Stop Making Sense ‐ 40 Anos Depois Nunca Fez Tanto Sentido

David Byrne entra em palco, pousa o rádio no chão e começa a tocar os primeiros acordes de Psycho Killer, um dos maiores êxitos dos Talking Heads. Totalmente sozinho, o cantor está rodeado de um set aparentemente despido e sem grandes adornos. Progressivamente, o resto da banda fundada em 1975, começa a aparecer em palco. Tina Weymouth (baixo) aparece para tocar Heaven enquanto o resto do palco começa a ganhar forma. Chris Frantz (percussão) e Jerry Harrison (guitarra e teclas) entram nas músicas seguintes completando a formação original da banda norte americana.

Uma das bandas mais importantes dos anos 80, com enorme sucesso junto da crítica e do público, os Talking Heads inseriram-se no panorama da New Wave ao combinar uma variedade de estilos, desde punk ao art rock. Visualmente inventivos, provenientes da escola de Design de Rhode Island, e em rotação constante no auge da MTV como canal de música, a banda norte americana marcou uma geração. Após o lançamento do quinto álbum, Speaking In Tongues, um dos mais aclamados, a banda entrou em tour e desta resultou Stop Making Sense. Filmado em 1983 ao longo de quatro noites no Pantages Theater (Hollywood) e realizado por Jonathan Demme, o filme é considerado por muitos como um dos melhores filmes‐concerto de sempre.

Um espetáculo perfeitamente estruturado, delineado ao detalhe que resulta numa progressão constante e que tem em Burning Down the House,  single do álbum Speaking In Tongues, um dos primeiros momentos de êxtase do concerto. À medida que o espetáculo progride, vemos os membros secundários da banda aparecerem em palco e o palco a ganhar forma. Esta entrada progressiva leva a que seja possível identificar cada instrumento e perceber a importância que cada um dos membros tem para compor a sonoridade da banda.

O filme está repleto de momentos marcantes e que ajudaram a eternizar o concerto. Impossível esquecer as coreografias indiscritíveis protagonizadas por David Byrne, especialmente durante a música Life During Wartime ou a performance durante This Must Be the Place na qual o cantor dança com um candeeiro enquanto diversas imagens são projectadas nas costas da banda. O vocalista, caracterizado por uma personalidade algo excêntrica, parece ainda encarnar diversas personagens ao longo do concerto: em Once in a Lifetime assume o papel de pregador ao perguntar como é que viemos aqui parar; e em Girlfriend Is Better protagoniza a imagem mais icónica do filme ao utilizar um fato vários números acima do tamanho correcto.

Stop Making Sense é um concerto filmado como poucos. Realizado por Jonathan Demme, cineasta responsável por alguns dos filmes mais populares dos anos 80 e 90 (Silêncio dos Inocentes e Filadélfia), o realizador norte americano capta muitas vezes a banda através de planos gerais dando uma sensação de maior unidade entre a banda e transmitindo a energia transmitida por estes. Demme, que ao longo da carreira foi capaz de dotar de imensa humanidade os seus protagonistas, capta na perfeição os vários membros do conjunto. O filme decorre sem nunca cortar para os espectadores, deixando este momento para as músicas finais, onde é evidente o êxtase e comunhão do público com a banda.

A relação entre os membros da banda nem sempre foi a melhor e em 1991 acabaram por terminar com a saída atribulada do vocalista. No entanto, em 2023, 40 anos depois da data dos concertos originais, o filme foi restaurado e remasterizado para 4K IMAX. Distribuído pela A24 nos cinemas norte americanos (em Portugal teve direito a uma única sessão de IMAX), foi ainda acompanhado por uma sessão de perguntas moderadas por Spike Lee (que realizou o também fenomenal David Byrne’s American Utopia) que reuniu a banda passado tantos anos.

Stop Making Sense é uma experiência única, uma revolução no panorama musical e na história dos concertos. É difícil ficar indiferente à genialidade da banda e à capacidade de Jonathan Demme em eternizar o momento. Visualmente fascinante, o filme transmite uma energia e vontade de dançar contagiante, até para aqueles que não estão familiarizados com a música dos Talking Heads. Quarenta anos depois, a música dos Talking Heads continua intemporal e nunca fez tanto sentido voltar a dançar.

Francisco Sousa