Sons, de Gustav Möller: o minimalismo que amplifica o thriller nórdico

Rita Cadima de OliveiraOutubro 24, 2024

Depois de The Guilty, Gustav Möller regressa de forma sólida com mais um thriller dinamarquês de vibe igualmente claustrofóbica e que compromete a moral e a ética do sistema estrutural e judicial de uma prisão de Copenhaga. Ao libertar-se da configuração dramática de The Guilty, Sons (“Filhos“) é um filme que se expande para o pátio da prisão mas também para um lugar mais além da lógica e da justiça. Embora o filme possua um desígnio mais amplo, Möller mantém uma proporção estreita de câmara, prolongando os rostos dos protagonistas num sufoco e claustrofobia constantes.

Sinopse: Eva, uma agente prisional idealista, vê-se confrontada com o dilema da sua vida quando um jovem do seu passado é transferido para a prisão onde trabalha. Sem revelar o seu segredo, Eva pede para ser transferida para a ala dos jovens – a mais dura e violenta da prisão. Aqui começa um thriller psicológico inquietante, onde o sentido de justiça de Eva põe em causa a sua moralidade e o seu futuro.

 

Sons é um filme que explora o conflito entre a retribuição da justiça, a vingança e a oportunidade do restauro humano e da sua conduta social, forçando o espectador a vivenciar o dilema de Eva, a personagem principal. Centrando-se nesta guarda prisional, cuja pacatez e serenidade ocultam a existência de um segredo subversivo, Möller aumenta o zoom para se focar de forma audaz, mas desconfortável, no rosto de Eva (Sidse Babett Knudsen) enquanto esta retrata de forma sorrateira e silenciosa uma personagem imperfeita, mas focada, e que prontamente responde às circunstâncias emocionais sem equacionar as consequências da transgressão. É nesta linha muito ténue que este filme se afirma como uma complexa peça de moralidade, examinando como não somos tão inocentes quanto parece, e aqueles atrás das grades podem não ser as únicas pessoas perigosas.

É na total autonomia e liberdade de movimentos no espaço laboral de Eva que se desenrola a narrativa. Confinada ao espaço prisional onde dedica a sua vida aos reclusos que supervisiona, também ela vive aparentemente enclausurada e abnegada àquele espaço lúgubre. A forma exclusiva como parece dedicar a sua vida à profissão, aparentando não ter vida social nem familiar, inserem no espaço prisional uma tensão constante. O local de filmagem está confinado aos muros e celas desta prisão de alta segurança, permitindo a Eva exercer com agilidade e sentido maternal os seus turnos na sua ala, onde encontra uma certa paz de espírito no exercício de controlo de mais de uma dezena de homens que até então viviam à margem da lei.

É com o surgimento de um novo recluso, Mikkel, que Eva começa a demonstrar as suas fraquezas, revelando progressivamente um desajuste técnico nas suas funções. Este recluso musculado e de aparência delinquente vai sendo por ela espiado e observado, levando Eva a comportamentos cada vez mais obsessivos e fugidios ao código deontológico. É na ausência de ética profissional e no corromper de provas, é no deturpar da realidade que se começa a tornar visível a vingança de Eva em relação a um acontecimento pouco claro do seu passado. Mikkel é levado para a ala de segurança máxima e Eva segue-o, cega, perturbada, de forma insensata.

Sons obriga-nos a aceitar que Eva carrega esta história como um segredo que não pode partilhar com nenhum dos seus colegas. Escusado será dizer que Gustav Möller não receia sacrificar parte crucial da informação para transformar este filme num duelo entre Eva e Mikkel, tornando-os o circuito estritamente fechado que alimenta esta narrativa. A clássica sensação de culpa anda de mãos dadas com a redenção, sendo ambas retratadas de uma forma tão eloquente como verosímil. Contudo, Möller poderia ter espelhado com maior vislumbre algumas ideias associadas à realidade penal: a masculinidade tóxica; o preconceito relativo à representação dos guardas prisionais como milícias violentas; a relação sadomasoquista entre os protagonistas e as ambivalências relacionais da vida prisional. Tudo isto é aflorado mas nunca aprofundado. Apesar de jamais perder a sua frieza nórdica, Sons aborda questões cruciais e actuais como a reintegração humana e o aperfeiçoamento da sua conduta social por meio do ensino e do trabalho, conseguindo cenas devidamente dramáticas e de suspense, mas é frágil na exploração de ideias que o tornem mais real e autêntico.

Com uma narrativa propositadamente vaga e dispersa, na sua segunda metade o filme vai-se desmontando, com volte-faces improváveis. Sons demora algum tempo a começar e também demora algum tempo a terminar, mas o meio da narrativa oferece imenso potencial, apesar do ritmo vagaroso, e o facto de ser sombrio e misterioso acaba por tornar as suas partes menos cruciais algo arrastadas. No entanto, o ritmo lento é o que lhe confere uma atmosfera que nos prende, capturando plenamente a sensação pesada do que é estar numa prisão.

Sons é um filme denso e profundo que, apesar da sua aparente simplicidade, vai mostrando que as falhas humanas correspondem às falhas estruturais do sistema, muito mais num exercício de análise sociopolítica, de elevada carga reflexiva e profundidade psicológica, do que como retrato do castigo e punição a que um recluso é sujeito. Não é na redenção em que se foca mas sim no apontar de dedos às fissuras existentes no sistema prisional, sistema este que nunca está a salvo da vingança de uns, nem do perigo de conviver com sentenças de enclausuramento de outros.

Concluindo, Sons explora, e bem, a justiça e a vingança diante da dor e dos dilemas morais, de uma forma intensa, mas crua. As performances de Sidse Babett Knudson e de Sebastian Bull Sarning são cativantes, mesmo quando o argumento, por vezes demasiado simplista, outras muito complicado, reduz o impacto dos conflitos internos das personagens. Uma nota muito positiva para o design de som que é rico e nos transporta para um mundo tão temperamental quanto funesto. A caracterização de todas estas questões sociais, apesar de subtil, tem propensão para uma tensão constante que é inquestionavelmente levada até ao fim.

Rita Cadima de Oliveira