Restos do Vento, de Tiago Guedes: mudam-se os tempos, mantêm-se as vontades

Quão intrínseca à nossa cultura é a violência? Com o seu novo filme, Tiago Guedes propôs-se a questionar a ligação da tradição à violência, não só praticada pelos mais velhos como incentivada aos mais novos.

Restos do Vento conta uma história intergeracional. Num primeiro tempo, somos apresentados a uma vila no interior de Portugal, onde decorre um ritual de iniciação – exclusivamente masculino, note-se. Vinte cinco anos mais tarde, os tempos são outros. O ritual foi banido, os trajes guardados, mas o passado não foi esquecido.

Benjamin Barroso em “Restos do Vento”

A festa pagã retratada em Restos do Vento é fictícia. Parece não haver intenção de apontar o dedo a esta ou àquela tradição portuguesa. É um distanciamento à realidade que se revela fraco, pois tudo no filme nos remete para os Caretos de Podence: a aldeia, os jovens rapazes, os trajes coloridos, as máscaras.

O filme é narrado de vários pontos de vista, mas um mais proeminente, o de Laureano (Albano Jerónimo), que é como um Forrest Gump português, i.e., um homem com um coração de ouro e um atraso cognitivo. Não é por acaso que quem mais se recorda do passado são as vítimas, enquanto os agressores precisam de ser relembrados dos seus atos idos – veja-se a cena entre Laureano e Paulo no posto da GNR.

Isabel Abreu em “Restos do Vento”

Infelizmente, o drama que Guedes constrói durante a primeira hora torna-se eventualmente num policial banal. A intriga é bastante previsível (até o inspector Clouseau a desvendaria), novas personagens surgem na ação tão repentinamente quanto desaparecem (e.g. Ana, a ex-mulher de Samuel), e o desenlace é algo cruel (a definição de “bater no ceguinho”).

Restos do Vento constitui um ligeiro passo atrás quando comparado com as duas longas anteriores de Tiago Guedes, o filme de época A Herdade e a fábula Tristeza e Alegria na Vida das Girafas. Ainda assim, trata-se de um filme capaz sobre o impacto perdurante da humilhação. Um filme que mostra que, com ou sem rituais, a sede de violência persiste.

Restos do Vento teve a sua estreia mundial na mais recente edição do Festival de Cannes e está agora em exibição em Portugal.

 

Pedro Barriga