Críticas a The Iron Claw, de Sean Durkin

EquipaMarço 15, 2024

A mais recente longa-metragem do realizador de Martha Marcy May Marlene (2011) e The Nest (2020) é um drama desportivo biográfico, centrado na célebre e trágica história da família de wrestlers Von Erich. O elenco é composto por Zac Efron (numa atuação que tem sido muito elogiada), Harris Dickinson, Jeremy Allen White, Holt McCallaney, Maura Tierney, Stanley Simmons e Lily James e o título remete para o golpe de assinatura de Fritz Von Erich – o pai de família – no ringue. A recriação meticulosa do universo do wrestling e o melodrama familiar têm dado que falar e não passaram ao lado de 4 membros da Tribuna do Cinema. Aqui ficam as suas críticas a The Iron Claw, de Sean Durkin.

O estudo de Sean Durkin sobre os Von Erich – uma das mais famosas e trágicas dinastias do desporto americano – move-se em dois vetores dramáticos intimamente ligados: o familiar e o social. O crescimento de quatro rapazes, dominado por um pai omnipresente e uma mãe que se eclipsa, assenta na recriação fiel do mundo do wrestling – que tanto acompanha como desconstrói a espetacularização dos atletas, das suas proezas e do culto do corpo – e de uma vida familiar isoladora, policiada e repressiva, que gira exclusivamente em torno da sua performance. Uma performance para a qual é aplicada toda a existência fora do ringue – dos treinos à alimentação, de uma relação paternal onde todos os afetos são suprimidos, em prol de resultados, à total demissão de ambos os pais na gestão emocional e conflitual entre irmãos – e que engole as identidades de Kevin, Kerry, David e Mike. Eles existem exclusivamente para cumprir o sonho e servir os propósitos comerciais de outrém. O resultado é a manifestação da “maldição” familiar, que mais não é do que o desajustamento ao mundo real, um não saber viver que mortifica o espírito e destrói a mente. É uma pena que só a personagem de Zac Efron seja explorada a fundo. Sabemos de onde vem a dor de todos os irmãos, mas as restantes personagens, além de mais opacas, tornam-se, a certo ponto, meros veículos do sentimentalismo exacerbado a que o filme se entrega, na segunda metade. Ainda assim, o coração de Iron Claw está no sítio certo e a sua forma, por vezes simplista, não trai um bonito e catártico momento final, que deveria ressoar em muitos homens, americanos ou não, conservadores ou não. A dualidade entre uma visão autoral definida – capaz de uma subtileza rara na exploração dos temas, e de ligar a problemática familiar a um crítica mais alargada à sociedade americana e aos seus valores – e a vontade de ser um filme “para todos” – com um enredo central previsível e algumas decisões de guião e execução visual a roçar o xaroposo – nem sempre é equilibrada, mas faz de Iron Claw um do mais intrigantes e interessantes objetos cinematográficos, dentro do seu género.

Gil Gonçalves

 

Wrestling, Ribs e Família. A Santíssima Trindade dos texanos Von Erich, família que marcou o panorama do Wrestling, nos Estados Unidos, no início dos anos 80. Tão perseguidos pela tragédia como pelo triunfo, sempre sob a sombra do pai e treinador, os irmãos Von Erich dominam no campo tanto quanto são dominados na vida. O pai, um homem austero, extremamente autoritário e exigente e a mãe frívola, sombria e distante, incutem nos filhos a imortalidade no maior palco do desporto, mas não no da vida, fazendo-os descurar inúmeros aspectos que a idade e a jovialidade lhes exigia. Para muitos, este filme está carregado de uma carga nostálgica, característica de quem nasceu nos anos 80 e 90. Um período repleto de adolescências construídas em castelos de plástico, apesar de rico em almas garridas, mas quase sempre vítimas de algum autoritarismo e pressão. A pressão, sobretudo parental, de estudar o que seria suposto, de corresponder a expectativas e onde a masculinidade e a sensibilidade não se podiam emparelhar. Mas que, surpreendentemente e contra a vontade do progenitor, neste filme caminham juntas. Iron Claw não é a luta, é sim a tragédia, o luto e a perda traduzidos em corpos feridos, sangrentos e trémulos de dor. A luta na arena é sempre alvo de uma densidade impressionante de luz e respectivos contrastes, tornando mesmo esta temática aparentemente desinteressante num filme denso, com uma narrativa sólida, bem construída e com impressionantes detalhes estéticos e técnicos. Iron Claw destrata emocionalmente qualquer espectador, mesmo quando se reveste da densidade comovente tão cheesy e americana. Apesar das performances irrepreensíveis de Zac Afron, Jeremy Allen White, Harris Dickison e Holt McCallany serem inesquecíveis e marcantes, no fim, quem ganha é o Undertaker.

Rita Cadima de Oliveira

 

Brothers in arms. Um peso pesado, The Iron Claw vive de um martelar dedicado da sua triste cadência dramática. Abraços fortes e golpes baixos, um sonho americano revertido, onde uma disfunção familiar profunda se reveste caricaturalmente da supersticiosa maldição de um nome. O filme apresenta-se como exercício biográfico competente, e é com surpresa que aprendemos que, neste trágico melodrama, as peças e posições dos eventos foram consideravelmente redistribuídas – ao ponto de Durkin ter cortado da trama Chris Von Erich, o irmão mais novo da família, também wrestler de carreira modesta. “An impossible choice“, nas palavras do realizador, até porque o filme parece efectivamente respirar pelas suas personagens e pelo interesse sincero que Durkin lhes dedica. Zac Efron cresceu, e é verdadeiramente cativante na figura daquele frágil gigante de pés descalços. Pelos olhos solitários e pueris do seu Kevin, desenha-se o conto triste de uma fratria em perda constante e sucessiva. Em amarelos, castanhos e dourados, verdes e azuis, pelo rancho dos Von Erich, sob as luzes foscas do Sportatorium. Os cabelos claros de David, a pele bronzeada de Kevin, e aquele cinto. Músculos, suor e sangue, fotos de família e armas de fogo. E todas as lágrimas que os Von Erich tiveram de enterrar. Relances eternos, memórias fugazes, será naquele libertador sonho final que, enfim resgatados da garra de ferro, os irmãos poderão simplesmente existir.

I used to be a brother (…)

We can be your brothers, dad.

Miguel Allen

 

The Iron Claw” Is a Combustible Family Drama of Love, Loss, and Pro Wrestling | The New Yorker

The Iron Claw é um filme a duas velocidades. Por um lado acompanhamos o drama familiar de uma família dedicada ao wrestling, quatro irmãos sob a batuta do patriarca, outrora ele próprio estrela dentro do ringue. Zac Efron (que merecia uma nomeação para Óscar) num belíssimo papel de irmão mais velho protector, um gigante de coração puro, atrofiado pelos esteróides e pela infância dirigista e masculina que, tal como os seus irmãos, sofreu às mãos do pai com conivência da mãe, em busca do sonho do patriarca de trazer o título de pesos pesados para a família. Por outro lado, o externo, vamos observando a realidade da sociedade americana do Texas, e não só, nos anos 70 e 80. Além de toda a carga dramática, habilmente realizada, tendo sempre como ponto central o amor e união entre estes irmãos abatidos pela tragédia, o ponto mais forte de The Iron Claw será a forma como se coloca no fio da navalha entre essa componente psicológica familiar e a extravagância carnavalesca, tão americana, do Mundo do wrestling. The Iron Claw consegue, sem pretensões ou pudores, abordar profundamente temas como a pressão familiar, a supressão de emoções e a frieza do Mundo do espectáculo. Com uma imagética rara, mesmo nos filmes de desporto, Sean Durkin assinou um grande filme que não teve a merecida atenção.

David Bernardino