Pouco tempo depois de Sick of Myself, Kristoffer Borgli regressa à comédia negra bizarra com Dream Scenario, filme protagonizado por Nicolas Cage na pele de um vulgar professor universitário que subitamente começa a aparecer nos sonhos de várias pessoas. Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino viram o filme e deixam-nos as suas sobreimpressões.
Kristoffer Borgli retorna no seu já habitual estilo comic horror drama, afirmando-se como um realizador desconcertante, almejando sempre ao surreal e à fantasia, num filme algo pretensioso e bizarro mas extremamente provocador. O jovem realizador norueguês, faz-se acompanhar por Ari Aster (produtor) nesta produção onde Nicolas Cage é a estrela. Paul Matthews (Cage) é um homem sensaborão, um professor medíocre e uma alma inexpressiva, que gasta parte da sua vida a ascender a um patamar profissional que nunca cumpre. É constantemente usurpado pelos seus semelhantes, que se fazem valer dos seus estudos e investigações para atingir a realização literária que Paul nunca alcança. Confrontado com a sua vulgaridade e com a trivialidade do seu quotidiano, Paul caminha num universo vazio e irrelevante. Porém, o professor começa a ver a sua vida virada do avesso quando dezenas de estranhos e alguns dos seus alunos o confrontam, acusando-o de aparecer incessantemente nos seus sonhos. Começando por sonhos e terminando em pesadelos, estas aparições nocturnas no inconsciente dos outros, forçam Paul a conviver com este estrelato abrupto, cujas razões despreza. Borgli cria então um universo excêntrico e insólito, no qual a bizarria da fama e do estrelato, a par da sua inerente decadência, criam uma envolvência caótica. Neste filme, somos apresentados à velha máxima de que o nosso pior inimigo somos nós mesmos, satirizando por meio do absurdo e de elementos de choque, o homem comum dos tempos modernos, que é vítima dos distúrbios sociais e digitais de uma sociedade na qual o reconhecimento é controverso e asperamente motivado pelas piores razões. Aqui, o trauma é satirizado e reconhece-se a Borgli a ousadia de trazer para a tela a abordagem da cultura de cancelamento num período em que parece ser cada vez mais tabu falar de inconveniência e de imoralidade.
Rita Cadima de Oliveira
A premissa de Dream Scenario, um homem aleatório que começa a aparecer nos sonhos das pessoas de uma forma geral, permitia antever um filme bizarro no campo da comédia dramática. Com mais uma grande interpretação de Nicolas Cage na pele do aborrecido professor universitário Paul, externamente humilde mas refém do seu próprio ego não cumprido, Dream Scenario começa muito forte, com uma comédia absurdista deliciosa. Quem conhece o jovem realizador norueguês Kristoffer Borgli sabe que o desconforto e o humor negro fazem parte do seu modus operandi e é nessa direcção que Dream Scenario infelizmente acaba por seguir à medida que os misteriosos sonhos se vão transformando em pesadelos. Isso deve-se certamente também à influência do seu produtor Ari Aster, em particular do seu filme Beau Is Afraid, claramente a maior referência estilística do filme de Borgli. É evidente que Dream Scenario faz comentário social. De forma superficial (e mais crowd pleaser que outra coisa) fala-se de alt right, de cancel culture, de capitalismo e outros chavões numa amálgama de símbolos que se atropelam uns aos outros e que deitam por terra o verdadeiro foco de interesse do filme: as motivações e luta interior da personagem de Cage, ele próprio símbolo do seu próprio multiverso cinematográfico, aqui literalmente adaptado conceptualmente para filme. Antes o filme prefere desfilar, um após o outro, uma série de consequências bizarras que irão tornar a vida do protagonista cada vez pior, perdendo sucessivamente as boas oportunidades que tem para se redimir narrativamente explorando alguma das suas boas ideias. Inclusivamente parecem existir várias narrativas paralelas que são pura e simplesmente ignoradas em detrimento da sequência de gags miserabilísticos a que Borgli parece achar um piadão. Dream Scenario acaba por ser um filme demasiado amargo sem grande razão para isso, cuja única preocupação parece ser apenas assumir, custe o que custar, um determinado estilo autoral.
David Bernardino