Críticas a Saltburn, de Emerald Fennell

EquipaJaneiro 26, 2024

A segunda longa-metragem de Emerald Fennell, Saltburn, tem sido classificada como um dos filmes mais escandalosos do ano. A comédia satírica em forma de thriller psicológico, que junta Barry Keoghan e Jacob Elordi nos papéis principais de um elenco vistoso, não deixa de gerar conversa, memes e controvérsia nas redes sociais. Os nossos críticos David Bernardino, Enrico Mancini e Rita Cadima de Oliveira foram saber porquê e deixam-nos as suas opiniões.

 

Um relato de pensamento na primeira pessoa: Não gostei de Promising Young Woman, o primeiro filme de Fennel. É um filme pretensioso que tenta ser fixe, original, mas acaba por ser apenas um filme provocativo e moralista que não consegue suportar o seu próprio ego. No entanto, enquanto estava a ver a primeira hora de Saltburn, estava genuinamente a gostar dele. A provocação continua, é certo, mas pelo menos existia alguma substância. A realização é agradável, com imagens compostas a bom gosto, e Jacob Elordi e Barry Keoghan em grande forma. Dei por mim a pensar: talvez Fennel não seja assim tão má quanto isso. Talvez ela tenha amadurecido para se tornar uma grande realizadora! Mas à medida que o filme ia avançando, as questões começaram a levantar-se… Estamos a ver um filme sobre um nerd que vai passar o Verão a casa do seu novo melhor amigo, que por acaso é um castelo. A sua família é rica e excêntrica, a lua está quase cheia, os corredores são longos. Estaremos perante o nascimento de um subgénero gótico contemporâneo? Estas pessoas serão vampiros ou assim? Não, isso não faz sentido porque o filme apresenta todas as características de um teenager summer movie, reminiscente de Call Me By Your Name, completo com fluidos corporais. Então que raio de passa?

Fennel tenta criar uma espécie de mistério estranho de verão, uma soma de muitos filmes e géneros, com uma montagem de elipse pelo final a explicar o seu bacoco plot twist. Quando chegamos à última cena apercebi-me: isto é mais um objecto pretensioso que me manipulou durante toda a sua duração. Pensando uma segunda vez na realização, que à primeira me impressionou, reparo que não estávamos a ver mais que guloseimas para os olhos. Puro estilo acima da substância. Fennel pontua o filme com diversas curvas, quer em argumento, personagem ou simplesmente estilo, de forma desafiante, mas que nunca traz drama real, adrenalina ou desenvolvimento de personagem. A personagem de Jacob Elordi foi o único ser humano num filme habitado por desenhos animados. E depois vemos Keoghan reduzido ao seu próprio estereótipo de “esquisitóide” (ainda assim uma boa interpretação). No final  de contas Saltburn é uma mão cheia de nada, com uma cena final de tal forma pretensiosa que destrói tudo o pouco de bom que havia construído.

David Bernardino

 

O pretensiosismo pedante de Emerald Fennell retorna para se reafirmar. Saltburn opera enquanto isca para uma juventude engajada, um fenômeno de rede social, e isso, como tudo na arte, não é objetivamente “errado”. O equívoco acontece, na minha opinião, quando isso deixa de ser um ponto de partida e se transforma em um objetivo de chegada. Filmado em um estéril aspect ratio 4:3 que só adiciona um falso verniz de diferenciação, Saltburn busca um valor de choque construído, uma “acidez fabricada”, como disse meu amigo Thales de Oliveira. Essa acidez, como nas cenas da banheira ou do túmulo, funciona mais como corte do tiktok do que como filme de longa-metragem. A partir daí podemos levantar uma questão central que se concentra menos no fato de Saltburn ter exatamente esse propósito e mais sobre qual é o destino do cinema na indústria cultural capitalista neoliberal, onde um filme tão difuso ideologicamente seja mais lembrado pelo apelo erótico de seus atores e por ser “previsível”, do que por seu incontornável desleixo formal, e principalmente pelo caminho alienado e alienante cambaleado por ele. Mas “não vamos pensar muito, afinal é só um filme”…

Enrico Mancini

 

Oliver Quick, um estudante universitário de Oxford, é atraído para o mundo cativante e aristocrático do charmoso Felix Catton, que o convida para uma temporada em Saltburn, a excêntrica propriedade da sua abastada família, visando um verão louco e inesquecível. Partindo de uma premissa aparentemente simples e algo vulgar, o impacto mordaz e grotesco de cada personagem, as suas complexidades e o desenvolvimento dos seus papéis funcionam de forma eloquente e persuasiva para Emerald Fennell convencer. Ela que volta a falhar mas, desta vez, em bom. Numa tragédia-negra com laivos góticos classicistas, remisturando estilos cinematográficos vários, a jovem realizadora faz um filme jovem e desprendido, com jovens actores, para um público jovem. Num misto de Harry Potter meets Downton Abbey meets Fall Out Boy, Saltburn é a hipérbole da extravagância, da sordidez e da perversidade. Em Saltburn funciona toda a bizarria, os diálogos surreais, a a exuberância e a fotografia irrepreensível, o que falha gravemente é o defraudar da surpresa inicial de um filme que aparentava ter algo mais para oferecer mas que vai ficando pela rama, tornando-se deveras previsível e decepcionante pois nada traz de novo à tão desgastada temática do alpinismo social.

 

Rita Cadima de Oliveira