A propósito do Dia da Criança, a Tribuna abraça mais uma vez o desafio de eleger um Top filmes. Não um top de filmes de animação ou cinema infantil em sentido lato. Desta vez a temática escolhida foi o género “coming of age”, normalmente associado aos dramas juvenis, ao processo de crescimento, à transição para a vida adulta. Fomos amplos no critério, excluindo apenas filmes de animação e documentário, mas percorrendo outros subgéneros como terror ou a ficção científica. Participaram na eleição 10 membros da Tribuna. O resultado final é uma lista eclética, com clássicos antigos e recentes, proveniente dos 4 cantos do Mundo. A partir do 30º lugar cada participante escreveu pequenos parágrafos para acompanhar os filmes. Eis o resultado final:
50º The Edge of Seventeen (2016) de Kelly Fremon Craig
49º Rushmore (1998) de Wes Anderson
48º Moonrise Kingdom (2012) de Wes Anderson
47º Y tu Mamá También (2001) de Alfonso Cuarón
46º Empire of the Sun (1987) de Steven Spielberg
45º Quatre Aventures de Reinette et Mirabelle (1987) de Eric Rohmer
44º Mamma Roma (1962) de Pier Paolo Pasolini
43º Paper Moon (1973) de Peter Bogdanovich
42º Mommy (2014) de Xavier Dolan
41º Astrakan (2022) de David Depesseville
40º Ohayo (1959) de Yasujiro Ozu
39º Les Parapluies de Cherbourg (1964) de Jacques Demy
38º Aftersun (2022) de Charlotte Wells
37º Boyz n the Hood (1991) de John Singleton
36º Mermaids (1990) de Richard Benjamin
35º Eighth Grade (2018) de Bo Burnham
34º Aparajito (1956) de Satyajit Ray
33º Sommarlek (1951) de Ingmar Bergman
32º A Brighter Summer Day (1991) de Edward Yang
31º Where Is My Friend’s House ? (1987) de Abbas Kiarostami
30º Mustang (2015) de Deniz Gamze Ergüven
O filme centra-se na história de cinco adolescentes que perderam os pais, sendo criadas pela avó e tio, numa Turquia rural marcada por um forte conservadorismo e uma mentalidade altamente machista. Este coming of age ergue-se sobre valores universais relacionados com a repressão da jovem mulher. Apesar do contexto cultural, o aprisionamento feminino é um tema transversal a várias culturas e religiões, sendo exposto de forma contrastante pela realizadora Deniz Gamze Ergüven, que retrata as suas jovens protagonistas com a leveza da liberdade, a ingenuidade da idade e a sensualidade do crescimento e descoberta. Assim como as consequências da sua repressão.
Inês Bom
29º The Breakfast Club (1985) de John Hughes
The Breakfast Club será provavelmente o filme mais marcante dos anos 80 sobre a adolescência e a rebeldia. É também a imagem representativa da resistência ao cânone e a oposição às normas escolares e educacionais. A particularidade máxima desta obra remete para a forma como desconstrói um conjunto de estereótipos e arquétipos presentes em cinco personagens: Anthony Michael é o cérebro, Emilio Estevez o atleta/desportista, Ally Sheedy a gótica, Molly Ringwald a miúda popular e Judd Nelson o baldas. Sem nada que evidencie que os una, todos recebem uma notificação para um castigo escolar, num sábado, no liceu que frequentam. É ao longo deste dia que, reunidos, se farão ouvir, não tanto por meio de vozes, mas sim por comportamentos que representam os backgrounds distintos das suas proveniências. É a origem de cada um, das suas casas e educação, que aqui ganha a forma da tristeza e poesia inerentes aos clichés da vida escolar, isto é, aos diversos conflitos geracionais que partilham. Estamos perante uma obra enérgica, repleta de vivacidade e beleza e que não se deixa pautar pelos habituais lugares-comuns dos filmes representados por e para adolescentes. Todos os diálogos revelam a forma cruel e o impacto do medo no desenrolar desta juventude aparentemente tão forte mas, no fundo, tão frágil e vulnerável. No final, Anthony, Emilio, Ally, Molly e Judd descobrem que, afinal de contas, têm muito mais em comum do que aquilo que, efectivamente, os separa. Todos são mais sabedores e conhecedores do que os adultos que os rodeiam e é o universo que está contra eles e não o contrário.
Rita Oliveira
28º The Virgin Suicides (1999) de Sofia Coppola
The Virgin Suicides é a primeira longa-metragem de Sofia Coppola, um filme que tal como o nome indica remete para a crónica de uma tragédia anunciada. Apesar de ser um filme low budget e de se inserir na categoria de american independent movie, tornou-se representativo dos temas tabus da adolescência e de ser um coming of age da América retrógrada e conservadora. Nesta obra, um grupo de amigos adolescentes cria uma relação de obsessão, fortemente marcada pelo voyeurismo, por cinco misteriosas irmãs que são religiosamente protegidas pela educação rigorosa dos pais. Falamos de um filme tenso, sensorial e nostálgico, que aborda a complexidade da adolescência e a descoberta do corpo, da sexualidade e das relações amorosas. A entidade colectiva das irmãs Lisbon é predominante, no entanto, é a singularidade de cada uma que será preponderante para o desfecho desta tragédia. Para embelezar a catástrofe, Sofia Coppola recorre a uma banda sonora mais leve e jovial, utilizando diversos temas dos Air, atenuando o abismo obsceno e imoral para o qual a acção desliza. Com efeito, “As Virgens Suicidas” é uma obra que tem tanto de misteriosa como de bonita, mas também a sua vertente angelical e dócil rapidamente nos leva para um precipício de dor e perda.
Rita Oliveira
27º A Nos Amours (1983) de Maurice Pialat
On ne badine pas avec l’amour ! O despertar amoroso e sexual de Suzanne (Sandrine Bonnaire) para uma vida que se revelará de uma penosa pobreza sentimental. A figura de Bonnaire, adolescente (15 anos, no seu papel mais emblemático), de vestido branco contra um fundo solarengo de mar, ao som glacial de Klaus Nomi, será seguramente a imagem mais emblemática da filmografia de Pialat. Um plano cujas contradições se reflectem pelo filme e nos explicam afinal A Nos Amours. Suzanne nunca atingirá esse horizonte. A sua entrega livre e libertina, total, ao amor, será a procura de um sentimento que parece jamais se revelar. Uma família desfeita pelo desespero do pai, e um despertar despreocupado para uma vida sempre em fuga, para a frente. A realidade será talvez demasiado prosaica para sonhos tão vastos, para um coração tão ambicioso. Ou tudo será apenas uma pura incapacidade de amar. “La tristesse durera”, e, mesmo ao sol, a solidão de Suzanne, como a do pai, não conhecerá fim.
Miguel Allen
26º Fanny & Alexander (1982) de Ingmar Bergman
Esta é a única origin story possível para a obra do mestre sueco. A história de uma família que, lembrando Tolstói, é infeliz à sua maneira e que responde às questões “De onde vem o medo?”; “De onde vêm as clausuras mentais em que se encontram todas as personagens de Bergman?”. A reconhecível técnica dramatúrgica de descascar as camadas das personagens até as vermos em carne viva está presente em “Fanny & Alexander”, como em quase todas as obras do autor. Aqui, contudo, grande parte do foco incide em crianças que crescem num ambiente fechado (quase toda a vivência acontece dentro de portas), marcadas por abusos de diferentes dimensões, pelo contacto prematuro com a morte, pela religião enquanto motor de repressão e por uma etiqueta que constrange quase todos os momentos da vida. Por vezes leve e divertido, outras cruel e opressivo, este filme alude aos fantasmas a que muitas vezes nos entregamos, na infância, para fugir a uma realidade demasiado dolorosa. Dessas dores resulta uma cisão irreversível da alma, sim, mas também surgem os despertares para o que há de vir. No caso de Alexander (alter ego de Bergman), falamos da descoberta do teatro e das suas possibilidades de reescrita de (e reconciliação com) um passado traumático.
Gil Gonçalves
25º Stand By Me (1986) de Rob Reiner
O filme de culto de Rob Reiner que conta com a participação, entre outros nomes, de River Phoenix e Kiefer Sutherland, leva-nos numa expedição cinematográfica por entre aspirações e percepções de quatro jovens amigos. Os pequenos protagonistas embarcam numa aventura para encontrar um cadáver de um jovem, cuja localização circulava por entre rumores dos habitantes da vila onde vivem. Apesar do objectivo final, é a sua travessia que vai marcar para sempre estes jovens. Cada um conta com a sua motivação, cada um pretende escapar do quotidiano pelas suas próprias razões. Cada um quer provar a si e aos outros que é mais do que aquilo que está destinado a ser. Mas em comum partilham um espirito de companheirismo e aceitação, que os une sob a alçada de um mesmo propósito. O filme encerra um momento único nas vidas dos quatro amigos, relembrando-nos da magia da juventude e no sonhar um mundo de possibilidades ilimitadas.
Inês Bom
24º The River (1951) de Jean Renoir
Filmado por uma equipa de várias nacionalidades e, mais importante, de diferentes sensibilidades, “The River” é composto por pequenos elementos da nossa existência: nascimento e morte, paixão e ciúme, infância e velhice, alma e corpo. É, pois, uma obra universal. Uma galeria de personagens abraça as suas hesitações, agitam-se recordando, procuram iluminação sobre o que lhes sucede. Os anciões ritualistas, os estóicos funcionários do Império (qual?), um jovem oficial em licença, três adolescentes em ebulição num mágico triângulo amoroso, crianças à cata do desconhecido, e, no centro, o Rio. Renoir desconstrói as fases da vida numa Índia, por achar, repleta de cor. A criança é o adulto, o adulto é a criança. Só o Rio, como a vida, permanece, correndo. Um dos filmes mais corajosos alguma vez feito.
Eduardo Magalhães
23º Pauline à la Plage (1983) de Éric Rohmer
Crianças adultas e adultos infantis. O terceiro capítulo do ciclo “Comédias e Provérbios” de Éric Rohmer é seguramente o seu mais cómico. Um filme sobre uma adolescente, a titular Pauline, relutantemente cercada por adultos. Cansada dos seus joguinhos e mentiras, que constantemente interferem com o seu romance estival. Pauline à la plage é a rara obra que consegue ser ligeira sem abdicar de conteúdo. Rohmer desafia o intelecto do espectador através de puro entretenimento. Uma comédia romântica que é também um delicioso filme de verão.
Pedro Barriga
22º A.I. Inteligência Artificial (2001) de Steven Spielberg
Conseguirá uma máquina ser mais autêntica do que um ser de carne e osso? Poderá um robô possuir mais humanidade do que um humano? Com A.I., Spielberg testou de novo as possibilidades do blockbuster de verão. Desta feita com uma obra de ficção científica desinteressada em lutas espaciais, extraterrestres ou viagens no tempo. O seu filme é como que um Pinóquio distópico – sem marioneta, com robô. “I’m a real boy” diz David, o andróide interpretado por Haley Joel Osment, o ator infantil por excelência. Neste futuro sombrio, David é um humanóide que não é verdadeiramente uma criança, mas que ama verdadeiramente. Um conjunto de circuitos elétricos que nada deseja senão o amor da mãe.
Pedro Barriga
21º Mouchette (1967) de Robert Bresson
Numa demanda sem propósito, não precisa, a pequena Mouchette saltita de peripécia em peripécia. Sem nunca ser o retrato de uma infância miserável, as criaturas que interagem com a protagonista parecem saídas do conto de fadas possível: desde as figuras maternal e paternal falidas, às colegas de escola cruéis, até ao caçador…. Haverá cena mais pungente que a melodia sussurrada, na toca do caçador, pela nossa heroína? Contrastamos isto com o plano dela no meio da sala de aula, só, numa vergonha infantil ensopada em lágrimas, fruto da pedagogia que teve direito. E é na palha que é de ouro, e é na chuva que é suave batismo, e é nos carrinhos de choque quadrigas de uma mitologia por escrever, que, por instantes, conseguimos eclipsar a prisão a céu aberto. Para onde fugimos agora? Mouchette saiu de campo.
Eduardo Magalhães
20º Los Olvidados (1950) de Luis Buñuel
Buñuel usa a ficção de Los Olvidados para documentar a vida nas ruas da Cidade do México. É um filme-denúncia, onde assistimos ao dia-a-dia hostil das crianças e adolescentes da cidade. Buñuel não embeleza as dificuldades que enfrentam, nem transforma a trama em telenovela. A pobreza aqui retratada não é mais do que uma prisão geracional da qual não se conseguem libertar. Até as horas de sono são atormentadas por pesadelos sangrentos. A todo este realismo, Buñuel adiciona o surrealismo que lhe é tão característico. O resultado é excelente e exemplo disso é a fantástica sequência em que a mãe de Pedro, em câmara lenta, salta de cama em cama, como que flutuando. O filme mais brutal de Buñuel.
Pedro Barriga
19º Nobody Knows (2004) de Hirokazu Koreeda
Koreeda é mestre do drama familiar japonês com uma forte componente realista, mas Nobody Knows está a um nível superior comparativamente a todas as suas outras obras. Há uma certa falsa esperança nos filmes de Koreeda que tornam todo o cenário mais dramático. Já é bastante dramático observar crianças em situações ameaçadoras para a suas vidas ou de grande tristeza, mas Nobody Knows coloca o espectador numa posição de grande ansiedade quando o jovem Akira é, aparentemente, abandonado pela mãe e tem que cuidar da irmã mais nova, numa cidade onde o individualismo engole qualquer esperança. Crescer à força é obrigar alguém a criar responsabilidade numa idade onde a única coisa que deveria existir é a opção de falhar sem consequências.
João Miguel Fernandes
18º Ida (2013) de Pawel Pawlikowski
Ida é uma masterclass à cinematografia a preto e branco, à fotografia de grão, ao silêncio e à vingança. Mas é principalmente uma ode à redescoberta do passado enquanto adolescente e ao trauma e impacto que isso causa no trilho do futuro. Esta obra retrata a vida e as escolhas da jovem noviça Anna, na Polónia dos anos 60, que prestes a fazer os seus votos, descobre um segredo de família que remonta aos anos da ocupação nazi alemã. Na verdade, antes de se remeter aos votos religiosos, Anna é encaminhada pela Madre Superiora, a conhecer a sua única familiar viva, a tia Wanda. É neste encontro com a única pessoa que lhe resta que Ida vai ser libertada de todo um passado desconhecido, sendo introduzida às suas origens, aos seus pais e à sua ancestralidade. É então uma obra sobre o reverso da medalha, sobre o segredo e a sua descoberta, o caminho e o alcançar da meta, o medo e a coragem. É sobretudo um filme sobre a fé, a culpa, a redenção, o desespero e o caminho para a descoberta da verdadeira identidade mas também sobre o confronto com tudo aquilo que afinal não pode ser dado como certo e adquirido.
Rita Oliveira
17º Mes Petites Amoureuses (1974) de Jean Eustache
A l’ombre des jeunes filles en fleur. Um retrato profundo e sensível do fim da infância e princípio da adolescência. Um relato nostálgico, comovente e cruel, de dias sem rumo, de despertares e novos encontros, de gestos e questões, de tempos aborrecidos e solitários. Eustache evoca poeticamente as suas memórias, entre os dias felizes no campo, junto à sua avó, e tempos de rebeldia e vadiagem, fora da escola, na cidade para onde fora morar com a sua mãe. Um filme construído a partir de pequenos episódios, de repetições e detalhes, por acumulação. Dos doces passeios de bicicleta, as aventuras entre amigos, a igreja e os primeiros perigos, aos dias perdidos por entre o cinema, a oficina, e o “4 Fontaines”, correndo pelas ruas atrás de raparigas sem nome. Douce France e Pandora, o despertar do desejo e a curiosidade pelo mundo em nossa volta, um filme verdadeiramente cheio de vida. Dedicado a Odette e Louis Robert, seus avós, seria a última longa metragem de Jean Eustache, que o preferia ao monumental La Maman et la Putain. (Cópia restaurada nas salas de cinema em 2023)
Miguel Allen
16º Dazed and Confused (1993) de Richard Linklater
Dazed and Confused (1993), que faz em 2023 trinta anos, foi o filme que pôs Richard Linklater no mapa. O realizador norte americano estava, nas suas próprias palavras, a tentar fazer a sua versão de American Grafitti (George Lucas) para jovens que cresceram nos anos 70. Um filme que capta uma fase muito própria na vida adolescente, mais concretamente a adolescência dos subúrbios norte-americana, na qual o divertimento passa muito por beber álcool, conduzir sem destino e discutir trivialidades enquanto as barreiras entre grupos sociais são quebradas. De facto, o filme segue a personagem de Floyd (Jason London) que por não se identificar com nenhum grupo específico acaba por interagir com “jocks”, “geeks” e “stoners” o que é um retrato mais fiel da experiência do secundário do que aquela que é muitas vezes descrita. Com uma banda sonora que captura na perfeição o espírito da época (Aerosmith, Deep Purple, Alice Cooper, Peter Frampton, etc) e com jovens atores que viriam a ser algumas da maiores estrelas de Hollywood (Ben Affleck, Matthew McConaughey, Milla Jovovich, Parker Posey), Dazed and Confused perdura, tal como nos outros filmes na sua obra (Slacker, Boyhood), a captura da mundanidade do fim da adolescência e início da vida adulta de uma forma autêntica.
Francisco Sousa
15º The Graduate (1967) de Mike Nichols
Quando The Graduate foi lançado em 1967, foi um sucesso não só junto da crítica como também do público ao tornar-se o filme mais rentável do ano (impensável para os dias de hoje tendo em conta o género e a premissa do filme). A verdade é que o segundo filme do realizador norte-americano apelou tanto a jovens como a adultos ao satirizar ambos os lados. Um filme que utiliza na perfeição o médium em que se encaixa, com uma fotografia que isola o protagonista Ben Braddock (Dustin Hoffman no papel que o tornou uma estrela) e o coloca debaixo de água (literal e figurativamente), sem saber o que fazer após a sua graduação, preso tal como o mergulhador do aquário que tem no quarto. The Graduate coloca Ben num triângulo amoroso com uma mulher mais velha, Mrs Robinson (Anne Bancroft), e a sua filha (Katherine Ross). Um filme repleto de relações vazias e insignificantes, Mrs Robinson acaba por ser umas das personagens mais trágicas do filme, sem direito a nome próprio, que abdicou da individualidade e paixão por segurança e riqueza. Um dos filmes mais marcantes do género Coming of Age, que utilizou a música de Simon and Garfunkel em vez de uma composição mais tradicional, e que termina com uma das cenas mais icónicas da história do cinema, enquadrando o filme que acabámos de ver.
Francisco Sousa
14º La Ragazza con la Valigia (1961) de Valerio Zurlini
Fica evidente nesta lista a diversidade de géneros e abordagens associados ao Coming of Age. No entanto, é difícil encontrar rival à altura da forma como Zurlini capta o olhar do jovem Jacques Perrin sobre Claudia Cardinale. Apesar do tema de classes e estereótipos subjacentes à trajetória da personagem de Cardinale, o que interessa fundamentalmente ao realizador italiano é o amor arrebatador e inocente do adolescente hipnotizado pela beleza da mulher e capaz de mundos e fundos para ser enfim correspondido.
Bruno Victorino
13º Come and See (1985) de Elem Klimov
Come and See é um filme terrível no sentido mais objectivo da palavra. Cruel, injusto e chocante são outras palavras que o podem designar. Ao longo do filme acompanhamos a transformação de um jovem rapaz, que após certos momentos de terror, encontra uma arma e junta-se ao exército para vingar a sua familía, aldeia e povo contra os alemães num cenário de absoluta desolação humana. Tal como em Ivan’s Childhood, os motivos soviéticos e a crueldade da guerra são contrapostos com o lado humano sensível e inocente de uma jovem criança. Uma obra prima do cinema soviético.
João Miguel Fernandes
12º Licorice Pizza (2021) de Paul Thomas Anderson
Em 2021 Paul Thomas Anderson regressou a casa, a San Fernando Valley, para contar a história de Alana (Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman). Em Licorice Pizza, Alana é uma jovem adulta, uma das protagonistas mais melancólicas da carreira de PTA, perdida nos seus vintes, que não sabe se há de estar com homens mais velhos que se comportam como adolescentes e a objectificam, ou com Gary, o rapaz de 15 anos que se comporta como um adulto e vai saltando de esquema em esquema. Com uma performance naturalista de Alana Haim (filha da professora de arte de PTA), um elenco de luxo e uma produção imaculada que nos transporta para os anos 70, Licorice Pizza é um filme provocatório, com um romance e acima de tudo amizade no seu centro, no qual duas pessoas, com pressa de chegar a lado nenhum, correm em sentidos opostos e se encontram algures no meio.
Francisco Sousa
11º The Last Picture Show (1971) de Peter Bogdanovich
O filme do jovem Bogdanovich é herdeiro da grande tradição americana de cinema de “almas velhas”, da qual John Ford será a eminência parda. Jovens de uma pequena cidadela do Texas deparam-se com a liberdade que a maturidade lhes concedeu. Entre o sair e ficar, o mundo revela-se-lhes, apesar de ter sido sempre o mesmo. Repetem os mesmos disparates da geração antecedente. É aí que jazem as pequenas felicidades (um beijo, um brilho nos olhos, um leito improvisado, ser um pouco louco). Então, porque é que é tão difícil? Todas as personagens são belas para a câmara, porque afinal “beauty is truth and truth is beauty”.
Eduardo Magalhães
10º Ivan’s Childhood (1962) de Andrei Tarkovsky
Uma dos primeiros trabalhos do cineasta russo, esta obra sobre guerra, infância e amor, desenrola-se nas frentes soviéticas da Segunda Guerra Mundial durante a resistência à invasão Nazi. Ivan tem 12 anos, mas já tem um papel ativo na guerra que se trava. Marcado pela violência e desolação causadas pelo conflito que o arrancou das memórias felizes do passado, movido pela determinação da revolta, Ivan é enviado em missões e deseja trabalhar lado a lado com os soldados que admira e dos quais exige reconhecimento. Os elementos captados pela câmera, oscilam entre o horror e o lírico, tornando este filme numa experiência sensorial única conduzida pela perspectiva de uma criança cuja infância perdeu para a guerra.
Inês Bom
9º Boyhood (2014) de Richard Linklater
Depois de completar a trilogia “Before”, Richard Linklater lançou finalmente o promissor projecto no qual esteve a trabalhar e filmar ao longo de 12 anos, finalizando um produto que é surpreendentemente equilibrado, sólido e que nunca desvia a atenção do espectador mais céptico neste cinema slice of life. A premissa de Boyhood é bem conhecida, acompanhando a vida de uma criança de 6 anos, sempre os mesmos actores, ano após ano até à sua entrada na universidade. Um filme sobre a vida em si mesma, as desventuras do crescimento, os desenhos animados, as primeiras festas, o primeiro amor.
David Bernardino
8º Rebel Without a Cause (1955) de Nicholas Ray
Nicholas Ray é um nome bastante relevante na história do cinema americano. Não só pela sua magnum opus, “Rebel Without a Cause”, mas também por “Johnny Guitar”, “55 Days at Peking” e “Bigger Than Life”, todos eles clássicos do cinema dos anos 50 e 60. Foi, contudo, com o primeiro que Nicholas Ray criou o seu verdadeiro legado, muito graças ao génio de James Dean, o eterno jovem rebelde, mas também a Natalie Wood. Para a história ficam vários momentos de excelência, como o da mítica cena “Stand Up For Me!”.
João Miguel Fernandes
7º Moonlight (2016) de Barry Jenkins
Inesperado vencedor de Óscar para melhor filme de 2016, Barry Jenkins realizou a crónica cuidada da vida de um jovem afro-americano inserido numa comunidade em Miami onde reinam as drogas, a desigualdade social e a falta de oportunidades em 3 fases da sua vida: criança, adolescente e adulto. No entanto, o contexto e a temática central (que na verdade é apenas a superfície de algo mais profundo) é apenas quadro para uma reflexão maior, sobre a dificuldade de remar contra a corrente seja em que contexto for, sem facilidades dramáticas, com a frieza e o corte necessários para que tudo tenha o peso e medida adequados. Com uma fotografia de rara beleza e emocionalmente hermético, Moonlight dividiu o público mas trouxe pela primeira vez o foco do cinema independente aos grandes prémios do cinema comercial americano.
David Bernardino
6º Once Upon a Time in America (1984) de Sergio Leone
O épico de Sergio Leone percorre várias eras dos subúrbios de Nova Iorque e diferentes idades na vida dos protagonistas, mas o que fundamentalmente permanece na retina do espetador é o dia a dia das crianças no bairro e dos vários momentos de perda de inocência. Existem poucas cenas mais arrebatadoras na história do cinema do que, ao som da fenomenal banda sonora de Ennio Morricone, o jovem Patsy comprar um bolo na pastelaria para oferecer a uma rapariga e não conseguir resistir à tentação de o comer enquanto aguarda que esta lhe abra a porta.
Bruno Victorino
5º Carrie (1976) de Brian De Palma
O clássico de Brian de Palma move-se na linguagem do terror no contexto escolar, explorando em 1976 o bullying e o fanatismo religioso. Carrie é mais do que a icónica cena do baile de finalistas. É um filme exploitation acerca da rebeldia da adolescência que se eleva ao não se ficar pela série B. A jovem protagonizada por Sissy Spacek representa as inseguranças e passos em falso da adolescência de uma forma que 47 anos depois ainda é entendido como um marco do coming of age. Carrie lembra por vezes o giallo de, por exemplo, Suspiria, com cores fortes, soturnidade e onirismo, como se por vezes se tratasse de um sonho febril de uma vida passada assente nos estereótipos corolários daquilo que entendemos à distância ser o high school americano.
David Bernardino
4º Amarcord (1973) de Federico Fellini
Num corpo de trabalho com tantas personagens que nunca atingiram a maturidade emocional, é digno de nota que “Amarcord” (“Lembro-me”, no dialeto da Emilia-Romagna) seja o mais adolescente dos filmes de Fellini. Ainda que fundado nas memórias do realizador, este filme rejeita a solenidade analítica do estilo memoirs e entrega-nos um retrato farsante, mas muito mais honesto – na medida em que assume plenamente que toda a memória é uma distorção – do que foi crescer na província italiana, durante o fascismo (a ideologia que “infantilizava as pessoas”, como referiu o realizador, numa entrevista). O cineasta edifica o genérico “Borgo” na sua habitual atmosfera feérica com um pé no realismo social e povoa a terriola de personagens pueris, cartoonescas, berrantes e hiper sexualizadas. Um pouco como se as hormonas do grupo de rapazes (mais ou menos) no centro da narrativa contagiassem todo o tempo, espaço e pessoas da realidade mostrada. É através dos excessos, tiques e hipérboles que as marionetas fellinianas se tornam pessoas de carne e osso. É a vivacidade das suas interações que, durante cerca de duas horas, nos faz acreditar que este burgo afinal existe no presente e talvez seja o nosso.
Gil Gonçalves
3º Badlands (1973) de Terrence Malick
“Little did I realize that what began in the alleys and backways of this quiet town, would end in the Badlands of Montana.”
A misteriosa e solitária inocência da adolescente Sissy Spacek, contra a determinação alienada de Martin Sheen. E a aparente indiferença desarmante de ambos contra a monumentalidade das paisagens naturais que os enquadram. Dois amantes em fuga, um romance proibido, sangrento e criminoso, através do interior rural americano. Filme de estreia de Terrence Malick, ainda longe da filosofia balofa de outras viagens, e, por ironia do talento, um dos seus filmes mais importantes, com Days of Heaven. A reinterpretação de um cânone cinematográfico a partir da câmara naturalista de Malick, e uma visão francamente desanimada e fatalista dos Estados Unidos. Coca-Cola e blue jeans, revólveres e automóveis, James Dean e Walker Evans. Americana perdida: o lirismo, o tédio, a violência. E a preciosa “Musica Poetica” de Carl Orff.
Miguel Allen
2º Les 400 Coups (1959) de François Truffaut
O conceito de coming of age rodeia, penetra e habita “Les 400 Coups”. Não só por seguir a vida e desventuras de um adolescente, mas também por marcar a transição de François Truffaut de crítico para realizador, o início da carreira de Jean-Pierre Léaud e do périplo da sua personagem (Antoine Doinel), bem como da própria vaga francesa que marcaria o mundo do cinema para sempre. A ingenuidade formal e minimalismo estilístico podem distrair-nos, hoje, do seu real valor – o de um filme verdadeiramente revolucionário que, sendo narrativo, coloca a trama em segundo plano para nos submergir na mais pura empatia para com a personagem de Antoine, bem como na universalidade dos pequenos detalhes da adolescência. Claro que nem todos fomos pobres jovens com problemas com a Justiça. Mas quantos de nós não sofreram em silêncio a incompreensão e desvalorização dos adultos? Quantos de nós aguentaram (a grande custo) uma gargalhada na sala de aula? Quantos de nós descobriram, demasiado cedo, mais do que gostariam sobre os próprios pais? Tudo isso, e muito mais, cabe nesta pérola do cinema francês, que conserva toda a sua magia, mais de 60 anos após o seu lançamento.
Gil Gonçalves
1º How Green Was My Valley (1941) de John Ford
Nota-se uma predileção da Equipa da Tribuna do Cinema pelos filmes de John Ford. Depois do quinto lugar na lista de Melhores Filmes de Natal de Sempre, o realizador americano encabeça agora a lista de Coming of Age, com o vencedor do Óscar de Melhor Filme de 1941. O retrato da verde vila galesa ameaçada pelos fumos do progresso industrial, é também uma janela para a vida de uma família, e para a adolescência do filho mais novo, que deixa para trás o paraíso perdido da infância.
Bruno Victorino