visão nostálgica de um jornalismo que talvez nunca tenha existido, mas cuja ética permanece como linha do horizonte.
E porque este é (também) um filme sobre jornalismo, se há elemento distintivo em The French Dispatch, esse é a centralidade da palavra. Paradoxalmente — ou talvez não —, num dos seus filmes visualmente mais densos, Anderson apresenta um guião mais refinado do que nunca. Ao contrário, por exemplo, de The Grand Budapest Hotel, onde o texto se limita a sustentar a linha narrativa que vai de um ponto A a um ponto B, aqui a estrutura literária é o eixo organizador do filme. O guião não serve apenas a encenação: é o que a justifica e enforma. É essa primazia literária — das crónicas, do ritmo prosódico, do próprio uso requintado da língua — que permite o acesso a um universo simultaneamente irreal e reconhecível. A quase omnipresente narração em voz off, frequentemente considerada um recurso redundante ou preguiçoso, noutros contextos, é aqui um instrumento aguçado de construção semântica, operando tanto no explícito como no subentendido. Mesmo o diálogo — frequentemente relegado ao papel de ornamento — encontra espaço para pequenos momentos de autenticidade emocional, sem nunca resvalar para o sentimentalismo (no crying).
Falar em French Dispatch é, em última instância, falar de cinema autoral no sentido mais rigoroso do termo: o exemplar mais barroco, talvez, mas também mais aprimorado de uma prática estética que se afirma contra as convenções narrativas dominantes e que insiste em manter uma voz própria, num panorama audiovisual cada vez mais normalizado. Que não procura ser universal, mas sim singular — e, nesse gesto, reveladora daquilo que resta de liberdade num cinema comercial cada vez mais desinspirado, homogéneo e amorfo.
Gil Gonçalves
7° Bottle Rocket (1996)
O desenvolvimento da curta metragem com o mesmo nome, Bottle Rocket tem o mérito de “descobrir” Owen e Luke Wilson para o cinema, num certo registo indie americano 90s que parece ser aquele que assenta melhor aos irmãos. O humor deadpan, a excitação e devaneio de um grupo de jovens que sonham em ser bandidos. Dignan (Owen) representa esse amigo sempre pronto para executar planos mirabolantes, algures entre a lealdade e a loucura, com menos ou mais consequências, originando uma belíssima colheita de humor negro de situação com um grande coração (que acaba por ser, em si, uma marca de Wes Anderson). A narrativa do romance de Anthony (Luke) com Inez, a funcionária de limpeza de um motel perdido na América, cristaliza também essa loucura jovial, a incerteza do dia a dia, a aventura, a paixão. Sabe bem ver Anderson num registo esteticamente descomprometido, sem régua e esquadro. Um filme orgânico, uma belíssima estreia.
David Bernardino
6° Moonrise Kingdom (2012)
Apesar de revestido pela sua estética decididamente tola, Moonrise Kingdom evoca um elo importante e sentido entre as dores dos primeiros tempos da adolescência e a crise da meia-idade. É um filme profundamente melancólico, onde crianças (ou adolescentes…) procuram entre si respostas para um mundo onde os adultos parecem sempre sentimentalmente perdidos. Com o belíssimo cenário natural da Nova Inglaterra, o enquadramento romântico da literatura fantástica de Suzy, e a música de Benjamin Britten, é uma fuga perfeita de Anderson por aquilo que é um falso filme de crianças, respirando sempre mais forte quanto mais livre dos seus trejeitos estilísticos. Moonrise será um filme-charneira na filmografia do realizador – se se trata do seu primeiro filme que se aproxima de um “cinema de animação” (mas) feito com pessoas, é também o último que não existe dentro da casa de bonecas onde Anderson se fecharia a partir de então. As crianças são de facto brilhantes, todas parecendo naturalmente imunes ao rigor formal do realizador, e pelo trecho central do filme, alguns momentos entre Suzy e Sam transportam a leveza e rudeza de um quase amadorismo. É, então, uma pena que Anderson tenha sobrecarregado o filme com tanta idiossincrasia supérflua, que quase resulta na auto-paródia — como se as indumentárias dos escuteiros não fossem, por si só, já bastante ridículas. O terceiro acto é, nesse sentido, mais frágil, porque muito mais “produzido” (veja-se quase tudo no Fort Lebanon), mas será também então que maior relevância se revela na personagem de Bruce Willis, e onde se fecha, enfim, o laço entre aquelas crianças que se querem perder e aqueles adultos que se querem encontrar. “Poems don’t always have to rhyme, you know. They’re just supposed to be creative“, e, por isso, Moonrise Kingdom é um filme muito maior quando as coisas nos surgem um pouco menos alinhadas e nos deixamos, enfim, levar por esses curtos tempos de amor e aventura, onde não pensamos em grande coisa, apesar de tudo o que ainda nos magoa.
Miguel Allen
5° The Grand Budapest Hotel (2014)
Se Fantastic Mr. Fox representou um ponto de inflexão no cinema de Wes Anderson, e Moonrise Kingdom deixava antever o que aí vinha, The Grand Budapest Hotel marca então a concretização da sua evolução estética. Livremente inspirado em Zweig e na boémia do mundo intelectual no alvor da 2ª Guerra, Grand Budapest funciona como um elogio fúnebre a um tempo e a um modo de vida do qual, dá a sensação, Anderson se sente embaixador. Esta temática, contudo, não exclui o seu humor característico: este é porventura o filme mais abertamente cómico de Anderson, facto para o qual muito contribuem as atuações genuinamente memoráveis de Ralph Fiennes e Adrien Brody. A fórmula funcionou: com quase 200 milhões de euros de bilheteira, ainda hoje é o mais bem sucedido filme do realizador. O diorama triunfava, enfim, sobre o naturalismo; Anderson não voltaria atrás.
André Filipe Antunes
4° Fantastic Mr. Fox (2009)
– Why? Why did you lie to me?
– Because I’m a wild animal.
– You are also a husband, and a father.
– I’m trying to tell you the truth about myself.
Um antigo ladrão profissional, e excelente desportista, Mr. Fox aborrece-se pela vida pacata que leva enquanto cronista de um jornal local, entristece-se por ser ainda pobre. A vida familiar não convém a todos e Mr. Fox é um animal selvagem. Mas o “(quote unquote) Fantastic” que lhe colaram ao nome é marca de uma certa engenhosidade (ou matreirice…).
A primeira adaptação de Wes Anderson (aqui com Noah Baumbach) de um clássico de Roald Dahl (1916-1990), Fantastic Mr. Fox trata do reconhecer e aceitar a nossa identidade enquanto via de vitória social. Como não é incomum na filmografia de Anderson (nomeadamente na sua primeira fase), um filme que nos fala de encontrar um lugar nosso no mundo a partir de uma unidade familiar que, invulgar, se revela tanto batalha como porto seguro. A animação em tons outonais é belíssima e, se porventura se critica que este registo enferma o estilo de Anderson pelo seu valor mais artificial, preferimos, pelo contrário, ver em Mr. Fox um marco essencial da obra do realizador – condensando o sentimentalismo humano peculiar dos seus começos com a heróica artificialidade formal dos seus filmes mais tardios. Um filme de famílias e familiar, simples e divertido, cheio de afecto e animais espirituosos. Será impossível não nos deixarmos levar – knocked out and dazzled and slightly intimidated – pelas aventuras e criatividade daquele raposo, e mesmo Felicity, que doze anos-de-raposa antes lhe exigira que abandonasse a sua vida de risco, aprenderá afinal a apreciar os seus dias “dancing in the night unafraid of what a dude’ll do in a town full of heroes and villains.” Anderson, pela voz de Fox e com ajuda de Bobby Fuller, é peremptório – e não poderíamos estar mais de acordo: let her dance ! Até porque Felicity está incrivelmente bela esta noite, praticamente radiante (ou será apenas o efeito da luz?).
Miguel Allen
3° The Darjeeling Limited (2007)
The Darjeeling Limited é, como seria de esperar num filme de Wes Anderson, visualmente arrebatador. Tudo vive numa harmonia milimétrica, entre o templo do design e o altar da mise-en-scène. É o teatro da contenção emocional a que Anderson nos habituou, mas aqui montado sobre carris, numa Índia que é menos espaço geográfico do que palco simbólico. A história é a de três irmãos em luto, numa peregrinação ferroviária de reconciliação e mágoa. A proposta é clara: o comboio como metáfora para o percurso interior, a perda como motor de mudança.
A viagem é literal e simbólica, como convém, mas também desajeitada, cheia de pequenas frustrações e reconciliações precárias. E é aí que o filme ganha uma camada interessante: não na catarse, mas no falhanço da catarse. Há momentos que pedem empatia e há outros em que nos sentimos a ver de fora (o tom performativo característico das personagens de Anderson nunca desaparece) mas há algo comovente nessa distância, como se as personagens também não soubessem bem como aproximar-se umas das outras.
Ainda assim, The Darjeeling Limited tem várias ideias fortes: a forma como o luto se manifesta no silêncio, na tentativa de controlo, nos gestos repetidos. E há também sequências que, mesmo mantendo-nos a uma certa distância, convidam à contemplação. A metáfora do comboio pode ser óbvia, mas resulta. Não necessariamente pela ideia em si, mas pelo ritmo, pelos solavancos, pelas pausas. Um filme que avança aos tropeções, e que, talvez por isso mesmo, chega a um lugar genuíno.
Carla Rodrigues
2° The Life Aquatic with Steve Zissou (2004)
Aproveitando a onda de sucesso de The Royal Tenenbaums, Wes Anderson escolhe o oceano como cenário da sua quarta longa. Com um orçamento duas vezes superior ao do filme anterior, The Life Aquatic é até hoje o filme mais caro de Anderson. Felizmente, a sua dimensão não comprometeu a sua qualidade. Aqui a típica excentricidade wesandersoniana não é um mero cenário colorido e simétrico, mas algo verdadeiramente comovente, fascinante e encantador. Sejam os golfinhos espiões, os estagiários não remunerados, a orca que Steve alimenta, os sequestradores (“out here we call them ‘pirates’, Ned”), a cena do “let me tell you about my boat”, o mini submarino Jacqueline (“she didn’t really love me”), os capacetes musicais, a ternura de Owen Wilson, o balão de ar quente (“maybe it’s just me, but I don’t feel like that person”), os covers de David Bowie feitos por Seu Jorge, o trabalho de animação de Henry Selick, o confronto final com o tubarão-jaguar (“I wonder if it remembers me”) ou, claro, o inigualável Steve Zissou.
Pedro Barriga
1° The Royal Tenenbaums (2001)
The Royal Tenenbaums arranca com a (não tão) problemática agressividade estética que caracteriza(rá) Wes Anderson noutros dos seus trabalhos, e ainda que o tom de fábula seja percetível – o narrador bem articulado como entidade omnipresente, as aparições de livros com(o) histórias de encantar –, as personagens não são fruto de uma pura ficção idiossincrática, mas pertencentes ao mundo real, fazendo dele um espaço onde criam o seu próprio mundo fantasioso, mundo dentro de um outro.
Com efeito, discernimos a família Tenenbaum tendo em mente as regras sociais da nossa própria vida – e eles próprios têm delas consciência –, mas os seus modos de atuar não deixam de ser de uma excentricidade caricata, nobremente inacreditável, já que falamos de uma Royal family: quanto desta denominação não será um comentário acerca da ironia das duplicidades (pensemos, de imediato, nas do patriarca Royal) a que personalidades de elevadas estimas e reputações se sujeitam, dissimulando as suas fraquezas, já que é um filme que trata, entre outros, do tema da imagem pública e do secretismo, em vários estratos – o intrigante esgotamento nervoso, transmitido em direto na televisão, de Richie; o tabagismo, camuflado durante um par de décadas, de Margot e, mais curiosa para esta reflexão, a forma como o seu pai a apresentava à sociedade como filha adotada; o desmoronamento mental encoberto de Chas, que termina numa confissão emocionada – “I’ve had a rough year, dad”.
Sofremos todos os mesmos males e é isso que nos une uns aos outros poderá ser um ponto de partida (ainda que na narrativa surja como conclusão quase moral) para compreender em que assenta, exatamente, a sensação de um fundo muito humano que acompanha sempre The Royal Tenenbaums, mesmo aquando de estranhas peripécias, entre elas, manipulações conjugais, crianças (extremamente) sobredotadas pelo desejo materno e ausência paterna (ou vice-versa), ou pseudo-incesto que é, afinal, amor verdadeiro – “I think we’re just gonna have to be secretly in love with each other and leave it at that, Richie”.
Um engrandecimento dos pormenores que são a matéria constituinte da peculiar dinâmica familiar, mediado por uma belíssima forma de contar, filmando, histórias individuais e coletivas, intrigas que aproximam e afastam pessoas – das poucas vezes que sentimos que a técnica andersoniana não é a protagonista e que, não sendo um fim em si, é sim uma via de enaltecimento deste vínculo (que liga os Tenenbaums, e nós a eles) temperado por uma desgraça sempre à espreita e por um humor trágico nunca exagerado. A ênfase está no caráter imperfeito de cada um e das situações por eles, ou pelo destino, impostas, criando um universo insólito mas indubitavelmente atrativo, seja por proporcionar uma identificabilidade que surpreende, seja pela atmosfera indie emanada, tão apetecível para a nossa contemporaneidade anacrónica – as tecnologias obsoletas, a composição brutalmente estilizada, a voz de Nico que ecoa ainda tão docemente em nós.
Um filme que consegue contornar a previsibilidade a que, muitas vezes, é propenso – mesmo nos seus momentos mais banais, de reconciliações pirosas e provas lamechas de amor, nunca deixa de ser uma desconstrução do ideal de relações pessoais, especialmente familiares. Coabitam aqui, equilibradamente, a dura realidade e o sonho dela gerado, dentro de uma estrutura geracional que se vai, esperançosamente, auto-sustentando.
Laura Mendes
- adrien brody
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