Thief, de Michael Mann

Em 1981, Michael Mann não era ainda o nome sonante em Hollywood que viria a ser décadas mais tarde. Só em 1984, quando se tornou produtor executivo da série Miami Vice, é que Mann começou a ser reconhecido pela indústria norte-americana. No entanto, muitos dos traços estilísticos e temáticos (obsessão com a noite e a cidade, a estreita relação entre o mundo do crime e da polícia), que viriam a estar presentes ao longo da sua obra podem ser encontrados no seu primeiro filme, Thief.

Thief é um neo-noir realizado em 1981, que conta a história de Frank (James Caan), um ladrão de cofres que acaba de sair da prisão, onde esteve os últimos quatro anos. As primeiras sequências do filme capturam a essência do protagonista: um homem solitário, incrivelmente competente, contemplativo e que anseia por algo diferente na sua vida, características estas que são comuns a grande parte dos protagonistas na restante obra de Mann (Manhunter, Heat, Collateral e Miami Vice). Caan, que faleceu recentemente em julho de 2022, disse variadas vezes que Thief, dos inúmeros filmes que protagonizou, foi sempre o seu favorito. De facto, o ator nova- iorquino interpreta com mestria Frank, ao captar a impenetrabilidade do protagonista e, simultaneamente, a sua vulnerabilidade.

A solidão de Frank, que só confia no seu parceiro (James Belushi) leva-o, por impulso, a apaixonar-se por Jessie (Tuesday Weld) e, numa das melhores cenas do filme, Frank partilha a sua vida na prisão e os seus planos para o futuro. A quarta personagem neste quarteto corresponde a Leo (Robert Prosky, na sua primeira aparição no grande ecrã), um mafioso de Chicago que contrata profissionais para executar golpes e em troca oferece proteção e não só. No entanto, esta parceria acaba por complicar a vida de Frank que prefere trabalhar sozinho, levando a um final violento.

Este é um filme que emana atitude. Uma atitude que reflete uma obsessão com uma certa imagem e som. Mann foi capaz de juntar o existencialismo poético, constante nos seus protagonistas, a uma soberba composição bem como a uma banda sonora, caracterizada pelos sintetizadores dos Tangerine Dream, que marca o ritmo do filme, refletindo a ansiedade e entorpecimento do protagonista.

Thief mostra também que desde cedo Michael Mann caracteriza-se por uma atenção exaustiva ao detalhe, que não era muito comum neste tipo de filmes à época. Um dos exemplos disto é o facto de que muitas das personagens deste filme são interpretadas por ex-presidiários ou membros das forças armadas (Dennis Farina, por exemplo), contratados inicialmente como consultores técnicos, o que contribui para uma sensação de veracidade e autenticidade nas histórias e nas personagens criadas. Adicionalmente, Mann é desde cedo um dos grandes utilizadores da fotografia digital, utilizada vezes sem conta para mostrar a sua obsessão com a noite e com as luzes que se estendem por quilómetros nas cidades norte-americanas.

Esta metodologia de Michael Mann veio mais tarde a servir de inspiração para outros célebres realizadores de Hollywood com destaque para Tony Scott, David Fincher e Cristopher Nolan, cuja cena de abertura do filme O Cavaleiro das Trevas foi altamente inspirada no célebre assalto do filme Heat.

Numa longa carreira, pautada por diversas obras-primas, Michael Mann gravou cedo o seu nome na sétima arte com um dos mais inspirados primeiros filmes de um realizador nos últimos cinquenta anos. Um dos grandes legados de Michael Mann, e em última análise deste filme, foi a possibilidade de habitar personagens como Frank em mundos altamente estilizados, onde a atenção ao detalhe é rainha, onde os criminosos podem ser contemplativos e ansiar por uma vida diferente.

Francisco Sousa