A Tribuna do Cinema termina a sua análise à trilogia original Mad Max com a crítica a Beyond Thunderdome, Além da Cúpula do Trovão (1985), o tal em que aparece Tina Turner, visto por muitos como a entrada mais fraca do franchise. Um filme mais acessível que pisca o olho ao género de aventura em voga nos anos 80, mas será assim tão inferior? David Bernardino, Miguel Allen e Francisco Sousa respondem.
Em Beyond Thunderdome George Miller volta a reinventar o tom de Mad Max. A violência, os motores, o movimento, tudo é praticamente posto de lado a favor de uma Spielbergização do universo da Wasteland num filme de aventura bem mais family friendly, mas que consegue ainda assim brilhar na sua identidade única. Um filme que se parte essencialmente em dois (em três se incluirmos a inevitável sequência final de perseguição, e talvez peque precisamente por a repetir). Numa primeira parte, muito mais crua e cyberpunk, à medida daquilo que “se espera de um filme Mad Max”, o protagonista, ainda nómada neste mundo de salteadores e carniceiros, encontra um novo foco civilizacional em construção sob a simbiose de Tina Turner, a manda chuva, e Master-Blaster, um bizarro binómio gigante e seu pequeno mestre, que gere o submundo suíno que alimenta a cidade com fezes e gases. É aí que Beyond Thunderdome mais se sentirá em casa e, diga-se, a originalidade desperta, nas incríveis personagens sim, mas nomeadamente na extraordinária coreografia da cúpula do trovão. Numa segunda parte, Miller dá uma volta de 180 graus e junta o já citado Spielberg a David Lean, para uma espécie de mash-up Peter Pan/Goonies/Lawrence da Arábia. A imagética em algumas sequências é verdadeiramente extraordinária, de grande sensibilidade, do melhor que Miller já fez. Com paletes claras e alucinatórias (que mais tarde se alterarão para tons escuros púrpura que se fundem no ambiente) acompanhamos um exilado Mel Gibson pelo deserto, é aí que conhece a tal tribo dos meninos perdidos, profetizando-se. É difícil de ignorar a soma de todos estes elementos, desconexos é certo, mas únicos na sua composição, sempre pautada por uma sede de originalidade quase sempre atingida, ainda que derivada de óbvias inspirações. É nesse jogo de risco e segurança que se move este capítulo, o mal amado da trilogia original, mas que ainda assim não deixa de ser um raro produto grindhouse para “todas as idades”. E isso também é bonito.
David Bernardino
Mesmo quando encharcado de bosta de porco, um filme muito menos agressivo do que os dois precedentes. Mad Max descobre uma Neverland escondida na sua Wasteland, e será Captain Walker, um Peter Pan de asas quebradas que deve conduzir os seus Lost Boys à “Tomorrow-morrow Land” – ou talvez não, numa Terra que se extingue de filme para filme. Mas se o amanhã já não existe, Beyond The Thunderdome transporta um sentimentalismo e uma certa ilusão (ou fé) em tonalidades Disney. As suas ideias estéticas serão excêntricas como sempre, talvez, mas Miller quer que Max viva aqui o seu grande épico Leaniano, acabando por desviar o filme daquilo que The Road Warrior (ou qualquer outro Mad Max) tem de mais interessante. Menos brutal ou sujo, menos sexual, e sobretudo menos cinético, de grandes paisagens abertas (sim), o filme tropeça pelas suas aldeias trogloditas e aventuras com os Goonies. E quando se lança enfim na sua necessária “grande perseguição” tudo nos surge algo lavado da sua intrínseca agressividade para se revelar muito mais… infantil ? Tina Turner perde-se por uma narrativa terrivelmente inconsequente, e apesar de um voo final comovente, esta fantasiosa ópera punk revela, globalmente, um desfasamento profundo para com os valores que a compõem.
Miguel Allen
Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (1985) é o terceiro filme da saga e, embora traga uma nova dimensão ao universo pós-apocalíptico de George Miller, não teve o mesmo impacto, e sucesso, dos seus antecessores. Após a morte trágica de Byron Kennedy, produtor de longa data e co-fundador da Kennedy/Miller, o realizador australiano sentiu-se incapaz de realizar o filme sozinho, resultando numa realização a dois com George Ogilvie. Apesar de trazer novos elementos interessantes, como a cidade de Bartertown e uma performance surpreendente de Tina Turner como Tia Entity, o filme perde o gás na tentativa de combinar ação desenfreada com uma narrativa mais complexa. As cenas de combate na Cúpula do Trovão são visualmente impressionantes, mas o filme peca por uma falta de coesão e profundidade emocional. A introdução das crianças numa espécie de oásis isolado, embora criativa, desvia o foco e dilui a intensidade que caracteriza a série. O terceiro capítulo na história de Max não alcança o nível dos filmes anteriores, resultando numa experiência satisfatória, mas que não deixa de ser a entrada mais fraca da saga.
Francisco Sousa