The Protagonists é a primeira longa-metragem de Luca Guadagnino (Call Me by Your Name, Challengers, Queer) e conta a/s história/s que pairam sobre o homicídio de um homem, às mãos de dois jovens, ocorrido em 1994, no Reino Unido. (Anti)documentário desde logo claro na intenção de se apresentar como ato, narrativa e visualmente, (des)construtivo, privilegia o confronto direto entre o espectador e a equipa do filme-processo: esta é frontalmente introduzida como tal, aparentemente desprovida de máscaras performativas. Ao longo do tempo, todavia, a linha que separa exposição de um testemunho e representação de um papel vai-se esbatendo.
Conceptualmente, o ponto de partida é o fascínio massificado pelo crime factual e pelos enredos que lhe subjazem, fazendo uso das típicas formas através das quais é retratado e conduzido até nós mas, simultaneamente, experimentando(-se) na margem entre o real e o ficcionado.
O assassínio de Mohammed El-Sayed é o objeto de maneio. Voltas e voltas são dadas em torno deste acontecimento; exalta-se, diversas vezes, o seu caráter petrificante e cativante, e a procura pelas características que o particularizam preenche a maior parte do tempo do filme – nas conversas com a esposa, detetives e profissionais envolvidos, nas tentativas de reconstrução que, posteriormente, assumem a centralidade –, sem que haja, no entanto, como resultado, um desenho límpido, tampouco um esclarecimento dos factos, adivinhando-se facilmente que não são estas as suas ambições. Esta investigação é, em vez disso, um artifício às mãos da câmara e de quem a rege – a exposição do crime é transformada em sobreexposição, artisticamente formulada para turvar e questionar a natureza do que está a ser visto.
As fantasiosas e curtas narrativas que desvendam alguns (possíveis) momentos significativos das vidas de Mohammed e dos dois assassinos – que não são nomeados, apenas apelidados de Happy e Billy – atuam como tentativas de quadros oníricos sugestivos que seriam poderosos, caso não se perdessem numa amálgama de cenários justapostos.
A proposta, ainda que pertinente e assustadoramente atual, torna-se num terreno baldio no que toca à coesão e propósito. Faz-se valer, porém, pela vontade de conceber várias camadas de reinterpretação e encenação do crime – que poderiam ter sido frutíferas se bem organizadas, podendo remeter, potencialmente, para as repercussões simbólicas deste perpétuo recontar de uma história em diferentes níveis, ou para a exploração da ideia de protagonista – e pela idiossincrasia estilística e estética que, na sua paradoxalidade, se revela também um tanto ou quanto kitsch, mas para a qual somos, com ou sem explicação, atraídos.
A consciente abertura em relação aos mecanismos inerentes à realização do filme, que são normalmente ocultados, parece constituir um dos mais poderosos impulsos do mesmo mas, não sendo inovadora nem estando ao serviço de alguma reflexão palpável, não passa de um recurso banalizado.
A sensação demiúrgica que o filme por vezes proporciona é, contudo, eletrizante, brotando das sequências em que a animalidade do ser humano é expressamente salientada – o fervor da sensualidade, a enigmática e aterradora figura que aparece, em segundo plano e obscurecida, não mais que um par de vezes, associada aos assassinos –, mas peca pela fugacidade das mesmas, deixando apenas um rasto surrealista a partir do qual nem sequer temos a certeza de quais são as perguntas que nos inquietam.
A questão ética – até que ponto se pode usufruir da tragédia de outrem para fazer cinema? – não seria motivo suficiente para destituir este filme de valor, já que os momentos que dizem respeito à intimidade da vítima não a desumanizam, e poderão até encontrar o seu sentido no incómodo que provocam.
Ainda assim, The Protagonists acaba por se circunscrever à intensidade do olhar de Tilda Swinton – que se apossa de nós não demasiadas vezes –, particularmente à sua capacidade de nos fazer cogitar acerca da posição última na qual ficamos: à porta de uma ideia ousada que se poderia ter visto concretizada de modo menos fortuito.