Críticas a Mad Max (1979), de George Miller

EquipaJunho 18, 2024

Em 1979 George Miller iniciou a saga Mad Max, dando a conhecer ao mundo Mel Gibson, na altura com 22 anos, um jovem actor americano que com 12 anos se mudou com a família para a Austrália, onde viria a ser rodado o filme. Mad Max, com um orçamento de apenas 350 mil dólares, facturou 100 milhões de bilheteira tornando-se um dos filmes mais rentáveis de todos os tempos. Esta génese da visão distópica de Miller é fundamentalmente diferente das suas sequelas/reboots, sendo até difícil de enquadrar no panorama geral do franchise. O mundo apresentado é fundamentalmente mais realista (dir-se-ia até “normal”) e não um cenário pós apocalíptico desertificado. É um futuro muito próximo, onde uma esquadra de polícia procura deter um gang de motards que semeia o terror por onde passa. Ignoremos portanto tudo o que viria a seguir e foquemo-nos apenas em Mad Max 1979.

Mad Max trata-se sobretudo de um filme série B/grindhouse experimental. Miller não está focado em construir uma narrativa, nem sequer em construir um “mundo” para ela. Os diálogos são raros e parcos em palavras, passando o espectador mais tempo a ouvir o ruído de rádios e intercomunicadores, bem como gritos e urros da loucura dos seus vilões. Além do titular Max Rockatansky, excepção está no cabecilha do gang, Toecutter (interpretado estoicamente por Hugh Keays-Byrne), de voz aveludada e olhar psicótico. O movimento de câmara é constantemente lancinante, ao som de uma banda sonora igualmente desconcertante de Brian May. A forma como os muscle cars e as motos percorrem as infinitas estradas das planícies é de um cinética estranhamente confortável, aproximada da linguagem do road movie. Mel Gibson, Max, vive junto da sua mulher e filho numa casa idílica à beira mar – cenário oposto ao restante mundo semi-desolado – até decidir que está cansado de perseguir bandidos e entrar na road trip familiar que o viria a tornar “Mad”. Com efeitos especiais práticos inovadores e de uma crueza notável (lembramos um certo, e inesquecível, tiro na perna), Mad Max é um desfile de momentos sensoriais que transformam este série B low budget em algo mais. Recordemos, perto do final do filme, Max conduzindo estrada fora, percorrendo memórias e lutando consigo próprio, num estado semi-alucinatório, repleto de cores vivas. Olhando para as suas sequelas pode parecer tentador descartar o filme de 1979 como uma versão rasca white trash de um filme de motas ainda sem grande orçamento, mas Mad Max é, na verdade, um dos melhores exemplares que o grindhouse experimental nos trouxe.

David Bernardino

 

Em 1979, George Miller inaugurava uma saga robusta, de sobrevivência e vivacidade, num mundo apocalíptico e bastante árido. Passado num futuro próximo, numa Austrália distópica, Mad Max conta-nos a história de um polícia que percorre velozmente as estradas esquálidas, que se vão tornando terreno fértil para criminosos e tiranos à procura de combustível e tesouros vários, na forma de restos e excedentes alimentares. Mad Max é o reaproveitamento em si, é a reciclagem pura e dura de materiais e resíduos urbanos, tendo sempre um sabor metálico e empoeirado, no qual mercenários e as suas cinzentas motos perfazem a luta pela supremacia. Sempre acompanhado pela vingança, Max Rockatansky é elevado ao patamar de herói pela resistência às provações, enquanto reúne meios para subsistir às intempéries da malvadez humana, numa luta contínua pela sobrevivência. A insanidade caótica da câmara de Miller, o barulho ensurdecedor das composições musicais do australiano Brian May e a sina trágica de Max, tornam este início de saga não apenas um filme sobre a perseguição a um gangue de motociclistas, mas também sobre a morbidez e a violência no seu estado mais cru e cinematográfico.

Rita Cadima de Oliveira

 

Fetichismo white trash. A crueza deste primeiro Mad Max (também dado o baixo orçamento do filme) é sempre envolvente e fascinante, mas a sua sordidez é algo tímida. Miller faz um bom trabalho ao criar uma imagem pós-industrial de poeira, sucata e gasolina, ainda que as suas paisagens sejam consideravelmente mais verdes do que seria de esperar de uma realidade em colapso social e ecológico. Claro que a construção desse mundo é sempre mais forte quando “sobre rodas”, ou quando nos oferece imagens (ainda que fugazes) de ultra-violência. Noutros momentos mais “pedestres”, a mitologia que o filme tenta criar é habitualmente um pouco pateta. Mad Max perde-se também (e é consideravelmente piroso) na sua parte central, com a viagem romântica da família Rockatansky. Max torna-se, enfim, “Mad” demasiado tarde e, mesmo assim, parece sempre mais assustado do que essencialmente louco – talvez dada a tenra idade de Mel Gibson.

Um filme embrião, desequilibrado, que não leva (ainda) a termo as ideias do seu autor. Sobretudo, o “maximalismo” da saga que se revelaria mais tarde, não se dá bem com orçamentos tão limitados. Enfim, será impossível não mencionar a banda sonora de Brian May (compositor australiano) : uma autêntica atrocidade concebida enquanto atropelamento “gótico” a um pseudo-Bernard Hermann.

Miguel Allen