Possum, de Matthew Holness: Os fios invisíveis do trauma

Carla RodriguesAbril 9, 2025

Matthew Holness, criador da magnífica série de culto “Garth Marenghi’s Dark Place”, já provou que nos sabe fazer rir do terror. Com Possum, prova que também sabe como nos fazer remexer desconfortavelmente no assento. Há arestas para limar, mas a promessa de um contador de histórias sombrias de mão cheia está aqui.

Ambientado na paisagem estéril de Norfolk  (um lugar que aqui parece ter sido drenado de qualquer esperança ou cor) Possum é a história de um homem quebrado, um marionetista chamado Philip, que regressa à sua casa de infância transportando uma marioneta aracnídea que é parte brinquedo, parte pesadelo freudiano. Ele quer livrar-se dela. Não consegue. Ele quer fugir do passado. Não consegue. O que sobra é o espaço entre esses dois fracassos.

Possum é quase um exemplo de cinema mudo moderno: pouquíssimos diálogos, banda sonora muito eficaz, ênfase no som ambiente (ou na sua ausência). A paleta de cores oscila entre o bege da monotonia e o preto do abismo. Há cenas inteiras que parecem existir num sonho recorrente do qual não se pode acordar. Ou pior: num pesadelo que já perdeu o choque e deixou apenas o desconforto.

Possum filme de Matthew Holness 2

Philip (interpretado por Sean Harris) carrega Possum – tanto a marioneta como o próprio filme – às costas. Num filme reduzido a praticamente dois protagonistas, a exigência sobre Harris é enorme. E ele responde com uma performance à altura da carga. A sua representação da dor não explode; infiltra-se. Holness dá-lhe tempo e espaço para queimar em lume brando, e Possum vive desse desconforto: o da dor que não tem catarse, o da memória que não tem resolução.

A marioneta — de face pálida, olhos mortos e pernas de aranha — é uma das criações mais inquietantes do género nos últimos anos. Transportada num saco de couro, paira como um dos muitos traumas mal resolvidos de Philip, e está sempre presente. Ainda que o paralelismo entre Possum e e as rugosas paisagens da psique frágil de Philip careça de originalidade, a construção atmosférica revela-se suficientemente eficaz para atenuar algumas das debilidades narrativas do filme.

Possum filme de Matthew Holness 3

Esta pode ser a sua estreia em longas-metragens, mas Matthew Holness aponta já à tradição de autores como David Lynch, privilegiando o desconforto psicológico e a ambiguidade narrativa acima da progressão convencional da narrativa. O problema é que Possum parece tão fixado na sua missão de ser perturbador que se esquece de ser envolvente. Acerta no tom mas perde-se no ritmo: há momentos em que a repetição ameaça diluir o terror, e outros em que se sente que este filme seria uma curta magistral, mas como longa parece alongar o vazio em vez de o preencher.

Apesar das suas fragilidades, Possum é uma obra marcada por uma boa coerência estética, que explora o trauma e os seus ecos com uma linguagem visual adequadamente perturbadora. Holness talvez ainda procure o equilíbrio entre forma e conteúdo, mas demonstra já aqui uma voz autoral distinta, capaz de transformar o silêncio em angústia e a quietude em ameaça.

Disponível em filmtwist.pt – o primeiro serviço de streaming em Portugal dedicado ao cinema fantástico e de culto.

 

Carla Rodrigues