Representante alemão na corrida pelo Óscar de Melhor Filme Internacional, A Sala de Professores (Das Lehrerzimmer, no título original) tem sido aclamado pela crítica europeia, vencendo vários prémios no seu país. Foi ainda distinguido como um dos 5 melhores filmes estrangeiros de 2023 pelo National Board of Review (Estados Unidos). Por cá, três críticos da Tribuna do Cinema foram vê-lo e deixam-nos, agora, as suas críticas.
Carla Nowak (Leonie Benesch) é uma professora jovem e idealista, que quer muito estar presente para os alunos da escola pública em que dá aulas, promovendo o diálogo aberto, a negociação e métodos de ensino que favoreçam a criação de laços entre todos. Estes valores chocam cedo com a “política de tolerância zero” (como lhe chama a diretora) da escola, que por meio do seu corpo docente incentiva crianças à delação de colegas, revista carteiras de alunos, em plena aula, e cede facilmente a preconceitos, na hora de apontar o dedo. Carla, que tanto se incomoda com estes tiques fascizantes da instituição em que trabalha, acabará, também, por sucumbir ao clima de desconfiança e denúncia que lá se vive. Inadvertidamente, e em nome da verdade, pratica um ato que precipita um caos de consequências tão danosas quanto imprevisíveis para toda a comunidade escolar… Os filmes passados em escolas sempre foram terreno fértil para uma de duas coisas: narrativas de educadores que, pelo seu livre pensamento, inspiram jovens alunos a ser as suas melhores versões, no contexto de instituições conservadoras que limitam o seu potencial; ou laboratórios reflexivos do estado da nação. O representante alemão na corrida para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, realizado por Ilker Çatak, começa por dar ares de ambos, até se decidir definitivamente pelo segundo. Contudo, se é certo que A Sala de Professores vai beber ao território semi-documental, didático e vagamente politizado de filmes como A Turma (Laurent Clement, 2008) e ao da sempiterna preocupação com a ascensão de fascismos – como é o caso de A Onda (Dennis Gansel, 2009) – não se pode dizer que a sua competência se esgote no retrato social ou nas boas intenções políticas. O “realismo” visual e dramatúrgico de Çatak, que reproduz na perfeição a vivência em sala de aula e (imaginamos) em sala de professores, é um pequeno logro para o delírio sufocante em que o guião nos lança. O realismo narrativo vai sendo progressivamente posto de lado, para dar lugar à criação de uma distopia de paranóia, ansiedade comunitária e social, num mundo altamente tecnologizado e vigiado, onde imperam o preconceito e a irritabilidade. Todas as personagens farão o melhor para manter a ordem, esquecendo-se pelo caminho que ordem e lógica não são a mesma coisa. Um olhar amargo para a Alemanha e Europa atuais, sem dúvida, mas acima de tudo, um thriller (quase sempre) equilibrado e muito eficaz.
Gil Gonçalves
Uma construção ficcionada do real é o que Ílker Çatak edifica em A Sala de Professores. De repente, a Sala de Cinema torna-se numa Sala de Aula. A audiência senta-se no lugar dos alunos e a matéria é a lição que este filme nos dá. Um filme tão real e genuíno que, por vezes, confundimos a narrativa com o nosso próprio passado escolar. A memória individual é algo que este filme perpetua e o espectador vê-se confrontado com alguns pecados, mais leves ou gravosos, que também ele cometeu no seu passado estudantil. Partindo da premissa de um suposto roubo entre colegas, a jovem professora Carla Nowak vê-se confrontada com um sistema escolar rígido, severo e intransigente. Não deixando margem para dúvidas, este mesmo sistema escrutina exaustivamente o quotidiano escolar mas também a vida privada dos alunos envolvidos, na tentativa de apurar o responsável pelo delito. Contudo, os métodos utilizados para determinar o culpado são pouco ortodoxos, deixando esta professora no limbo entre a luta pelo direito à inocência e medo constante da perda do posto laboral. A Sala de Professores é um filme perturbador e causador de ansiedade. É definitivamente uma obra que representa o lugar que a escola e a educação deveriam ocupar em todas as agendas políticas nacionais, dado que a escola é um lugar tão cultural quanto político, tão agregador social como propício ao seu descalabro. O espaço escolar deixou de ser apenas um local de aprendizagem e ensino para passar a ser uma instituição responsável pela formação de carácter e identidade dos alunos mas também um local que desperta sensibilidades e sentimentos de pertença. Por outro lado, a transculturalidade existente nesta escola alemã provoca, nesta obra, o reacender de temas tão esgotados mas sempre necessários, como o racismo, a imigração e a crise social europeia, analisados de uma forma intensa e arrebatadora mas equilibrada, saindo o espectador defensor do vencido mas também do vencedor.
Rita Cadima de Oliveira
Vindo da Alemanha, e realizado por Ilker Çatak, A Sala dos Professores assenta nas lógicas de poder nas escolas, nas hierarquias, nos preconceitos e na moral dos seus professores. Em particular foca-se na protagonista Carla, jovem professora de ascendência polaca, que perante o mistério de uma sucessão de roubos na escola decide agir, espoletando uma série de reações que fogem do seu controlo qual bola de neve. O filme apresenta-se como um thriller da vida quotidiana em jeito realista, no sentido cinematográfico do termo, indo ao âmago do ensino alemão, tão semelhante ao português. Recordamos as dinâmicas entre professores, entre alunos, a hierarquia semi-autoritária, e a lógica de tolerância zero perante certos comportamentos dos alunos, mas também dos professores, que a “direcção” da escola se força a tomar. Em todos estes aspectos A Sala dos Professores tem muito a dizer, ou antes, a demonstrar com rara acutilância. Mas é na linguagem de thriller, tão inesperadamente vertiginoso, que o filme se eleva a algo mais que apenas mais um filme social, representando Carla o espectador comum, tão orientada pela moral de proteção dos seus alunos, questionando as lógicas da autoridade escolar e daquilo que, afinal, deve ser feito perante um comportamento censurável em contexto escolar.
David Bernardino