Críticas a No Interior do Casulo Amarelo, de Thien An Pham

EquipaAbril 29, 2024

De regresso à vila natal após a morte da cunhada, um homem procura o seu irmão mais velho, de quem perdeu o rasto há alguns anos. Primeira longa-metragem do vietnamita Thien An Pham, No Interior do Casulo Amarelo ganhou a Caméra d’Or no Festival de Cannes de 2023. Três tribunos foram ver o filme e deixam-nos aqui a sua crítica.

 

Há muito para apreciar na estreia de Thien An Pham na realização. Desde a fotografia elegante, aos flashbacks inesperados. Desde a utilização de duplos, aos planos-sequência cuidadosamente encenados (o mais impressionante deles sendo a cena de abertura, na qual a câmara desenha uma panorâmica que começa num jogo de futebol, passa por uma esplanada e termina nos destroços de um acidente de viação).

Dito isto, estamos perante um filme que é mais interessante formalmente do que narrativamente. O enredo é tão ligeiro que toda a ação se pode resumir em “homem regressa à província em busca do seu irmão mais velho, FIM”. O filme tem uma certa qualidade onírica, que o espectador pode considerar hipnótico quanto muito, adormecedor no pior dos casos. De início, Thien An Pham parece sugerir que nos espera uma espécie de odisseia, sobre religião, fé, vontade divina, castidade, a vida depois da morte… No entanto, três horas volvidas, pouco decorreu. Uma viagem bonita, mas algo dececionante.

Pedro Barriga

 

O vencedor do Camera d’Or para melhor longa-metragem de estreia no Festival de Cannes 2023, chega agora às salas de cinema nacionais. Após o falecimento da sua cunhada num acidente, Thien fica responsável pelo sobrinho Dao e Inside the Yellow Cocoon Shell detém-se precisamente nas consequências da fatalidade. Iniciamos em Saigon mas prosseguimos para o Vietnam rural, terra de origem de Thien e local onde ocorrerá o funeral. O filme de Thien An Pham retrata a desaceleração do protagonista, no contraste entre as duas realidades, colocando em evidência e em constante questionamento a fé de Thien enquanto procura lidar com os fantasmas do passado e do presente. As comparações com Apichatpong Weerasethakul não são descabidas, mas foi com Bi Gan, nomeadamente Long Day’s Journey Into Night, que encontrámos maiores parecenças. A busca pela transcendência, a narrativa críptica e misteriosa e a utilização frequente de simbologia. Mas, por outro lado, apesar de ser inegável o talento de Thien An Pham e de Inside the Yellow Cocoon Shell se tratar de uma auspiciosa estreia, o filme não deixa de resvalar em algumas tendências formais contemporâneas (enquadramentos, movimentos de câmara, nevoeiro, a tal simbologia) que camuflam a opacidade dramática, disfarçada na beleza de cada plano.

Bruno Victorino

 

No Interior do Casulo Amarelo propõe uma jornada espiritual, na qual a busca pela fé (cristã) poderá conter a chave para um auto reencontro. É, com efeito, um “ato de Deus” que vai abalar o torpor citadino, rotineiro, hedonista e individualista de Thien (o protagonista) e lançá-lo numa viagem à sua terra natal, no Vietname rural. O que começa com um objetivo muito prático – a procura do irmão, o reencontro com as raízes – vai tornar-se paultinamente num questionamento do seu lugar na vida e no mundo. Com um grande controlo de atmosfera e sentido estético apurado, Thien An Pham consegue, na sua primeira longa-metragem, fazer-nos sonhar com o que os seus filmes podem vir a ser: há uma premissa suficientemente interessante para suster as 3 horas de um filme que não tem medo de levar o seu tempo em cada plano, há um controlo meticuloso para materializar uma visão autoral própria e a capacidade de criar belos momentos simbólicos. Por outro lado, também há ainda uma grande colagem estilística aos mestres europeus (Tárr, Tarkovski) e asiáticos (Tsai, Yang, Weerasethakul, Bi Gan) a quem o cineasta presta confessa vassalagem, uma notória necessidade de ancorar os acontecimentos em diálogos auto explicativos e um certo moralismo cristão que impregna as teses de Pham sobre o que seria uma vida desejável e uma indesejável. Só quando chegamos à última hora e, em particular, à última sequência (onde o protagonista é deixado cada vez mais entregue a si próprio, onde os diálogos são mais esparsos e os sonhos do passado dão lugar a uma possibilidade de futuro) entrevemos um grande filme. Que a possível nova vida de Thien (personagem) só aconteça no último plano, numa altura em que ainda está muito longe de encontrar respostas, é provavelmente o melhor indicador do potencial de cinema do outro Thien (o realizador).

Gil Gonçalves