Críticas a Cidade Rabat, de Susana Nobre

EquipaJulho 4, 2023

Cidade Rabat, o mais recente filme da realizadora portuguesa Susana Nobre, estreado nas salas de cinema nacionais no passado dia 22 de junho. Três tribunos deixam-nos aqui a sua crítica.

 

Cidade Rabat lembra, a vários níveis, os filmes da canadiana Sofia Bohdanowicz, nos apontamentos autobiográficos, no balanceamento entre documentário e ficção (se é que essa separação faz sequer sentido), no peso simbólico dos espaços e objetos assombrados pela ausência de quem parte, mas fundamentalmente na contenção e sensibilidade que o filme revela, encarnadas de forma perfeita na timidez e introspeção da protagonista. Raquel Castro revela, em microexpressões faciais, aquilo que raramente é dito, ilustrando subtilmente as suas emoções ou convicções, de forma similar ao que Deragh Campbell atinge nos filmes de Bohdanowicz, algo que é cada vez mais difícil de encontrar no cinema contemporâneo, onde abunda o histrionismo ou a robotização de personagens oprimidas sob um dado formalismo. Deste modo, os momentos de maior carga dramática do filme (choro na casa da mãe), são enfatizados por oposição à moderação vigente, intensificando a catarse da protagonista e do espectador.

Bruno Victorino

 

Como lidar com a perda, num mundo que não se compadece com os nossos ritmos biológicos? Em “Cidade Rabat”, Helena (Raquel Castro) precisa de tempo e de apoios dos quais não dispõe. Aos 40 anos, já as portas não se abrem como antigamente, nem trazem os rostos que outrora a cumprimentavam com promessas de histórias, lazer e cumplicidade. Restam apenas os rituais e papéis sociais que um adulto “bem ajustado” deve cumprir: antes da dor, vêm a burocracia e a cerimónia; antes da cura vêm a maternidade e a cidadania. Recusando uma narrativa psicologizante ou assente na lógica de crescimento pessoal da heroína, a realizadora (Susana Nobre) propõe, ao invés, um terno e paciente passeio pela sucessão de episódios da vida de Helena. Enquanto espectadores, nunca partilhamos o seu processo mental. Assistimos apenas às suas escolhas, estados de espírito e peripécias, sendo convocados a encontrar tanto as dificuldades quanto a beleza na poesia do banal. A nossa grande pista está no rosto da atriz, Raquel Castro. Bem servido pelos close ups regulares, é nele que entrevemos o desespero, o asco e a raiva reprimida, mas também a esperança e as pequenas alegrias que perpassam nos mais ínfimos movimentos de uma atuação muito contida, mas altamente controlada e expressiva. Para regar e crescer connosco, muito depois do visionamento, “Cidade Rabat” é a oferta singela da única coisa que pode ser verdadeiramente nossa: o presente.

Gil Gonçalves

 

Cidade Rabat é a rua que determina o futuro de Helena e o corte com o passado. Nesta longa metragem de ficção, Susana Nobre faz renascer esta mulher que, após a morte da mãe e a destruição física das memórias sensoriais, se movimenta num luto cru. A morte, a separação, a partilha da filha com o ex marido e a redescoberta de si mesma como mulher, mãe e profissional do sector artístico, tornam esta obra num movimento intimista e num retrato de dor e pesar mas também numa paródia ao quotidiano. É na deambulação da vida e da incerteza que Helena se move, por vezes apática, outras vezes numa dança desenfreada. Mas sempre muito perto da terapia introspectiva e na perpétua afirmação e superação em forma de emancipação.

Rita Cadima de Oliveira