Star Wars : A Força de uma Saga

Miguel AllenMaio 4, 2024

O Gaspar fez oito anos, mais ou menos a idade de Anakin Skywalker ao conhecer Qui-Gon e Obi-Wan em The Phantom Menace (no ano 32 BBY). Pareceu-me a altura adequada para o jovem padawan cá de casa ver, pela primeira vez, a hoje apelidada “Saga Skywalker”. Foi também uma oportunidade para eu rever esse conjunto de filmes, deixados de lado desde a estreia de The Rise of Skywalker (em Dezembro de 2019) e, pela primeira vez, ver a integralidade da saga pela ordem proposta pelo vôvô Lucas. Os filmes foram vistos pela sua ordem narrativa, do 1 ao 9, na sua versão definitiva, com todas as modificações (mais ou menos polémicas) que Lucas realizou ao longo dos anos.

O texto que se segue é uma curta revisão crítica, por um espectador neutro, de cada filme, tanto enquanto obra independente como enquanto peça de uma obra mais longa, a várias vozes. De notar que a febre Star Wars pegou rapidamente cá em casa, confirmando o apelo que estas aventuras continuam a ter, tal como nos anos 80, em crianças e jovens.

 

Episode I – The Phantom Menace (1999) de George Lucas

Um filme muito “económico” de um ponto de vista narrativo, a trama de Phantom Menace alimenta-se sistematicamente de atalhos algo simplistas. Esse facilitismo, que contrasta com a complexidade do enredo político que enquadra a acção, acaba no entanto por conferir uma proporção muito mais agradável ao filme do que a que seria de esperar, hoje, de uma obra deste género. Na verdade, um dos aspectos mais surpreendentes deste Episode I é a sua “brevidade” – pela qual o filme se aproxima salutarmente do mais despretensioso cinema popular. Um filme que está, efectivamente, sempre em movimento, e que oferece algumas das cenas mais memoráveis da “saga”, como a famosa podrace ganha heroicamente por Anakin, ou o embate final, em montagem paralela de quatro frentes, onde os percursos de Obi-Wan e Anakin são, provavelmente, os mais interessantes. As imagens cobertas de CGI envelheceram bem. E se hoje é incompreensível tudo isto nos ter parecido tão “real” em 1999, a artificialidade obstinada do trabalho de Lucas é, afinal, relevante sobretudo pela sua competente coerência estética – num filme que, a tempos, não está muito longe de cinema de animação. Já a sua direção de actores é bastante má, e o filme banal e algo confrangedor quando nos conta os seus eventos mais simples – ou seja, tudo em Tatooine (o grande peso morto da trama) que não inclua corridas. Enfim, o desgraçado Jar Jar Binks perdura como uma das piores ideias da saga (como o são, de resto, os hediondos Gungans). 

Pelo entusiasmo evidente em mostrar o seu alcance tecnológico, Lucas enche as suas imagens (e a trama) de frequentes detalhes supérfluos, que, longe de conferir uma textura ou realismo àqueles mundos fantásticos, são apenas muito irritantes (detalhes, no fundo, que conduziram toda a triste lavagem que os outros episódios levariam por esta altura). Mas regressar a este primeiro capítulo – bastante mal recebido aquando da sua estreia – é afinal regressar a uma narrativa viva e colorida, que tanto nos faltou nos três episódios finais da Disney, e que, na verdade, vive do espírito sonhador que é o fundo do nosso entusiasmo pela trilogia original. O Pedro tinha razão.

 

Episode II – Attack of the Clones (2002) de George Lucas

O maldito Episode II ! Será provavelmente o mais ambicioso dos capítulos de Star Wars, e seguramente o mais “pós-moderno”. George Lucas arrisca aqui uma surpreendente e muito ampla sopa de géneros cinematográficos, que ocupam distintamente as diferentes personagens, acabando por se sobrepor e eventualmente se interligar através da gigantesca space opera que se começa aqui a desenhar, de forma bem mais perceptível do que no primeiro episódio. 

Obi-Wan dedica-se a um policial futurista, completo com perseguições a alta velocidade, clubes nocturnos (“Jedi business, go back to your drinks“), e dicas de rua. Paralelamente, Anakin e Padmé escapam pelo mais açucarado (e desdenhado) melodrama romântico, num planeta Naboo que os faz viajar entre Sevilha, Veneza, e o Lago de Como. Os pesadelos de Anakin com a mãe acabarão por conduzir o apaixonado casal a Tatooine, onde o filme será um curioso western em torno das origens do jovem padawan. E enfim, uma mensagem alarmante de Obi-Wan a partir de Geonosis aproximará o filme, primeiramente, de um horror-lite com aventura, para enfim fazer colidir os diversos enredos e géneros numa espécie de péplum galáctico com robots, clones, e jedis. A “mistura” é complexa, mas não deixa de ser o aspecto mais empolgante e conseguido do filme. Por outro lado, a execução é frágil, e deixa o espectador num confrangimento parecido ao que é evidenciado pelos actores em cena (claramente perdidos no vazio do gigante green screen).

Attack of the Clones é Wagner feito filme de série B, cujo orçamento milionário parece ter toldado a clareza de espírito de Lucas quanto ao objecto que estaria efectivamente a realizar. Existe uma aparente ligeireza a todo o filme, uma literal falta de gravidade, que, associada à plasticidade vincada das imagens (a glória de um CGI de finais dos anos 90), simplesmente fazem deste Episode II um objecto terrivelmente kitsch que confunde pulp com literatura clássica. De salientar, porém, o breve combate de luz e sombra entre Dooku e Anakin – provavelmente um dos trechos formalmente mais belos da saga. E a ideia de cortar a mão de Anakin, que oferece aqui uma inteligente musicalidade narrativa, transversal a diferentes episódios.

 

Episode III – Revenge of the Sith (2005) de George Lucas

Numa trilogia que se constrói enquanto monumental derrota, Episode III é o foco de uma tragédia que alimenta a história desta “guerra das estrelas”, no seu conjunto. O grande episódio do “lado negro”, Revenge of the Sith é um filme onde o desamparo de The Phantom Menace, e a inquietude ou o desespero de Attack of the Clones parecem ocupar, por uma vez, todo o campo psicológico e espiritual da narrativa. A esperança num futuro de paz abandona as diferentes personagens, e é particularmente desarmante que tamanho desgosto se construa aqui a partir do anúncio da gravidez de Padmé.

Revenge of the Sith é o capítulo onde toda a mentira, mas também todo o mistério, parecem colapsar enfim sob o peso insuportável da verdade – uma verdade de perda e uma verdade de morte (she lost the will to live). E enquanto o rosto verdadeiro de Palpatine, enfim feito Sidious e Imperador, se assume aos olhos de todos, a liberdade morrerá sob o mais cruel e estrondoso dos aplausos. Um filme muito louco, uma ópera romântica em full-CGI, uma obra muito marcada pela estética do seu tempo. E provavelmente o mais original e extravagante dos episódios de Star Wars, em arquitecturas e geografia. 

Longe de ser um filme perfeito – continuo sem compreender o que Lucas nos queria dizer com a superficialidade aparente do seu melodrama, ou com a plasticidade tão artificial das suas imagens – Revenge of the Sith encadeia batalha com batalha, planeta com planeta, e tragédia com tragédia, para culminar no insano (primeiro) embate entre Anakin e Obi-Wan, sobre as lavas infernais de Mustafar. A vitória amarga de Obi-Wan será um momento verdadeiramente triste, como o será o acordar de Anakin, já Darth Vader, com a pergunta “where is Padmé ?“. Ainda do outro lado da esperança.

 

Star Wars (1977) de George Lucas

O valor icónico e a relevância cultural do filme são um dado adquirido. Será, mesmo assim, difícil de concordar com a gestão da “marca” feita por Lucas, nomeadamente a sua directiva quanto à sequência dos filmes. Para abordar a saga, a ordem de realização parece, ainda hoje, funcionar bem melhor do que a ordem cronológica da história. 

Narrativamente, Star Wars (ou A New Hope) perde, como é evidente, todos os seus segredos e nuances com a informação que trazemos dos episódios precedentes. Mas a discordância mais importante deste filme com os episódios I a III será sobretudo de escala. Star Wars é um épico espacial (o épico espacial), é certo, mas, apesar de tudo, um filme nascido de uma ideia de cinema muito mais concreta e material (falar de artesanal seria forçado) do que aquela que move a trilogia das suas prequelas. Os traços de poeira sobre C3PO, ou a gola caricata de Darth Vader quase se estranham. E existe uma dimensão mais humana, mais palpável, uma certa naturalidade ao filme, que é completamente inexistente nos três filmes de artificialismo exacerbado que abrem agora a história – as imagens deste deserto de Tatooine, por exemplo, são particularmente bonitas, em comparação.

A abordagem à intriga e o ritmo da trama são naturalmente muito singulares a “este” filme – que, como nenhum dos outros capítulos, excepto talvez The Phantom Menace, funciona individualmente – mas é francamente impressionante como este quarto (mas primeiro) capítulo parece ter já uma noção clara da sua posição dentro de uma narrativa muito mais ampla, transportando em si todo o universo que o envolve. Uma história carregada de elementos paradigmáticos de uma narrativa clássica e uma espectacular e divertida viagem numa galáxia far far away. Muito para além do seu estatuto inaugural – a saga, a marca, e o blockbuster – serão, finalmente, as sete personagens centrais da trama que tornam este Star Wars tão marcante – Luke, Leia, e Han, o velho Ben, C3PO e R2D2, e, claro, Darth Vader – cada um, um símbolo, cada um, uma individualidade rica, bem desenhada, e todos peças de uma narrativa que se estende, de forma perceptível, bem para além da sua presença no filme. 

Enfim, também o filme em si se posiciona numa outra narrativa mais alargada: pelo screwball do trio de amigos central, pelo western dos tiroteios, ou pelos icónicos combates entre naves espaciais… A lavagem que o filme levou nos anos 2000 é má: acrescentos supérfluos e imagens de natureza muito contrastante, mas nem por isso maior realismo.

 

The Empire Strikes Back (1980) de Irvin Kershner

Será mais ou menos a meio do filme, e por isso mais ou menos ao centro exacto da saga, que Obi-Wan exclama “that boy is our last hope“. A resposta de Yoda – “no, there is another” – é um enigma no quadro da trilogia “original” (apesar da explicação simples e directa, que é Leia), e no fundo, o único possível elo entre os primeiros seis filmes e a trilogia “final”, cujo propósito na continuidade da narrativa longa é aparentemente irrelevante.

The Empire Strikes Back ocupa bem a sua posição de centro: as suas histórias não começam, nem terminam aqui, e é a consciência que o filme tem dessa qualidade de “passagem” que lhe dá um movimento contínuo muito envolvente. Em grande evidência, o melhor capítulo da saga (o melhor filme, uma ideia batida, mas por uma boa razão), as suas surpresas (como a identidade de Yoda ou o romance entre Leia e Han) e a sua grande revelação (a identidade de Vader) extinguiram-se hoje, evidentemente, pelo efeito das “prequelas”. Mas se esses segredos estão, à partida, desvendados, outras sequências ganham nova relevância. Por um lado, a nossa consciência de que Vader não sabe efectivamente quem é Luke (sendo disso informado, neste filme, pelo Imperador) confere um valor maior à sua necessidade e esforço para que os dois se juntem enfim. De uma maneira peculiar, Vader protege tanto Luke como Leia, e por efeito das prequelas, as suas acções pretensamente agressivas revestem-se de uma ambiguidade muito mais rica e, porque não, comovente. Por outro lado, o destino de Yoda revela-se, agora, singularmente triste. Refugiado e isolado em Dagobah, Yoda parece-nos despir enfim aquela sua imagem de velhote um pouco maluco, assumindo-se sobretudo como o símbolo definitivo da derrota dos Jedi e da queda da galáxia às mãos do Império.

Com belíssimas composições em brancos e pretos (cromaticamente, trata-se do filme menos feérico da saga), a acção de The Empire Strikes Back divide-se por três lugares : o refúgio no branco denso de Hoth, a segurança nas sombras sinistras de Dagobah, e o perigo nos céus abertos de Bespin, com o grande Espaço, vazio e misterioso, entre eles (e é de salientar a inesquecível aventura pelo campo de asteróides). O orçamento desta sequela, consideravelmente superior ao do primeiro filme, foi determinante para elevar a space opera à sua dimensão mais justa – nem demasiado extensa, nem demasiado “familiar”. E serão as cenas de Luke com Yoda, nos pântanos de Dagobah, um ponto essencial para a narrativa alargada da saga por, pela primeira vez (depois de uma introdução algo trapalhona em A New Hope), um filme nos explicar, clara e concretamente, a Força – a sua origem, essência, e importância no equilíbrio do cosmos. The Empire Strikes Back faz-nos (ou quase) acreditar enfim no valor deste universo fantástico.

 

Return of the Jedi (1983) de Richard Marquand

O filme menos interessante da trilogia original é também, desses três filmes, o que simplesmente não funciona de forma isolada. Contrariamente a potenciar, como The Empire Strikes Back, a sua posição numa aventura “em curso”, Return of the Jedi apenas funciona graças, justamente, à aventura que prolonga, e graças a tudo o que trazemos dos dois filmes precedentes (nomeadamente as personagens). Um filme algo aborrecido a tempos, onde as novas ideias que se propõem não são particularmente brilhantes – desde já, os Ewoks, que não estão assim tão longe dos desastrosos Gungans, e que, como ursinhos de peluche que são, aproximam perigosamente o filme de uma aventura fantástica infantil. 

Um filme em duas partes (Tatooine e a lua de Endor), é também um filme a dois tempos – e é de facto surpreendente o pouco que acontece em Return of the Jedi, quando comparado a tudo o que o precede, por cinco episódios.

Apesar da sua importância evidente no universo da história alargada, Tatooine parece ser sempre uma paragem “perigosa” de um ponto de vista cinematográfico. Os dois andróides perdidos pelas areias do deserto, ou o jovem Luke frente ao duplo pôr-do-sol (em Star Wars / A New Hope) são imagens emblemáticas da saga – como o é aqui a figura nojenta de Jabba the Hutt. Mas o planeta de areia parece curiosamente exponenciar os piores aspectos narrativos e/ou dramáticos destes filmes. Em Return of the Jedi, a longa introdução, com o salvamento de Han Solo, é a inusitada visita a uma fun house que, embora o momento mais esquisito da saga, não é mesmo nada divertida. A acção só (nos) acorda enfim, junto ao Sarlacc, onde a morte de Boba Fett será tanto um eficaz apontamento cómico, como provavelmente o melhor exemplo das frequentes más ideias que o filme trabalha. 

Essa moleza inicial de Return of the Jedi é difícil de aceitar no seguimento do filme anterior – porque a saga simplesmente não se presta a um passo, digamos, contemplativo. Por outro lado, na (também) longa segunda parte, na lua de Endor, a aposta numa maior explanação dos eventos fantásticos do filme, ver-se-á afinal justificada. No combate final a três escalas (o Espaço, a floresta, e a sala do Imperador), a acção, complexa e ramificada, é sustentada por um período relativamente longo sem perder o seu empolgante pulsar. É um trecho com “um pouco de tudo”, onde Marquand consegue firmar um interessante paralelismo entre o abstracto das naves, o físico dos combates na floresta, e o psicológico dos Skywalker com o Imperador. Até mesmo os Ewoks, após o inevitável desagrado inicial, se revelam algo enternecedores e cómicos. Mas é também de salientar que, neste Return, a um nível comparável ao das prequelas, se não maior – e sobretudo nessa sua segunda metade – tanto a trama, como as prestações dos actores, e alguma da direção artística, são de um camp (camuflado) simplesmente inacreditável. Ainda assim, será com alguma fortuna que o conjunto final, embora conflituoso, acaba curiosamente por funcionar.

Uma última nota quanto aos “restauros” de Lucas. As cenas no espaço ficaram melhores, e os planos (muito feios) das diferentes cidades em celebração do fim do Império, uma adequada conclusão à saga a seis episódios. Já a lavagem de Sebastian Shaw (o primeiro Anakin Skywalker) da festa final, pela figura de Hayden Christensen, é um gesto de profundo mau gosto.

 

The Force Awakens (2015) de J.J. Abrams

Não necessariamente um filme péssimo, mas sobretudo um péssimo capítulo da saga. O primeiro volume de uma terceira trilogia cujo propósito (narrativo, ou outro) é algo vago (para não dizer simplesmente oportunista), The Force Awakens parece reorganizar, dentro de um único filme, ideias e eventos dos capítulos precedentes. O exercício de J. J. Abrams, com a marca da Disney, é de assumido ou desavergonhado “fan-service” (já prática corrente e, pelos vistos, necessária no cinema de Hollywood de há 10 anos), mas parece existir também aqui uma não assumida (mas pouco dissimulada) vontade de fazer tabula rasa do que Lucas propusera com as prequelas, 10 anos antes.

O conceito deste filme parece até funcionar durante a sua primeira meia-hora, com toda a aventura em Jakku – um planeta-deserto praticamente igual a Tatooine, aqui preenchido de destroços espectaculares do Império caído em Return of The Jedi, que dão forma literal ao fundamento do filme. A introdução de Poe, Finn, e BB-8 não é particularmente inspirada, mas as duas tramas paralelas que se seguem e interligam – Finn e Poe na nave da First Order, Rey e BB-8 no deserto, e, finalmente, Rey e Finn em Jakku – serão seguramente a sequência mais orientada e cativante do filme. Existe algo de profundamente nostálgico, é evidente, nas imagens daquela ruína dos filmes anteriores, dispersa pelas areias do grande deserto. E claro, esta primeira “paragem”, culmina com a melhor ideia repescada do que vem de trás – a introdução de Millennium Falcon (“the garbage will do“) e a escapada aos TIE fighters que se segue.

Será contudo, a partir dessa fuga de Jakku, que se tornará evidente que Abrams e a sua equipa não conseguem trabalhar qualquer ideia nova, a não ser quando se trata mesmo das piores ideias da saga. Desde já, se The Force Awakens faz frequentemente prova de uma total incompreensão da história que o precede (e sobretudo da titular “força”, que acorda aqui um pouco por todo o lado sem grande constrangimento), todos os recursos que utiliza para lhe dar seguimento são particularmente maus – Rey é uma iteração pobre e simplista de Luke, Finn uma personagem demasiado conveniente, Kylo Ren um autêntico baby brat, e, claro, como aceitar o surgimento tão espectacular daquela First Order numa galáxia liberada 30 anos antes ? Nem é preciso falar de “adereços” cuja finalidade em cena é estritamente a venda de bonecos – como Phasma ou C3PO de braço vermelho. O problema essencial é que o filme faz prova frequente da mais perfeita imbecilidade cinematográfica. Forte de uma terrível e surpreendente ingenuidade, The Force Awakens experimenta uma narrativa psicologicamente mais completa, mais “contemporânea” – à “Guerra das Estrelas” vemos chegar ecos fortes de novelas mais recentes como Hunger Games (Rey, os eventos na floresta de Takodana) e, sobretudo, Harry Potter (o sonho de Rey ou o hediondo Snoke). O resultado será tanto um filme “diferente” dos anteriores, e nisso bastante pior e tão genérico, como a sua repetição de uma forma completamente desprovida de personalidade. 

Uma paupérrima versão cover dentro da saga, onde parece ter havido duas preocupações principais (para além da rentabilidade da marca) – a tal actualização da narrativa às tendências contemporâneas e uma estética menos “foleira” do que a das prequelas. A Disney ter-se-á esquecido, porém, que o importante de Star Wars sempre foram as suas personagens. E estas, da “nova” trilogia, ou estão velhas e usadas, ou simplesmente não revelam qualquer interesse novo. E claro, quando Finn se lembra de enfrentar o temível Kylo Ren com o sabre de luz de Luke Skywalker, o desrespeito total que conduz este filme é formal e frontalmente assumido.

Take off that mask. You don’t need it.

 

The Last Jedi (2017) de Rian Johnson

Take that ridiculous thing off..!

Deliberadamente a entrada mais problemática da saga, Rian Johnson parece lançar aqui a sua própria rebelião contra o império de Abrams (ou, melhor, da Disney). Um curioso exercício em contra-corrente, The Last Jedi talvez até seja, de um ponto de vista formal, o episódio mais conseguido das três trilogias, e nisso um digno sucessor de Revenge of the Sith. Mas fragilizado por opções narrativas terrivelmente questionáveis, e pela insistência numa trama a dois tempos (ou duas velocidades) que nunca parece funcionar, o filme revela-se um espectacular fiasco, evocando um enorme tempo morto num conjunto narrativo já, à partida, supérfluo e inconsequente.

The Last Jedi subverte todo o trabalho do episódio precedente e propõe um impasse a praticamente todos os níveis : Luke, velho, amargo e patético, recusa-se a participar na acção (cujo “desastre” fora alegadamente provocado por imprudência sua); Snoke, grande líder Sith e pretenso foco do lado negro desta trilogia, é morto a meio caminho, sem jamais se perceber de onde vinha e para o que vinha; a “resistência”, terrivelmente limitada em recursos, passa o filme todo a ser lentamente dizimada pela First Order; e todas as personagens principais se vêem ocupadas por enredos que nada acrescentam à narrativa global (veja-se então Leia, que passa metade do tempo a dormir). E isto claro, sem evocar os novos “super-poderes” da Princesa feita General, que a salvam inexplicavelmente de uma morte certa, ou o treino Jedi instantâneo de Rey – ideias mal trabalhadas, francamente ridículas e irresponsáveis, numa produção que se imaginou com tamanha pompa. 

Johnson, na verdade, parece querer assumir e expor através deste seu episódio a gigantesca farsa que é esta “terceira” trilogia. O filme recorre com frequência a uma ironia bem humorada que, intrínseca a este episódio oito, quase funciona como uma celebração da insensatez espalhafatosa que é Star Wars nas mãos da Disney, bem como um comentário, mais alargado, ao cinema fantástico contemporâneo (e é seguramente nessa perspectiva que se deve ler o infâme episódio de Leia a voar pelo cosmos). Mas tanto caricato quanto divertido, não será mesmo o intuito cómico de Johnson que salva o filme. Na verdade, um trabalho de apurado sentido estético, o que fica afinal serão as curtas mas espectaculares batalhas no espaço (aquele light speed contra o star destroyer é brilhante), que preenchem o filme, com aparato, entre os longos períodos de espera ; a câmara vermelha de Snoke, e o combate de Rey e Ben (ou Kylo?) contra a guarda imperial ; o olho azul de Phasma quando batida pela “rebel scum” ; ou a belíssima batalha final em Crait, sobre sal branco e terra vermelha, antes da mais irrisória aparição de Luke. 

Não nos prolonguemos claro, pela terrível falta de carisma (ou talento) de Daisy Ridley, ou pelo piroso Harry Potter de tudo em Canto Bight. Um filme anti-nostalgia, contrário a qualquer tipo de linearidade inteligível. Atrevido e inteligente, um filme mesmo burro – é fascinante a falta de rigor com a qual a “maior companhia de entretenimento desta galáxia” abordou estes três filmes.

 

The Rise of Skywalker (2019) de J.J. Abrams

Um desastre. 

Tentando reparar os pecados do episódio precedente (que destruíam praticamente todas as linhas narrativas propostas em The Force Awakens), Abrams parece inventar neste “capítulo final”, uma outra nova trilogia condensada num só volume. O resultado é um filme terrivelmente denso e preenchido por muita acção e ideias muito mal trabalhadas.

The Rise of Skywalker é um mau produto que se torna aceitável graças a três factores bem distintos. Primeiro, um fan-service totalmente desinibido (e comercialmente muito agressivo) mas sem os valores fáceis, da casa, que preenchem The Force Awakens e foram esgotados nesse filme ou anulados no seguinte. Aqui, em modo de resgate, foi preciso levar o conceito um pouco mais além, e encontrar imagens muito fortes (como um céu preenchido de star destroyers) mas talvez menos imediatas (mesmo se potencialmente mais irrelevantes). Logo a abrir o filme, a voz de Darth Sidious que se funde com a voz de Darth Vader é um artifício eficaz e excitante, e, no fundo, também uma boa inflexão sobre o conceito, absolutamente estúpido, que molda aqui a narrativa : Darth Sidious está vivo! Segundo, as imagens “fantásticas”, informadas pelo trabalho em The Last Jedi, mas seguindo a linha nostálgica de The Force Awakens, são cativantes e eficazes. Aquele “campo” pantanoso que Kylo Ren atravessa para chegar a Exegol, o próprio planeta Exegol (apesar dos ecos de Lord of the Rings Harry Potter), os saltos em light speed de Poe, ou as ruínas da Estrela da Morte, são alguns bons exemplos de um filme que se move sempre de estímulos fortes ao espectador. Terceiro, por aparente milagre, o filme trabalha a primeira boa ideia narrativa introduzida por Abrams (ou pela Disney) nesta trilogia : a existência de uma linhagem Palpatine, paralela à linhagem Skywalker, como dois caminhos da Força, em oscilação permanente entre o lado negro e os Jedi. É um conceito rico e cheio de potencialidade que, infelizmente, e como tudo no filme, é desbaratado da forma mais simplista possível, e utilizado como mera justificação para a existência de Rey – esse “grande mistério” que esta trilogia tenta vender desde as suas primeiras imagens, mas cuja relevância é sempre forçada e ineficaz. 

Enfim, The Rise of Skywalker é uma “aterragem em emergência” de um conjunto de filmes, à partida, mal orientados e muito mal fundamentados. Um filme com muita coisa, mas sem a mínima inteligência ou coerência narrativa e/ou dramática. Uma coleção de imagens fortes, que pode divertir, mas que fecha a saga da forma mais mesquinha e intelectualmente cobarde possível. Que desastre.

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Uma nota final : a ordem cronológica (de realização) dos filmes parece-me, ainda hoje, ser a ordem adequada de visionamento – aquela que mais bem serve às qualidades da narrativa global. Outra opção será a apelidada “The Godfather order”, com a trilogia das prequelas enquanto longo flashback enfiado entre o Empire Strikes Back e o Return Of The Jedi.

Enfim, foi anunciado recentemente que a saga será prolongada por um novo conjunto de quatro (?) filmes centrados na personagem da Rey. Decididamente, a Disney sabe como fazer render o seu produto. É uma pena que não saiba contudo respeitá-lo, com ideias e a criatividade que evidenciou “a long time ago in a galaxy far, far away“. Boicote !

 

Miguel Allen