Críticas a Anyone but You, de Will Gluck

EquipaFevereiro 16, 2024

O grande sucesso de bilheteira deste mês de Fevereiro, a comédia romântica Anyone but You tem enchido as salas de cinema portuguesas, como um pouco por todo o mundo. Um (quase) fenómeno de popularidade, quatro críticos da Tribuna foram ver, afinal, do que se trata.

 

Anyone But You cumpre, que nem um relógio suíço, tudo aquilo aquilo a que se propõe, seguindo à risca os chavões do género com elevada eficácia. Em 2024 a comédia romântica é um género praticamente morto. O confronto de estereótipos de género, masculino vs feminino, em regime de gato e rato tem pouco lugar no cinema de hoje e é com grande espanto que se vê em sala Anyone But You, semana após semana no topo da bilheteira, a celebrar os corpos esculturais, a perfeição, a lábia, o carisma. É sobretudo de carisma que vive o filme, na pele dos dois actores em ascensão do momento que se preparam para tomar Hollywood de assalto: Glen Powell e Sydney Sweeney, ambos magnéticos e de uma enorme ligeireza. O filme é, em si, e como já disse no início, uma execução da linguagem romcom dos anos 90 em perfeita sintonia com os tempos modernos, desde personagens secundários relevantes ao cenário paradisíaco, a Austrália, por ocasião de um casamento. Altamente satisfatório, e com um final a chamar a lágrima, parece não existir nada de pretensioso nem de mau gosto em Anyone But You, sendo, e perdoem-me a hipérbole, um grito de liberdade.

David Bernardino

 

Generalizando, existe uma certa tendência da crítica de cinema contemporânea de julgar um filme pela sua maior ou menor aproximação aos clichés que comummente associamos a um determinado género cinematográfico. Socorrendo-nos de um exemplo recente, Past Lives tem vindo a ser celebrado pelo seu afastamento dos códigos do (melo)drama, como se essa característica, por si só, fosse sinónimo de qualidade. Anyone But You, felizmente, não tem qualquer pudor em abraçar os lugares comuns da comédia romântica, fazendo-se conscientemente valer deles como alicerce da sua força dramática. Naturalmente que ajuda ter como protagonistas Sydney Sweeney e Glen Powell, que demonstram, com a sua presença e carisma, que ainda é possível encontrar resquícios do cinema clássico hollywoodiano e dos seus atores/estrelas. O novo filme de Will Gluck está longe de ser uma obra-prima, mas cumpre largamente os objetivos a que se propõe, de garantir um momento bem passado na sala de cinema.

Bruno Victorino

 

Habeas Corpus. Ou como uma alma ajuda outra alma, num momento de aflição, levando a que uma noite aconteça. As almas seguem caminho. Ou caminhos. Separados. Posteriormente há um reencontro. Só que ambos seguiram por estradas diferentes. Esta previsibilidade poderia ser a definição mais resumida desta comédia romântica que junta dois dos actores mais badalados no cinema pop chiclete de hollywood: Glen Powell e Sidney Sweeney. Confirmando-se uma comédia romântica clássica, não faltam os tradicionais encontros, desencontros, entendidos e mal entendidos. Há corpos e copos, discotecas e nudez. Mas há sobretudo a problemática do ser uno que não se quer comprometer ou lidar com as emoções, dificultando o propósito do romance e da tão desejada relação bilateral. Tema tão comum nos dias menos conservadores que correm. Para além do óbvio e do expectável, Anyone But You não consegue ser mais do que um filme físico e sobre a forma física. Sobre a aparência e sobre o irrealismo da perfeição estética humana. Talvez seja este o filme mais Barbie do ano.

Rita Cadima de Oliveira

 

Uma comédia romântica de apurada superficialidade, Anyone But You propõe reescrever William Shakespeare como uma publicação no TikTok. Claro que, como tudo no mundo das redes sociais, para evitar que o leitor não perceba a referência, esta é-lhe clara e directamente exposta e explicada no quadro. Na verdade, a aparência plástica das imagens e seu movimento poderia até ser o motivo de algum interesse. Mas a narrativa é de tal forma esfarrapada por uma sequência de episódios terrivelmente forçados, que o objecto final é simplesmente inaceitável. O pretenso valor conceptual do projecto não torna tudo isto menos… feio. E a dimensão abstracta do filme, até porque nunca claramente assumida, não é suficiente para suplantar a pobreza da sua forma e da sua escrita. Anyone But You será fatalmente cinema enquanto meio de exposição de corpos de pessoas atraentes com músculos salientes (“I just don’t do cardio”). E as suas imagens postiças (artificial sendo aqui um termo demasiado nobre), determinadamente rascas, serão até algo contraditórias para com o sentimento subjacente entre as figuras do filme. Mesmo se abertamente disponíveis para “spend a little time away from the real world”, a falta de competência (ou de arte ?) de Will Gluck será demasiado grave para que o filme revele qualquer coisa para além da sua aparência de telenovela.

A Maria não largou o telefone durante o filme e, por uma vez, acho que talvez tenha sido a atitude mais ecológica a adoptar.

Miguel Allen