The Gunfighter – A nuvem acompanha o trovador

Este artigo contém spoilers.

No filme de Henry King, Gregory Peck interpreta Jimmy Ringo, um pistoleiro cuja reputação é de ser o mais rápido e letal do meio-oeste estadunidense. Contrário ao que se esperaria dele, Ringo já não quer mais empunhar a sua arma, mas a cada cidade que vai, alguém espera confrontá-lo – abater Jimmy Ringo é deixar a sua marca na história. 

Vagando pelo deserto em uma silhueta expressiva, Ringo chega a uma cidade que ele próprio não parece assimilar. Um homem o reconhece na entrada, o bartender imediatamente o tuteia e Ringo é reconhecido ao balcão. A voz se espalha e já todos sabem que quem acabou de entrar no saloon é o mais notório dos pistoleiros. Numa mesa numerosa de cowboys, Henry King, através de um travelling, aproxima a câmara de um insolente rapaz chamado Eddie. Com desafiante convicção, este professa: “Just two hands, like anybody else”.

King mantém a decupagem solene e o tom do filme não escala, mesmo quando Eddie decide confrontar o Jimmy Ringo. Este não cede às provocações e, calejado por tantas situações repetidas, reclama “How come I gotta run into a squirt like you nearly every place I go these days?”. A discussão vai progredindo até que o inevitável finalmente acontece – Eddie levanta a arma e, num único plano contínuo, recebe o tiro fatal. A genialidade de Henry King reside em apenas revelar o plano de Jimmy Ringo depois dele já ter disparado. Tão rápido é o seu empunhar, que a câmara só consegue acompanhar a vítima. O contraplano, após a queda fatal de Eddie, revela Ringo com uma bebida na mão e a pistola na outra.

Perseguido pelos três irmãos vingativos de Eddie, Ringo foge para Cayenne em busca de um passado do qual se afastou. Lá mora a sua mulher, Peggy, que não vê há oito anos, e seu filho que nunca sequer conheceu. Buscando fugir de problemas e sonhando com um reconcilio idílico com sua família, Ringo entra num outro saloon, o Palace Bar, e num cenário muito similar ao da primeira cena, vê-se novamente confrontado por vários provocadores. A nuvem da morte ronda o seu caminho, o peso da mitificação do seu nome impede-lhe de fugir de qualquer possibilidade de bonança.

A partir desse momento, o filme contendo Jimmy Ringo vai se passar quase que inteiramente no bar – com algumas cenas fugidias na escola, nos arredores do bar e no gabinete do xerife – e o cenário se torna um espaço de discussões, resoluções e evasões de confrontos. A ação se encontra muito mais na iminência da catástrofe – que logo se materializa – do que no conflito em si. 

Numa das cenas mais comoventes do filme, o xerife de Cayenne vai tentar convencer a professora Peggy a escutar a súplica por redenção do seu marido Jimmy Ringo. O xerife entra na sala de aula e encontra a professora abatida pelos boatos de que o pistoleiro está de volta à cidade. A luz penetra pela janela da sala de aula e o enquadramento a descobre afastada ao longe, sentada entre púlpitos vazios. 

A austeridade rígida e sentida de Gregory Peck, muito vezes mal interpretada como inexpressiva, só encontra momentos para respirar quando o filme fala sobre a sua Peggy e o seu filho. Nestes momentos, ele esboça um sorriso ou olha para o horizonte com alguma esperança. A decência e nobreza do pistoleiro é mais uma vez evidenciada quando este confessa lembrar-se de todos os homens que já matou. 

Neste western de interiores, a maldição está lá fora, o mais seguro é esperar o cair do sol e sair em silhueta para uma cidade nova qualquer. Na cena mais destoante dessa ameaça pendente – e, particularmente, a minha favorita – um rancheiro entra no Palace Bar e, sem reconhecer o Ringo, refere-se ao seu trabalho e à sua vida feliz com sua mulher. O homem tem uma leveza e um espírito jovial, que perpassa o Jimmy Ringo e o contagia. A cena não tem propriamente uma funcionalidade na engrenagem narrativa, mas o valor dela é imenso – o letal pistoleiro ouve e cativa-se com a possibilidade de um futuro melhor. Se pôr no lugar do rancheiro que acabou de entrar no bar é sonhar com um mundo livre da maldição do seu nome.                                 

                             

 

Bauti Godoy