The Phoenician Scheme, de Wes Anderson : Um Regresso ao Familiar

Hugo DinisJunho 2, 2025

The Phoenician Scheme (“O Esquema Fenício”) apanha Wes Anderson numa encruzilhada. A aposta nas estruturas narrativas menos convencionais de The French Dispatch e Asteroid City revelou sobretudo um desejo de fuga ao formulaico no contexto de um estilo tão característico. De facto, muito embora o investimento no esquema estético produza significados diversos no cinema de Wes Anderson, a força dos seus trabalhos tem sido muito mais ditada pelo grau de visceralidade que estes filmes evocam. Sentimos a humanidade e a dor por detrás da máscara de impassibilidade na casa de banho de Richie Tenenbaum, no carrossel de Agatha em The Grand Budapest Hotel, ou na cabine com Steve em The Life Aquatic. Nesse sentido, é difícil não classificar a estrutura novelística de The French Dispatch e a metaficção de Asteroid City como exercícios fundamentalmente herméticos na sua execução. Nunca é prudente, mas Anderson parece ter estado a ler as suas próprias críticas. The Phoenician Scheme representa, decididamente, um passo atrás nas ambições narrativas de Anderson, recuperando não apenas uma trama familiar na sua obra como alguns dos seus temas fundamentais: a recuperação de relações familiares fracturadas, no caso entre pai e filha; a quadratura do círculo entre a distância e a intimidade; o sagrado e o profano.

Benicio del Toro e Mia Threapleton

No seguimento de mais uma tentativa de assassinato, Zsa-Zsa Korda (Benicio del Toro) procura deixar à filha entretanto afastada (Mia Threapleton) a gestão do seu extenso património, em particular de um ambicioso plano de controlo económico no Médio Oriente. O que, desde logo, salta à vista em The Phoenician Scheme é esta intenção explícita de centrar um par de personagens marcadas pela distância. Del Toro é um empresário de um tal grau extremo de sucesso que convoca a aversão de grande parte dos governos mundiais, mas que marca a sua conduta pela profunda suspeição. A distância que guarda para seus pares não é, contudo, comparável àquela que a impôs à filha, enviada para um convento de freiras desde nova, “para a afastar dos rapazes, não para sofrer uma lavagem cerebral”. O Korda de del Toro é uma readaptação do Royal Tenenbaum de Gene Hackman para os tempos de agora: alguém que desconfia até dos filhos, mas que fez questão de adoptar vários “para aumentar as probabilidades de pelo menos um ser brilhante”; alguém desprovido de escrúpulos ao ponto de projectar um diálogo divino justificativo da prática de escravatura, mas que não hesita em apostar o seu futuro empresarial num jogo de basquete. Threapleton representa a antítese do seu paganismo capitalista: simultaneamente fria e cândida, Liesl veste a dor da morte da mãe assassinada nos robes da igreja. “They say you murdered all your wives”, diz. Mas a resposta era já previsível: “I’m going to sue them for libel, in that case. Whoever they are”.

Sobre o esquema em questão, a ironia não parece escapar a del Toro. “If it works, it’s a miracle”, diz no seu primeiro encontro com freira Threapleton. Esta candura está sempre subjacente às personagens de Anderson, e torna-se tão mais eficaz quanto mais genuína se assumir a ligação entre si. É por isso que, dentro de tantas desconfianças próprias do mundo do negócio, Threapleton sirva sobretudo para conferir humanidade a uma personagem sobrehumana. Korda é, em aparência, igualmente indestrutível tanto enquanto homem de alto comércio quanto fisicamente, resistindo a todo o tipo de ataques à sua pessoa. “Where does it come from? This ruthless brutality”, diz Threapleton. A ausência de amor da casa de Korda é assumida também enquanto ausência do divino (“God is absent. Why?”) aos olhos de quem dele nunca havia beneficiado. Também perante esta acusação, del Toro é previsível: o seu isolamento, a sua ausência, a sua frieza são resultado de uma profecia que se auto-concretizou desde o berço. Todos o abandonaram. Sem contar com a babysitter, “and she was dismissed and put to shame for overstepping her position”.

Benicio del Toro, Mia Threapleton e Michael Cera

A partir do enquadramento entre Korda e Liesl, a acção em The Phoenician Scheme é provavelmente a mais directa e transparente da obra de Anderson: del Toro é assassinado e re-assassinado, um trapo humano ao serviço da mais variada violência. Mas, também por isso, aqui se marca uma maior aderência ao registo humorístico de estilo deadpan por comparação aos mais recentes trabalhos de Anderson, para a qual em muito igualmente contribui a personagem do tutor nórdico dos filhos de del Toro (Michael Cera). The Phoenician Scheme faz, de certa forma, lembrar aquela banda que regressa à sonoridade dos seus hits iniciais depois de um par de discos experimentais. Por um lado, há aqui um certo conforto associado à competência em causa, mas é difícil não ficar com a sensação de que já ouvimos esta mesma banda a tocar este tipo de música antes e melhor.

 

Hugo Dinis