The Apprentice, de Ali Abbasi: Trump Made in America

David BernardinoNovembro 5, 2024

À data de publicação deste artigo os Estados Unidos acorrem às urnas para votar naquelas que são consideradas as eleições mais importantes para o Mundo Ocidental desde a segunda Guerra Mundial. Ou pelo menos é assim que os dois candidatos, Trump e Kamala, as estão a apelidar, bem como os media. A ansiedade, paranoia e bipolarização acerca do tema têm sido uma constante no último par de anos, muito particularmente em relação ao fenómeno mediático e popular que é Donald Trump. O fenómeno que tem sido amplamente estudado em vários formatos, procurando justificar por que razão um homem aparentemente tão mau pode ser o favorito da maioria da população americana, particularmente fora dos centros urbanos e junto da classe trabalhadora. Seria uma questão de tempo até chegar ao cinema. Quem o fez foi Ali Abbasi, realizador iraniano que em 2022 ganhou notoriedade com o thriller que trabalhou o fundamentalismo islâmico Holy Spider.

 

Com uma produção conturbada, nenhuma das campanhas parecia aprovar o biopic. Do lado republicano temia-se uma visão negativa do candidato. Do lado democrata uma visão desconstrutiva que humanizasse Trump. Ali Abbasi mostrou a ambos o dedo do meio e realizou, espante-se, um… filme! Não um produto político, não um preaching circular, não um pastel pretensioso. Abbasi realizou mesmo apenas um filme. E um belo filme. O melhor de The Apprentice é a forma como faz questão de não alterar ou subverter o símbolo que Trump hoje em dia é, para o bem ou para o mal. Quem não gosta dele irá confirmar a ausência de moral de um homem que fará tudo para atingir o seu objectivo, independentemente de qual seja. Quem gosta dele irá concluir precisamente o mesmo. Trump é o que é e faz questão que todos o saibam sempre que fala através das nossas televisões. Abbasi traz ao grande ecrã o argumento escrito pelo jornalista Gabriel Sherman, que procurou aprofundar conhecimento acerca de Trump nos anos 70 e 80, particularmente a sua relação com seu advogado e mentor Roy Cohn, que o terá moldado para ser o homem que é hoje.

Não é que The Apprentice apresente Trump como uma página em branco que apenas se tornou no que é devido às “más influências”. Está bem clara a sede de poder e ambição do jovem Trump, filho de um magnata da construção civil, criado em Nova Iorque por entre os mais obscuros círculos de tráfico de influências. É óbvio que umas coisas serão verdade, outras nem tanto, mas isso é o mesmo que acontece em qualquer outro biopic. O que torna The Apprentice um filme interessante é o twist que faz às regras do género, normalmente enfadonho, seguro, choradeiro e a cheirar a mofo, colando (esmagando) o biopic comum à linguagem American Psycho, prego a fundo rumo a uma experiência alucinada sobre um advogado diabólico que decide convidar um jovem sedento de poder para a sua mesa exclusiva. Algures entre o filme de Mary Harron (American Psycho) e um Big Short de Adam McKay (o filme de Abbasi será muito menos histérico), The Apprentice abraça uma cinética de acção e consequência, estereótipos, jogos de poder, muito humor negro e todos os ingredientes necessários para a ideal tragédia yuppie dos anos 80 em Nova Iorque.

Essa fuga do filme biográfico tradicional dá oxigénio às interpretações de Sebastian Stan, que captura o boneco de Trump de forma quase perfeita, e Jeremy Strong, o actor ideal para interpretar o olhar vítreo de um homem aparentemente sem alma chamado Roy Cohn. Quem gosta de actores ficará bem servido. Tudo o resto, cenários e tramas, restaurantes, contratos, poderes e diamantes, estão envoltos numa certa parolice kitsch que funciona a favor de The Apprentice. Ali Abbasi consegue capturar essa nostalgia pré era digital, de uma Nova Iorque pré turismo massificado, transposta para filme com a assertividade de uma estética imagética VHS que o acompanha na totalidade. Dir-se-ia quase que The Apprentice é um filme vaporwave. A questão é que, apesar de tudo isso, o filme tem dificuldade em escapar à mimetização da figura Trumpiana, inserindo-a num bom episódio de Succession. Ainda assim, The Apprentice consegue ser uma lufada de ar fresco no meio do sufoco eleitoral e elevar-se perante ambas as campanhas. Quem ganha é o espectador.

 

 

David Bernardino