Em preparação para a cerimónia de entrega dos Óscares, dia 10 de março, onde Poor Things se encontra bem posicionado com 11 nomeações, dois críticos da Tribuna deixam aqui a sua opinião, bem distinta, sobre o último filme de Yorgos Lanthimos. A relembrar também, a crítica de David Bernardino, publicada aquando da saída de Poor Things nas salas.
Um cirurgião (Willem Dafoe) salva a vida de uma mulher à beira da morte (Emma Stone). Mas este doutor Frankenstein criou um monstro – rebatizado Bella – que em breve não conseguirá domar. Lisboa, Alexandria, Paris e Londres são algumas das paragens que Bella fará na sua viagem de auto-descoberta. Uma odisseia de uma mulher a explorar o desejo sexual, de uma prisioneira a descobrir a liberdade, de uma pobre criatura a desvendar um mundo cruel. Poor Things é ele próprio um monstro, composto por várias partes. Um misto de comédia sexual e conto feminista. Trata-se do filme mais excêntrico de Yorgos Lanthimos, que inclui desde uma galinha com cabeça de porco a uma Emma Stone a praticar bondage. A atriz percorre uma linha difícil entre o convincente e o exagerado. Talvez a melhor interpretação da sua carreira. A direção de arte é assombrosa: um cruzamento entre as telas surrealistas de Salvador Dalí e os cenários pintados de Powell e Pressburger. Tudo isto envolto num ambiente punk, providenciado pela fantástica banda sonora de Jerskin Fendrix.
Pedro Barriga
Nem tudo é mau (veja-se o fotograma acima) ! Menos ofensivo do que me fizeram pensar, e até esteticamente menos feio do que imaginara (apesar de corresponder às expectativas em cenas como o irritante “tango com corridinho” em Lisboa). Barbie na versão adultos, onde outra criatura artificial aprende a sua existência e a declara ao mundo. Como Barbie, o feminismo que o filme pensa advogar é banal mas, no caso de Poor Things, o envelope é até involuntariamente subversivo pela intrínseca masculinidade das suas ideias. Sobressai de facto, globalmente, um certo gosto de fantasia masculina naquela liberação sexual de Bella, bem como na exploração sensacionalista que o filme constrói com as suas imagens. Recorrentes traços “necessários” de pornografia do escatológico, mas Poor Things só começa, apesar de tudo, a ficar verdadeiramente entediante no bordel em Paris – onde a narrativa se revela cada vez mais previsível, e a longa duração se faz notar pela repetição cansada dos mesmos temas, motivos, e artimanhas. O tom do filme, obstinadamente entre a elegância e o grosseiro, não é particularmente divertido, e demasiadamente fruto de uma tendência de cinema de autor contemporâneo para se revelar algo mais do que inofensivo (não posso acreditar que a palavra “fuck” seja hoje vista como uma provocação). Parece que a grande vitória da mulher no cinema dos anos 2020, será este assumir controlo da sua vagina – uma ideia, enfim, superficial e de um falso radicalismo, surgindo de forma perfeitamente institucionalizada (estamos em Hollywood, claro). E se Lanthimos parece ter pensado, a partes iguais, em Powell & Pressburger e Jean-Pierre Jeunet – uma equação já por si inaceitável – o filme inclina-se forçosamente para a estética datada do segundo, tanto quanto relembra bizarramente The Fifth Element (passou assim tanto tempo, para que aquele estilo possa ser livremente reciclado ?). Mas os adereços de Emma Stone (por Holly Waddington, em jeito Cecilie Bahnsen sci-fi, segundo a Inês) são bastante bonitos, sendo que a actriz se encarrega, afinal, de transportar o filme e o elevar acima da debilidade dos restantes actores (nomeadamente um penoso Mark Ruffalo).
Miguel Allen