Quatro membros da Tribuna deixam um comentário sobre o novo filme de Bradley Cooper, Maestro, provável candidato ao Óscar de Melhor Filme deste ano, que passou recentemente nas salas nacionais e está agora disponível na Netflix.
Bradley Cooper conduz Maestro com proeza e verdadeira abnegação. Comparativamente com a sua anterior e primeira obra, A Star is Born, é aqui visível uma melhoria da qualidade técnica, assumida na forma rápida e eloquente como o filme se elabora e progride, não tendo momentos mortos ou supérfluos mas, por oposição, até um pouco exorbitantes. Maestro merece ser visto em sala. A música e a qualidade do som terá sido o elemento de força maior, a verdadeira musa desta obra. É a melodia que harmoniza as relações das personagens, mas é também a música que as acompanha nas mais variadas fases das suas vidas. Neste verdadeiro fervilhar de emoções que, às tantas, poderá ser um pouco saturante, este biopic acaba por não se instalar, ficando o vínculo cinematográfico com Maestro à mercê da conexão, ou não, que cada espectador sentirá pelo excêntrico Leonard Bernstein e da quase sempre retraída Felicia Montelagre.
Rita Cadima de Oliveira
Bradley Cooper eleva-se vários patamares após “A Star is Born”, um filme interessante, mas que sofreu com algumas escolhas terríveis como o casting de Lady Gaga. Desta vez, pelo menos, Cooper escolheu uma actriz verdadeira para o seu par. Podemos muito bem estar a testemunhar o surgimento de um novo autor norte americano. Maestro está definitivamente repleto de criatividade e lucidez, mas ainda falta algo. O corpo do filme falha em prender o espectador apenas para, de repente, o agitar com algumas cenas que alguns poderão considerar desfiles de overacting, outros considerarão method acting. Existem umas 3 ou 4 cenas que são cinema verdadeiramente de topo e que, só por si, justificam o interesse de Maestro enquanto objecto fílmico. Um destaque é a cena da igreja, na qual Cooper interpreta o maestro a conduzir a segunda sinfonia de Mahler num plano sequência de cerca de 6 minutos em alta rotação. A outra sequência foca-se na doença de Mulligan, que curiosamente não se encaixa bem no ritmo transversal do filme, mas, quando isolada, oferece rara sensibilidade. A primeira parte do filme, num preto e branco azulado, parece confusa e desinteressante, embora se compreenda que pretende capturar um passado distante e nebuloso. O outro ponto negativo é a falta de carisma de Mulligan, que, por outro lado, abre espaço para uma grande atriz. No final os sentimentos são mistos, mas fica a previsão para um futuro auspicioso de Bradley Cooper na realização.
David Bernardino
Maestro é um passo previsível na carreira de Bradley Cooper, depois de A Star is Born (2018). Cooper volta a encarnar um protagonista com dificuldades em lidar com as várias faces da sua persona. Continuamos também claramente no território do cinema clássico americano e do melodrama, com alguns momentos reveladores de virtuosismo na encenação. No entanto, e mesmo considerando que o seu filme anterior não era perfeito, é com alguma desilusão que encaramos o seu mais recente projeto, exatamente por sentirmos o tal virtuosismo esfregado na nossa cara. Cooper faz questão de constantemente sublinhar a importância de cada cena, deixando o espectador no final da projeção à procura da alma do filme nas poucas nuances e subtilezas que presenciou no meio de todo aquele esplendor.
Bruno Victorino
Aquele nariz! Um filme sobre Bradley Cooper a interpretar Leonard Bernstein, que “se imagina” um filme sobre Leonard Bernstein e Felicia Montealegre. Uma sobredose de method acting intenso, a performance de Cooper é avassaladora e parece sufocar qualquer espaço do filme. Comentário involuntário sobre a persona do “verdadeiro” Bernstein, Mulligan, actriz modesta, nunca consegue responder à exuberância e agitação de Cooper, e é sistematicamente relegada para segundo plano, mesmo quando ao centro da cena. E no fundo, Maestro é o filme de um narcisista, inspirado por um grande narcisista, e produzido por aclamados narcisistas. Por outro lado, a mise en scène de Cooper é exemplar – minuciosa, sensível, e inteligente. A narrativa biográfica é reconstruída e articulada de forma muito interessante (apesar da insistência algo boçal nos aspectos mais libertinos e sórdidos da vida de Bernstein), e enriquecida por belíssimos apontamentos musicais. O filme acaba porém por tropeçar na ambição desmedida de Cooper, que parece a cada gesto querer mostrar o bom realizador que provavelmente até é.
Miguel Allen