Críticas a Don Juan, de Serge Bozon

EquipaOutubro 2, 2023

Três membros da Tribuna deixam as suas críticas a Don Juan, o novo filme de Serge Bozon, recentemente estreado nas salas de cinema nacionais.

 

Laurent é um actor de teatro que interpreta o papel do sedutor Don Juan no palco e na vida. No dia em que experiencia o abandono no altar, Laurent procura a sua ex-noiva em todas mulheres que a vida lhe vai sugerindo. Na frustrada tentativa de conserto do seu coração partido e na busca incessante pela reconstrução do ego, Laurent procura seduzir todas estas mulheres através dos seus elaborados avanços musicais. Don Juan assume-se como uma comédia musical na qual o ridículo e o idealista se fundem num filme nada previsível, sendo esse o seu maior mérito que, no entanto, é contraposto por cenas sem lógica e momentos musicais incómodos e supérfluos, nos quais as letras se apresentam com um conteúdo básico, as interpretações vocais são fracas e os momentos teatrais dessincronizados com o resto da narrativa.

Rita Cadima de Oliveira

 

O título do novo filme de Serge Bozon pode levar o espectador a esperar um filme bem diferente daquele que vai encontrar. Uma simples consulta na wikipedia diz-nos que “Don Juan é um personagem arquetípico da literatura espanhola” ou que “é um lendário libertino espanhol fictício que dedica sua vida a seduzir mulheres”. Não que estas várias dimensões do personagem não sejas exploradas por Bozon, mas são-no de forma, no mínimo, curiosa. Conjugando diferentes géneros de cinema e aproximando-se das preocupações comuns ao cinema de Jacques Rivette, (realidade vs ficção, influências do teatro incorporadas de forma precisa na encenação), Don Juan poderá fazer desesperar os mais impacientes, mas a forma como abraça o ridículo não é defeito, é feitio.

Bruno Victorino

 

Tu veux jouer ?
Em desencanto. Don Juan enquanto sedutor cujo desejo se alimenta de um único rosto – aquele que sempre parece lhe fugir. Amar para esquecer o amor, olhares cruzados, um desencontro. O mito, a tragédia, e o banal. Laurent passeia pelas ruas chamando por Julie, e no mundo que se apresenta aos seus olhos, todas as mulheres são um reflexo daquela que o deixara. O real e a nossa ficção, tudo é encenação, num filme que revolve incessantemente em torno da palavra jouer (jogar, lançar, representar). Quando Julie reaparece enfim, é o próprio espectador que acabará por desconfiar se não será esse mais um ludíbrio da imaginação de Don Juan (“vous ne me reconnaissez pas ?”). A imagem no espelho, um jogo de engano e de aparência. Distraídos pela melodia, Rahim e Efira (dois pontos altos do cinema francês de hoje), são perfeitos quando desafinam. E na sua fatalidade, Don Juan é também um divertissement invulgar e deliberadamente ridículo, algo desajeitado, e nisso justo. Parece impossível não nos perdermos pelos desencontros daqueles dois amantes, pelo seu jogo de sucessivas representações, pela atonalidade determinada da sua canção. Um cinema enquanto extensão, ou multiplicação, do “teatro filmado” da sua origem. De desacordo, uma mise en scène precisa e muito criativa. O desejo é um tormento, por isso “servez-moi de la musique

Miguel Allen