Terror no espaço, um monstro icónico, o fantasma de uma corporação maligna, andróides viscosos de intenções duvidosas, humanos pouco recomendáveis, uma heroína lendária, sangue ácido a derreter paredes e corpos no escuro… Eis os vértices que ligam várias visões distintas num dos mais reputados e bem sucedidos franchises da história do cinema, responsável por lançar (nem sempre da forma mais desejada) as carreiras de Ridley Scott, James Cameron, David Fincher e Jean-Pierre Jeunet. 45 anos separam o confronto espacial entre incautos blue collar workers e um famigerado 8º passageiro, em Alien (1979), e a luta pela sobrevivência dos jovens colonos de Fede Álvarez, em Alien: Romulus (2024), numa saga que abarca sci-fi, terror e muita ação nalguns dos mais memoráveis sets de sempre. A estreia da mais recente iteração deste universo serve de pretexto para a equipa da Tribuna tirar o pó aos clássicos e revelar o ranking definitivo, do pior para o melhor. Leiam para descobrir.
7º Alien Resurrection, de Jean-Pierre Jeunet (1997)
Uma estranha história de amor, Alien Resurrection é um filme difícil de se amar. Ripley clonada 200 anos após a sua morte, o seu ADN agora misturado com o da criatura que transportava quando se lançara no banho de fogo em Fiorina 161. Um grande projecto kitsch de ciência louca, um espalhafatoso série B, um objecto que celebra o seu próprio despropósito. Resurrection é muito disparatado, exagerado e excessivamente chocante, mas um filme com um sincero sentido de humor, onde o próprio argumento parece ironizar o exercício de género a que se propõe (ou mesmo o valor do próprio filme). Será indiscutível o cunho pessoal que Jean-Pierre Jeunet (futuro realizador de Amélie, aqui mais jovem e perverso), com o argumento de Joss Whedon (criador de Buffy the Vampire Slayer, ou futuro realizador de Avengers), oferece à série. Ostentativo pelo grotesco, uma estranha forma de vida “nova” dada a uma saga de filmes que se tinha encerrado no irrevogável suicídio da sua protagonista. E se nesses três primeiros Alien, Ripley tentara escapar à morte num mundo, ou por espaços, que pareciam cerrar-se progressivamente em seu torno, em Resurrection, Ripley renasce para um mundo que, em si, arquitecta a sua própria extinção. Não será um acaso que as duas figuras mais humanas deste filme sejam Call (Winona Ryder), uma andróide foragida que fora programada para amar – e que abre o caminho para a salvação ao piratear uma bíblia electrónica (!) – e, claro, a nova Ripley. Oitava experiência de clonagem dos cientistas do USM Auriga, fabulosa criatura híbrida que, se não percebemos exactamente porque começa a matar os seus irmãos xenomorfos (a narrativa e a evolução psicológica das suas personagens nunca são completamente lógicas), nos oferece um momento bizarramente comovente, ao sacrificar a sua abominável cria – uma segunda Newt (Aliens), fruto da acidental e depravada união com a “rainha” que incubara – pela sobrevivência do planeta Terra. Violento e agressivo, sujo de um estranho pulsar sexual e de um obstinado mau gosto por imagens repugnantes, Resurrection tem um pouco de tudo, e desvia-se, em pecado, do quadro da trilogia inicial. Com xenomorfos suados por toda a parte, e um gosto pelo bélico que envergonharia mesmo Cameron, um filme delirante, do grotesco e do escatológico. Talvez não exactamente um “bom filme” (mas afinal, isso o que é?), mas em tempos de cinema tão prudente, uma obra a revisitar – apesar da sua infeliz última posição neste ranking.
Miguel Allen
6º Alien: Covenant, de Ridley Scott (2017)
“You have symphonies in you, brother”.
Alien: Covenant prossegue a jornada filosófica iniciada em Prometheus, mergulhando em temas como a fé, a criação e a busca pelo significado no universo. O filme constrói a sua narrativa ao redor da dualidade entre criação e destruição, com o andróide David, interpretado por Michael Fassbender, no centro dessa exploração. David, que sobreviveu aos eventos de Prometheus, continua a sua jornada transformativa de um simples servo fiel para um ser que se vê como criador, desafiando a própria noção de submissão a um deus ou criador, humano ou não.
A tripulação da nave Covenant, por sua vez, representa a humanidade à procura de um novo começo, uma nova casa. Mas essa procura, impregnada de ambição, acaba por ser a sua ruína. Através de personagens como o capitão Chris Oram, que luta para conciliar as suas crenças religiosas com as exigências racionais da missão, o filme lembra-nos dos perigos da obsessão humana por respostas que ultrapassam a nossa capacidade de discernimento. Afinal, e como já tínhamos vislumbrado em Prometheus, a procura desesperada por significado pode ser fatal quando confrontada com forças além da compreensão.
Embora Alien: Covenant seja ambicioso nos seus temas, nem sempre consegue equilibrar perfeitamente a filosofia com os elementos de terror e ação. Algumas sequências de ação acabam por diluir a profundidade reflexiva, e a caracterização superficial de alguns membros da tripulação reduz o impacto emocional do terror que se segue. No entanto, o filme destaca-se ao continuar a explorar as tragédias da condição humana e a perigosa obsessão com o poder da criação.
Mesmo com as suas falhas, Alien: Covenant oferece uma meditação cativante sobre os perigos de procurar por um criador, o que pode acarretar horrores que transcendem o próprio xenomorfo. No final, a dualidade entre criação e destruição, personificada por David, encapsula a luta eterna da humanidade com os seus próprios limites e ambições.
Carla Rodrigues
5º Alien: Romulus, de Fede Álvarez (2024)
Em 2024, e sob a batuta de Ridley Scott na produção, foi a vez de Fede Álvarez pegar no franchise, deitando por terra a ideia de uma trilogia iniciada em Prometheus, cujo capítulo intermédio teria sido Covenant. Perante uma sede de regresso às origens, que tão bem caracteriza o cinema da última década, com as suas legacy sequels e fan service, Romulus procura recapturar a magia minimalista do primeiro filme, em que um pequeno grupo improvável se vê perante a ameaça do alien mais mortífero do universo. Reciclagem acaba por ser a palavra de ordem, com inúmeras referências aos 4 filmes “originais”, ainda que procurando manter a estrutura do original de 1979. Temos andróides, perseguições e emboscadas, e uma final girl anunciada. No entanto, aquilo que de melhor se retira de Romulus são os seus fantásticos efeitos especiais práticos e a sua profusa viscosidade, que nos remetem ao sci fi dos anos 80. O grande pecado de Romulus acaba por ser a falta de carisma do seu elenco de personagens, que não o eleva para lá de um space horror demasiado genérico e sem grande identidade, com excepção do seu clímax.
David Bernardino
4º Prometheus, de Ridley Scott (2012)
Mais de três décadas depois, Ridley Scott regressou ao universo que criou em 1979 com Prometheus, uma prequela ao filme original. Ao contrário do que os fãs da saga esperavam, este filme não é um regresso às origens, mas sim uma obra altamente ambiciosa e filosófica, onde os protagonistas procuram a origem da humanidade e o propósito da existência humana. Com um elenco de luxo, no qual se destaca Noomi Rapace, Michael Fassbender, Idris Elba e Charlize Theron, Prometheus é o primeiro filme dos que comporiam a trilogia (até hoje por terminar) centrada em David (Fassbender, numa das suas melhores performances), um android criado pela Weyland Enterprises. Uma das personagens mais complexas de toda a saga, David é fundamental para a exploração dos temas centrais do filme. A curiosidade e a amoralidade são as marcas desta personagem, cujas decisões levam a consequências catastróficas para a tripulação humana. Escrito por Jon Spaiths e Damon Lindelof, o filme tem ligações ténues ao universo do Xenomorfo. Mais focado nos tripulantes e nos criadores da humanidade (os Engenheiros), o argumento do filme foi criticado não só pelo excesso de perguntas sem respostas, como também por defraudar as expectativas de alguns fãs que estavam à espera de uma história mais linear e menos ambígua, típica do universo Alien. Além disso, e embora seja uma característica clássica destes filmes, Prometheus sofre ainda mais com o excesso de decisões pouco realistas e descabidas dos seus protagonistas. Um filme ambicioso, visualmente interessante e com performances cativantes, mas que, em certos momentos, é incapaz de ultrapassar as fragilidades do argumento.
Francisco Sousa
3º Alien³, de David Fincher (1992)
Um vislumbre do inferno. Quando a FOX entregou o comando de Alien³ a um novato, estaria certamente à espera de um passeio nostálgico e de continuidade pelas visões distintas, mas muito bem sucedidas, de Ridley Scott (Alien, 1979) e James Cameron (Aliens, 1986). Mas o novato em questão era David Fincher e a luta por controlo criativo é visível num filme que parece tão empenhado em dinamitar a lógica de franchise, quanto constrangido a ceder aos preceitos do formato serial. Aos seus pontos fortes – uma decupagem cuidada, feita de planos fechados e composições claustrofóbicas, aliada a uma direção de arte desoladoramente bela – juntam-se (e muitas vezes sobrepõem-se) vários problemas. Um ritmo muito inconstante, diálogos sofríveis e uma boa hora (ou mais, se a versão escolhida for o Assembly Cut) de ação inerte, com personagens mal trabalhadas e sub plots inconsequentes, traem as boas ideias de um autor ainda em maturação. Será mesmo a atitude de pirraça para com a preguiçosa satisfação do fan service o ponto de maior interesse neste filme. Verificamo-la logo a abrir, com um conjunto de importantes mortes off screen, que destroem o que Aliens havia edificado, mas também em diversas instâncias ao longo de toda a ação: novas (e menos subtis) implicações para o subtexto de violação – tema recorrente nesta saga -, body horror em animais, um andróide a implorar para ser permanentemente desligado, uma heroína condenada e suicidária… Enfim, um constante e quase sádico deleite por desesperos irremediáveis marca a inconformada personalidade deste filme ressentido. Vil, como o sinistro e imundo planeta-prisão no qual a ação decorre, onde criminosos convertidos em seita religiosa convivem, amorfos, com infestações de piolhos e baratas, fechando-se a qualquer outra forma de existência. Tão inconstante como as aparições do xenomorfo – ora assustador, quando surge em toda a glória de efeitos práticos sofisticados, ora risível nas aparições que misturam stop motion e CGI. Um filme fraco e forte, em igual medida, devido às suas contradições e, por isso mesmo, fascinante.
Gil Gonçalves
2º Aliens, de James Cameron (1986)
Alien$. Reza a lenda que foi desta forma que James Cameron fez o pitch da sequela de Alien, ao adicionar o símbolo $ ao título original do filme. Depois do sucesso do primeiro Terminator (1984), o realizador canadiano decidiu expandir o universo criado por Ridley Scott e transformá-lo, começando assim a tradição de tornar esta saga numa “sandbox” para cada realizador. Aliens, ao contrário do seu antecessor, é um filme carregado de ação, onde a atmosfera que rodeia Ripley e a equipa de marines, desde o ambiente opressivo da colónia LV-426 até ao ninho dos Xenomorfos, está meticulosamente criada para amplificar a tensão e o perigo. Os efeitos especiais, que ainda hoje se mantêm impressionantes, foram inovadores para a época, contribuindo para o realismo aterrorizante dos alienígenas. A combinação de efeitos práticos com os modelos criados por Stan Winston deu vida às criaturas de uma forma que poucos filmes conseguiram replicar. Aliens foi um autêntico sucesso, tendo sido nomeado para 7 óscares (incluindo de melhor atriz para Sigourney Weaver) e arrecadando quase 200 milhões de euros. Não só cimentou James Cameron como um dos realizadores mais promissores de Hollywood, mas também tomou por direito o seu lugar como um dos melhores e mais influentes filmes de ação e ficção científica até hoje.
Francisco Sousa
1º Alien, de Ridley Scott (1979)
Em 1979, Alien emergiu como uma obra-prima que redefiniu os géneros de terror e ficção científica, introduzindo também uma crítica social incisiva. Ridley Scott desafiou as convenções cinematográficas, oferecendo uma visão brutalmente realista de um futuro opressor. Ao contrário dos heróis espaciais convencionais, os personagens de Alien são trabalhadores comuns, representantes de uma classe operária num ambiente inóspito e mortal. A bordo da Nostromo, encontramos indivíduos que lidam com questões tão mundanas quanto a disputa por bónus e condições de trabalho, antes de serem confrontados por uma força alienígena implacável.
A genialidade de Alien reside na sua capacidade de criar uma atmosfera de terror sufocante e claustrofóbica, enquanto faz uma crítica social profunda. A figura do xenomorfo, um predador imparável e impiedoso, serve como uma metáfora para os horrores do capitalismo desumanizador, onde até no vasto espaço, as preocupações da classe trabalhadora são rapidamente desvalorizadas. O filme transcende o mero entretenimento, explorando temas universais de medo, sobrevivência e a insignificância da humanidade perante um universo indiferente.
Ao longo dos anos, Alien manteve a sua relevância e impacto, continuando a inspirar e aterrorizar novas gerações. O seu legado é indiscutível, consolidando-o como um dos filmes mais importantes e influentes na história do cinema. No fim de contas, este filme não só expandiu os limites do que a ficção científica poderia ser, mas também nos lembrou da frágil humanidade que reside no coração do género. No espaço, ninguém pode ouvir os nossos gritos, mas Alien garantiu que eles fossem eternos.
Carla Rodrigues