Críticas a Godland, de Hlynur Pálmason

EquipaJunho 24, 2023

Inauguramos hoje na Tribuna do Cinema uma nova secção denominada Críticas, no plural, que procurará congregar opiniões de diferentes membros da nossa equipa sobre um determinado filme. Cada membro participante apresenta a sua resenha crítica e a classificação que atribui ao filme. Iniciamos com Godland, filme do islandês Hlynur Pálmason, estreado nas salas de cinema nacionais no passado dia 8 de junho.

 

Godland (2022) é um filme representativo do cinema reflexivo europeu actual que narra a odisseia de um jovem padre dinamarquês, no final do século XIX, na sua atribulada viagem para uma remota região da Islândia. O desígnio é construir uma igreja e registar fotograficamente a sua população. Para alcançar este lugar, Lucas terá de passar por diversas provações, a profana e sobretudo a imprevisibilidade da natureza local (glaciares, vulcões, rios e tempestades). Contudo, é a assolapada dor causada por este mundo desconhecido que Hlynur Pálmason nos consegue transmitir nesta missão monumental. A transformação do homem perante a diferença e a não resistência à mudança são os focos mais importantes desta narrativa que, por vezes, mesmo silenciosa, expressa graficamente o que as palavras não exploram. Quanto mais se aprofunda e embrenha nesta paisagem implacável, mais este Padre se distancia da sua missão e moralidade, captadas de uma forma extremamente agressiva mas deslumbrante.

Rita Cadima de Oliveira

 

Godland é mais um exemplar de um determinado cinema europeu contemporâneo bastante em voga na alta roda dos festivais de cinema, que emula Andrei Tarkovsky (travellings lentos, contemplação de paisagens nubladas numa qualquer busca pela transcendência), mas nos deixa indiferentes aos personagens/peões que se vão locomovendo em cenários misteriosos, místicos e “terrivelmente belos”. Paisagens bonitas podem resultar em bons postais (como aqueles que vão pontuado o filme e demonstram a passagem do tempo e a insignificância da vida contra a força da natureza) mas não resultam necessariamente em bom cinema. E naturalmente que o filme resvala no cumprimento de uma checklist de lugares comuns: um subtexto tematicamente relevante (colonialismo Dinamarca > Islândia), um plano de uma minhoca a atravessar dejetos de cavalo, um animal a ser esventrado, pontuais rasgos de violência e um cão com um papel relevante para gáudio do espetador.

Bruno Victorino

 

Não é obviamente a primeira vez que observamos a premissa da viagem de um homem numa missão em busca de algo que ele próprio não entende o que é. De Apocalypse Now de Coppola, ao recente Silence de Scorsese, o formato homem vs natureza, homem vs comunidade e homem vs si próprio é sempre fruto desejável, propondo ao espectador uma aura de superação que, quando bem executada, é fórmula vencedora. Neste filme de Hlynur Pálmason o padre dinamarquês viaja pela Islândia do séc. XIX em busca da construção da sua igreja numa pequena comunidade emigrante. O que eleva Godland é a delicadeza com que filma a rudeza natural, ao mesmo tempo bela e desoladora, das paisagens islandesas, os rostos dos que lá habitam, os preconceitos e os riscos de todos: desde o padre protagonista, ao enrijecido guia local, passando pelas jovens filhas do influente homem que acolhe o padre na comunidade. Poder-se-á apelidar Godland de drama slow burner, qual Martin Sheen a observar as tribos enquanto sobe o rio à procura do seu Marlon Brando, mas a sua natureza quasi-documental, sem complexos ao falar do tema da colonização (intra-europeia) faz dele um produto distinto, dir-se-ia até algo único.

David Bernardino