Sobreimpressões Críticas a Priscilla, de Sofia Coppola

EquipaMarço 11, 2024

Depois da passagem, em Novembro, pelo LEFFEST, Priscilla estreou finalmente esta semana nas salas de cinema portuguesas. A nova obra de Sofia Coppola é baseada no livro de memórias de Priscilla Presley, Elvis and Me. Quatro membros da Tribuna foram ver o filme e deixam-nos aqui a sua crítica.

 

É difícil avaliar Priscilla, um filme tão complexo e ao mesmo tempo tão simples. Sofia Coppola apresenta um filme narrativo clássico, sem laivos de grande criatividade ou originalidade, rígido, mas ao mesmo tempo subtil na forma como introduz planos de belo efeito e detalhes de composição complexos. A fineza está lá. Por outro lado temos a narrativa, baseada no livro que Priscilla Presley escreveu sobre Elvis, que apresenta o ídolo como um marido distante, dominador e adúltero, anulando Priscilla desde a adolescência e confinando-a a uma gaiola dourada. Apesar do filme ser sempre apresentado do ponto de vista da sua protagonista, é inegável dizer que este filme se trata mais de um retrato da relação com Elvis do que propriamente um biopic. No filme, tal como na vida, Priscilla é reduzida a acessório de alguém “maior” que está em constante ausência, e é pena que esse gravitas de Elvis esteja sempre tão presente no filme, questionando-nos por vezes afinal quem é a personagem principal: ele, ela, ambos?

David Bernardino

 

Sofia Coppola no seu pleno amadurecimento como cineasta, revela elevada competência e seriedade ao retratar de forma singular mas pouco maleável o prisma de Priscilla sobre Elvis o homem, marido e amante, nunca o Elvis cantor e estrela universal. A linha narrativa sem grandes amplitudes, revela-se tensa, crua e rígida. Por vezes, parece que estamos a assistir aos famosos e coloridos comerciais televisivos americanos dos anos 50 e 60, sendo este um filme esteticamente denso, com alguma sobrecarga capitalista e exploração de uma vertente mais frívola e presunçosa. A própria desproporção no tamanho entre Elvis e Priscilla revela a escala daquilo que os distanciava, levando a fama de um ao massacre de outro. Todo o filme é um processo gradual de separação, um caminho para o purgatório e para uma vida claustrofóbica. Priscilla é tornada prisioneira numa casa em que ele raramente vive. E ele era Elvis Presley.

Rita Cadima de Oliveira

 

O novo filme de Sofia Coppola é facilmente identificável como seu. Uma história contada da perspetiva duma adolescente é uma premissa que a realizadora explorou em títulos como “The Virgin Suicides”, “Marie Antoinette” e “Somewhere”. Desta vez, a adolescente em foco é Priscilla Beaulieu, antes de se tornar Priscilla Presley. O filme retrata precisamente essa passagem repentina (e forçada) de criança para esposa, sem espaço para Priscilla crescer como as raparigas da sua idade. O seu novo papel é o de acompanhante de Elvis, de apoio à estrela – nada mais. Priscilla fica consequentemente fechada em Graceland, qual canário numa gaiola. Elvis e a sua família vão tentando fazê-la esquecer da sua situação de prisioneira através de presentes como um cachorro, que ela não pode levar à rua, ou um carro lustroso, que ela não pode conduzir. Até uma pistola ela recebe – várias, na verdade – como se de um brinquedo se tratasse. “Priscilla” é assim um filme de interiores. As poucas cenas exteriores são de Elvis a fazer o que lhe apetece com os seus (sempre presentes) amigos desordeiros. Desde capotar carros-miniatura às tantas da noite, a demolir uma casa só porque estava a estragar a vista. No final, “Priscilla” é um filme capaz e eficaz, muito anti-Elvis, mas não pró-Priscilla o suficiente. A sua personagem é silenciosa, contemplativa e infelizmente aborrecida.

Pedro Barriga

 

Um filme muito previsível para Sofia Coppola, sem que isso nos permita identificar claros traços autorais. Coppola continua, claro, muito fetichista, dando um ênfase particular aos pequenos objectos de Priscilla (o perfume), aos adereços dos espaços e personagens, às canções que envolvem a narrativa, e o filme é até mais interessante quando menos conta – e provavelmente mais mostra (Priscilla abandonada em Graceland, o som dos seus pés na alcatifa branca, o pórtico vazio da mansão). Por outro lado, e mesmo apesar de Priscilla Presley ser uma personagem perfeita para Coppola, a trama do filme é globalmente menos interessante do que a de (imagine-se!) Elvis, de Baz Luhrman, que, apesar de todos os seus excessos e delitos, abordava a imagem sobre-humana do cantor e o desamparo de Priscilla de uma forma mais conseguida e consequente. Claro que, também por culpa deste maldito paralelismo real de dois filmes saídos no mesmo ano, Priscilla nunca deixa de parecer um compêndio mais realista – e, claro, mais feminino – desse Elvis. E Coppola, pouco ousada onde Luhrmann o era em demasia, acaba por realizar o que se aparenta a uma mini-série demasiado curta, que sobrevoa (muito) rapidamente por numerosos episódios da vida da sua protagonista, propondo inúmeras sugestões sem jamais as concretizar. Para distinguir o filme do seu relato, não funcionam os habituais, mas aqui muito tímidos, anacronismos de Coppola (Crimsom and Clover, as ruas de Las Vegas, o “anos 80” da saída entre amigos), que se confundem finalmente com outros recursos mais banais de um filme biográfico, como as imagens tratadas para parecerem filmadas por câmara caseira. Enfim, Priscilla é efectivamente um filme apetitoso, de imagens bonitas e grão, enquadramentos competentes, dado o talento pictural de Coppola. Mas no quadro da sua filmografia, este será mesmo um dos seus filmes menos ambiciosos, e sobretudo menos memoráveis. Priscilla não é exactamente pior do que SomewhereThe Bling RingThe Beguiled, ou On the Rocks. Mas no seguimento dessa sua obra mais recente, onde cada filme apresenta uma experiência nova (ainda que nunca muito audaz) para a realizadora, este Priscilla parece ser o seu mais franco regresso, ou retrocesso, à casa que ocupara em 2006 com Marie Antoinette – outro filme bonito, não muito mau, a momentos interessante, outro filme biográfico competente perdido no seguimento de um filme muito mais direcionado. “The flame’s burning low. Someone better get home and start the fire.

Miguel Allen