Late Night With the Devil tem sido um filme sensação por onde tem passado. Apesar da sua estreia em território nacional via IndieLisboa no final de Maio, só agora teve estreia nas salas portuguesas, que peca por tardia quando comparada ao resto do Mundo. A Tribuna foi ver e traz-nos as suas opiniões.
Um dos filmes mais falados dos últimos meses, Late Night With the Devil está longe de ser perfeito, mas consegue capturar, com muita segurança, a essência do sensacionalismo dos talk shows nocturnos americanos dos anos 70 cujos corolários se mantêm até aos nossos dias. Existe obviamente (e necessariamente) um comentário social interessante a ter em conta, à medida que Jack Delroy (interpretação ao estilo série B icónica para David Dastmalchian) procura trazer ao seu programa, ao qual assistimos em tempo real, convidados cada vez mais polémicos. No entanto, este comentário social, felizmente muito mais satírico que crítico, é a parte menos interessante do que Late Night With the Devil tem para oferecer. Apresentado nesse formato original, talvez único, observamos o desenrolar do programa ao vivo, sob a condução do seu anfitrião, dentro do apetitoso tema de Halloween. As regras dos filmes de culto de baixo orçamento são respeitadas e admiradas pela dupla de realizadores Cameron e Colin Cairnes, tudo se compondo para uma viagem assustadora e divertida, como se de uma montanha russa de parque de diversões se tratasse. Os efeitos especiais práticos, e também o CGI algo frouxo, irão satisfazer os fãs do género. O grande pecado do filme será talvez o seu final, que está claramente a mais e não encaixa no espírito do filme devido á sua mudança de registo, mas ainda assim não é o suficiente para estragar a coragem crua e a criatividade do filme. Uma ode à estética televisiva dos anos 70 e ao cinema de género que muito provavelmente se irá tornar filme de culto, e que leva aqui uma nota provavelmente inflacionada mas com a confiança de que o tempo lhe fará justiça.
David Bernardino
Throwback aos anos 70, um tempo áureo para as imagens granuladas na TV, para os programas de entrevistas noturnos, para a picardia por audiências. Misture-se aqui um cheirinho do sobrenatural e de um pré satanic panic que nos anos 80 havia de deixar a América com os cabelos em pé e temos uma mistura com potencial de grandeza.
Conversas com o Diabo parte, assim, de uma posição de vantagem. Com um puzzle gostoso de elementos e uma premissa intrigante – um found footage do episódio banido de um talk show que correu terrivelmente mal – e um burburinho inicial bastante positivo, era difícil não haver entusiasmo para este filme. Contudo, o produto final não cumpre inteiramente o que as suas partes prometiam.
Do ponto de vista visual, o filme está, na sua maioria, bem conseguido. Os tons âmbar ligeiramente indefinidos da imagem, a música e o set design típicos da época ajudam a transportar-nos para a década de setenta, assim como o leque colorido de convidados que vão aparecendo no talk show de Jack Delroy – um apresentador desesperado por subir as audiências. Desde o cético ao mentalista estilo Uri Geller, somos expostos a um pouco de tudo – de forma caricaturada, é certo, mas não muito longe do que se poderia esperar de um talk show norte-americano dos anos 70. Estes elementos posicionam-se muito bem para que a sátira às táticas sensacionalistas empregues por este tipo de programas seja eficaz. Em Portugal, ainda vemos ecos disto, embora mais na televisão diurna. Entre médiuns, vendedores de banha da cobra e analistas criminais em histeria, vale tudo na guerra pelas audiências.
Talvez por ser satírico, o filme perde pontos na eficácia dos sustos que pretende oferecer. A tensão não consegue ser levada a sério no meio do exagero, o que mina o potencial de verdadeiro terror que o filme poderia ter. No entanto, algumas cenas parecem sugerir que o filme nunca quis ser realmente assustador ou perturbador, mas antes uma homenagem a um terror de choque visual hiperbólico, que atinge o seu clímax no terceiro ato do filme. Apesar de arriscar desfazer o que os primeiros dois atos conseguiram, se conseguirmos acompanhar o filme nessa volta de 180º, o terceiro ato acaba por ser talvez o mais divertido. O filme não tem medo de acabar de forma quasi-aburda – teria sido bom que se tivesse mantido nesse espaço liminar de surrealismo por mais tempo.
O desmoronar do carismático Jack Delroy na sua sede por audiências ajuda a manter a coesão entre as diversas set pieces do filme, ou não fosse ele a personificação do ponto de interrogação que permeia o filme – que preço estamos dispostos a pagar pelo sucesso? David Dastmalchian, no papel deste apresentador sempre sedento de “mais”, entrega uma performance irrepreensível, ainda que não acompanhada pelos restantes membros do elenco.
Apesar de o equilíbrio entre a seriedade e a paródia não ser muito bem conseguido, Conversas com o Diabo não deixa de ser um filme interessante pelos pontos que aborda e a forma como o faz. Sem medo de usar o shock value típico dos anos 70, só lhe faltava ter conseguido gerar uma tensão eficaz. Aí sim, teríamos um filme dos diabos.
Carla Rodrigues