Luca Guadagnino, que se notabilizou com o aclamado Call Me By Your Name, chega à sua nona longa metragem com Challengers, protagonizado por Zendaya, Mike Faist e Josh O’Connor. O triângulo amoroso, que usa o ténis como pano de fundo, já está nas salas portuguesas. Os tribunos Gil Gonçalves, Pedro Barriga, Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino foram vê-lo e não existiu consenso:
Challengers é exemplo do género de filmes que praticamente já não existem hoje em dia: estrelas de cinema a protagonizarem projetos que não sejam sequelas, prequelas ou super-heróis em fatos de licra. Um filme que confia no carisma dos seus atores – Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist – para aliciar os espectadores à sala de cinema. A história é a de três tenistas e a competição que formam, dentro e fora do court. Em Challengers, o court é sinónimo de desejo, terreno capaz de gerar uma tensão igual ou superior à de qualquer momento íntimo. As cenas de sexo são, de facto, quase inexistentes e menos extasiantes do que uma partilha de churros, uma conversa na sauna, suor a cair diretamente na lente da câmara, ou uma troca de olhares durante uma partida de ténis. Os caminhos destes três tenistas vão-se cruzando ao longo dos anos. Estabelecem-se dinâmicas nas quais a vida pessoal e a vida profissional acabam entrelaçadas – ou melhor, emaranhadas, tal é a quantidade de papéis que cada uma destas personagens interpreta na vida das outras duas. Amigos, inimigos, namorados, casados, colegas, rivais. O filme vai alternando entre vários momentos das suas carreiras, saltos temporais que Marco Costa, montador de Luca Guadagnino no anterior Bones and All, executa na perfeição. Challengers evoca também outras obras suas, como o romance conturbado de Call Me by Your Name, ou o movimento de corpos em Suspiria. Um filme energético, tanto no seu elenco como na realização de Guadagnino. O cineasta olha para o ténis como se estivesse cansado da monotonia com que as partidas reais são filmadas. Em Challengers, o ponto de vista altera constantemente: a partida é nos mostrada da perspetiva do árbitro, do público, dos jogadores, mas também da própria bola, como se o espectador estivesse dentro do court a levar pancadas das raquetes. Há até mesmo um plano em que a ação é filmada como se a câmara se encontrasse debaixo do chão. Para Guadagnino, posições há muitas.
Pedro Barriga
Tudo é sobre sexo, exceto o sexo que é sobre ténis. O melhor que poderemos dizer sobre a nova comédia desportiva de Luca Guadagnino é que é eficaz. O recorrente jogo de manipulações, o carisma dos atores (em particular dos rapazes) e a estrutura a promover constantes cliff hangers têm o mesmo magnetismo de uma telenovela ou de um reality show (só íamos espreitar, ficámos horas a ver). Ainda que encontremos interesse nas dinâmicas freudianas de um objeto de desejo que, na realidade, é uma forma tremendamente eficaz de 1) esconder uma “coisa” da qual os rapazes nunca falam – mas que o filme nos mostra até à náusea – e 2) promover, entre eles, a raiva necessária para manterem a sua joie de vivre através do ténis (a única forma de ligação íntima que concedem a si próprios), não é possível chegar ao fim sem uma sensação de tremendo vazio. Sim, o trio composto pelos monstros hormonais masculinos e a calculista chica esperta (que só tarde demais se apercebe do pouco controlo que tem) está constantemente a manipular-se; sim é um filme extremamente sexualizado… E mais? 100 000 diálogos expositivos, metáforas explicadas e piadas de pilas depois, falha-nos (pelo cansaço) toda a ousadia que pudesse existir (e, consequentemente, o propósito de tudo), para além da vontade de provocar uma excitação aqui e outra ali. Uma lógica que é alimentada pelo virtuosismo bacoco de Guadagnino – cujos constantes (e extenuantes) truques de câmara e montagem mais não fazem do que gritar por atenção para o cineasta. Por uma estrutura não linear do guião, que mostra todos os back and forths de vingança entre os tenistas – tentando emular o próprio jogo – e perde, pelo caminho, qualquer foco em ideias, concentrando todas as forças na contextualização do jogo final (para que este possa ter o efeito desejado). É giro, mas é mais malabarismo do que cinema.
Gil Gonçalves
Luca Guadagnino é um realizador arisco e provocador. Desta vez, o italiano pega em dois actores do momento, mas não necessariamente bem enquadrados na pretensão deste filme, Zendaya e Josh O’Conner, para elevar o seu último trabalho a um estatuto erótico, ainda mais sofisticado e instigador do que a sua filmografia até então. Talvez não seja oportuno afirmar que estamos no clímax da sua carreira cinematográfica, mas esta é cada vez mais marcada pelo despudor e pelo uso de momentos sensuais tensos, de elevada complexidade emocional e de uma predominância estética, impulsionando um registo de branding e sponsorship sem qualquer vergonha. Quem conhece a carreira de Guadgagnino, reconhece a sua parcerias com marcas clássicas e de luxo, traduzidas em curtas-metragens e, neste filme, Chanel, Adidas, Uniqlo, Cartier e Augustinus Bader são mostradas como se de um anúncio televisivo se tratasse. Utilizando a forte componente visual do Ténis como ponto de partida para uma história de amor e guerra entre dois homens e uma mulher, que se veem envolvidos na teia de poder, manipulação e influência de Tashi (Zendaya). Tashi é o centro da obra, pousando aqui e ali entre dois planetas distintos, Art e Patrick. Entre a juventude e a senioridade num profissional de Ténis não vão muitos anos mas pode ir uma vida. E essa cronologia humana é eficazmente retratada. E até acompanhada por uma forte batida sonora que vai compassando simetricamente os momentos mais tensos da acção num irrepreensivel trabalho sonoro fruto da colaboração do realizador com Trent Razor e Atticus Ross. Mas nada disto basta. Guadagnino quis tanto ser estético que se esqueceu do resto.
Rita Cadima de Oliveira
Em termos formais Challengers é sem dúvida um exercício meritório. Ao misturar ténis com uma música pesada e invasiva, ângulos criativos, suores tropicais, olhares bovinos, vento, etc, Luca Guadagnino consegue aqui criar um filme visualmente excitante. No entanto a excessiva duração, a repetitividade de cenas, lógicas e sorrisos auto-confiantes em que se baseia este suposto sensual e sexual triângulo amoroso (que na realidade é mais marketing que outra coisa), tudo bem explicadinho para um público mais preocupado em comer pipocas, como se fosse um livro de receitas, transformam o filme num aborrecimento vazio que não oferece nada a não ser estilo. Perto do final existe alguma boa comédia visual, mas mais de duas horas depois do filme ter começado é tarde demais para ser relevante. Mike Faist e Josh O’Connor são competentes e carismáticos (particularmente o primeiro que já tinha entregado uma notável performance em West Side Story de Spielberg), mas Zendaya prova mais uma vez a sua inabilidade enquanto actriz sendo antes neste momento ela própria pouco mais que um fenómeno/produto de marketing comercial.
David Bernardino