Os Melhores Filmes do Ano 2024

EquipaDezembro 30, 2024

O ano que agora termina assinalou uma viragem importante para a Tribuna do Cinema: um salto de crescimento e consolidação, que é causa e consequência de mais quantidade, variedade e (esperamos nós) qualidade de conteúdos. Sentimos, face a esta evolução do site e da equipa, que era tempo de fazer, pela primeira vez, uma lista conjunta de melhores filmes que espelhasse as diferentes sensibilidades deste grupo. O resultado final reflecte, naturalmente, um certo consenso, ao assentar nas propostas mais votadas por onze críticos. Ainda assim, comporta títulos, géneros e abordagens suficientemente variados para revelar as salutares divergências de opinião que aceitamos e estimulamos internamente.

Fomos da Roménia ao interior poeirento (e sangrento) dos Estados Unidos. De uma Ásia sonhada, ao pesadelo de um futuro pós-apocalíptico, e do body horror à comédia sexual, passando pelo courtroom drama, numa lista encimada por um objecto estranho que não foi, afinal, mais do que o espelho da nossa inquietude e provações contemporâneas. A lista final “sofreu”, como vem sendo habitual, do diferente percurso comercial de cada filme (inédito ou não em Portugal, festivais, etc), com o critério de escolha a recair sobre filmes vistos em 2024, desde que estreados nesse ano em algum lugar (fosse numa sala de cinema, festival português, ou em plataformas de streaming)De fora ficaram alguns títulos com um protagonismo quase omnipresente noutras publicações deste género (“Folhas Caídas”, entre este ano e o ano passado, ou “By the Stream”, entre este ano e o próximo). Um sacrifício que abraçámos, em prol de um top final que cumprisse o retrato fiel da Tribuna em 2024: uma equipa de todos e para todos os gostos, coesa e animada na sua heterogeneidade.

 

      1. Do Not Expect Too Much From The End of The World (Nu aștepta prea mult de la sfârșitul lumii) de Radu Jude
      2. The Substance de Coralie Fargeat
      3. Love Lies Bleeding de Rose Glass
      4. Juror #2 de Clint Eastwood
      5. Ferrari de Michael Mann
      6. Challengers de Luca Guadagnino
      7. Furiosa: A Mad Max Saga de George Miller
      8. Trap de M. Night Shyamalan
      9. Grand Tour de Miguel Gomes
      10. Chime de Kiyoshi Kurosawa

 

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listas individuais

Os melhores de David Bernardino

Um ano atipicamente interessante no que diz respeito à criação de filmes sensacionistas, que terão sempre para mim lugar na experiência que é ver cinema. O melhor filme do ano será o espalhafatoso The Substance, vertiginoso e corajoso na forma como equilibra a sua crítica à cultura de imagem e um body horror javardo sem pretensiosismos que presta homenagem a vários ícones do cinema de terror. Love Lies Bleeding e Strange Darling invocam uma certa nostalgia do ruralismo americano de forma escorreita. Ferrari e Trap completam o meu top 5 provando, tal como Juror #2, que o cinema de autor ainda existe. Por falar nisso, que Eastwood continue a realizar e a analisar os trejeitos do american dream. O cinema de terror também está bom e recomenda-se, com orçamentos cada vez maiores a darem espaço ao crescimento do género que tem cada vez mais fãs: The First Omen e Late Night With the Devil foram os melhores, mas haveria outros como Immaculate, Oddity, Cuckoo ou Longlegs. De resto excelentes propostas de vários géneros, da animação de Slam Dunk, à revolta do hijab de The Seed of the Sacred Fig, o sci-fi de Mars Express ou a aventura de Grand Tour. Uma palavra para a comédia romântica Anyone But You, um dos responsáveis pela saúde financeira das salas portuguesas, que teve a coragem de ressuscitar os clichés feel good do género americano. Em geral uma lista curiosamente de cinema fora do seu tempo que só demonstra que é possível continuar a fazer filmes intemporais.

      1. The Substance, de Coralie Fargeat
      2. Love Lies Bleeding, de Rose Glass
      3. Ferrari, de Michael Mann
      4. Trap, de M. Night Shyamalan
      5. Strange Darling, de J. T. Mollner
      6. The Iron Claw, de Sean Durkin
      7. Scorched Earth“, de Thomas Arslan
      8. The First Omen, de Arkasha Stevenson
      9. Juror #2, de Clint Eastwood
      10. Past Lives, de Celine Song
      11. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      12. Black Dog“, de Guan Hu
      13. The Seed of the Sacred Fig“, de Mohammad Rasoulof
      14. Grand Tour, de Miguel Gomes
      15. The First Slam Dunk, de Takehiko Inoue
      16. Hundreds of Beavers, de Mike Cheslik
      17. All We Imagine As Light, de Payal Kapadia
      18. Mars Express, de Jérémie Périn
      19. Late Night with the Devil, de Cameron Cairnes & Colin Cairnes
      20. Anyone But You, de Will Gluck

 

Os melhores de Rita Cadima de Oliveira

A diversidade estética e narrativa apresentada pelos filmes citados na seguinte lista é vasta, reflectindo naturalmente uma multiplicidade de temáticas, estilos e abordagens cinematográficas. Contudo, é possível traçar alguns paralelismos que me permitiram entender as conexões subjacentes entre estas obras, apesar das distintas formas, conteúdos e modos como cada realizador aborda e lida com questões sociais, existenciais e políticas. Talvez a mais premente seja a crise do indivíduo e a desintegração pessoal e humana, que de uma forma mais objectiva ou subjectiva, aborda a crise existencial e as dúvidas que afligem os indivíduos nas sociedades contemporâneas. Através de abordagens mais ou menos filosóficas, quase todos eles exploram figuras que tentam encontrar seu lugar no mundo num cenário de desintegração dos valores tradicionais e da confusão gerada pelas expectativas sociais e pessoais. Nas abordagens mais sombrias, a questão da banalidade do mal como pano de fundo, reflecte quase sempre a capacidade humana para a resistência ao desespero mas também alguma indiferença diante de atrocidades. Por outro lado, é no surrealismo e na comédia negra que alguns destes filmes se reforçam, intercalando a absurdidade da vida com o confronto com o desconhecido. Por sua vez, o modo como o passado e o futuro são confrontados nas narrativas é outro eixo importante, sobretudo na travessia literal e metafórica entre culturas e realidades. Embora haja uma variedade de estilos e estéticas, todos estes filmes têm algo em comum: eles reflectem, de maneiras distintas, as questões contemporâneas de identidade, sobrevivência e do peso das relações pessoais, assim como o impacto das escolhas individuais e coletivas na sociedade. No entanto, todos estes filmes demonstram uma profunda preocupação com a condição humana, seja ela marcada pela violência, pela busca da identidade, ou pelo reflexo da sociedade em crise.

      1. Do Not Expect Too Much From The End of The World, de Radu Jude
      2. Crossing, de Levan Akin
      3. Hundreds of Beavers, de Mike Cheslik
      4. Les Filles d’Olfa, de Kaouther Ben Hania
      5. Das Lehrerzimmer, de İlker Çatak
      6. His Three Daughters, de Azazel Jacobs
      7. A Traveller’s Needs“, de Hong Sang-soo
      8. Scorched Earth“, de Thomas Arslan
      9. La Passion de Dodin Bouffant, de Trần Anh Hùng
      10. Love Lies Bleeding, de Rose Glass
      11. Longlegs, de Osgood Perkins
      12. The Substance, de Coralie Fargeat
      13. The Iron Claw, de Sean Durkin
      14. The Zone of Interest, de Jonathan Glazer
      15. Civil War, de Alex Garland
      16. Black Dog“, de Guan Hu
      17. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      18. Sons“, de Gustav Möller
      19. Grand Tour, de Miguel Gomes
      20. La Chimera, de Alice Rohrwacher

 

Os melhores de Pedro Barriga

Recentemente num podcast, o crítico de cinema Adam Nayman disse: “Para mim, um bom crítico é alguém que não separa [filmes comerciais de filmes estrangeiros ou independentes], mas sim tenta juntá-los.” Foi precisamente isso que tentei fazer ao longo de 2024. Da ficção ao documentário, do nacional ao internacional, passando também pela animação, tentei ver um pouco de tudo. Para a minha lista, considerei apenas filmes estreados em Portugal ao longo de 2024. São estes os 20 títulos que mais me marcaram, ainda que algumas das minhas cenas preferidas do ano pertençam a filmes que não os mencionados: as emoções presas no cofre (Inside out 2), o desenterrar da estátua em mármore (La chimera), a cena no bar (Past Lives), a descoberta de uma gravidez secreta (Vermiglio). De igual modo, algumas das melhores interpretações do ano vieram de outros filmes: Tom Hardy (The Bikeriders), Ariana Grande (Wicked), Ryan Gosling (The Fall Guy), Demi Moore (The Substance), Jeremy Strong (The Apprentice), Karla Sofia Gascón (Emilia Pérez). Da minha lista ficaram de fora curtas-metragens, por isso gostaria de destacar pelo menos uma: O Jardim em Movimento (Inês Lima), um belo, divertido e misterioso passeio pelo Parque Natural da Arrábida.

      1. Grand Tour, de Miguel Gomes
      2. Love Lies Bleeding, de Rose Glass
      3. The Remarkable Life of Ibelin, de Benjamin Ree
      4. Anora, de Sean Baker
      5. Dahomey, de Mati Diop
      6. The Brutalist, de Brady Corbet
      7. The Seed of the Sacred Fig, de Mohammad Rasoulof
      8. No Other Land, de Basel Adra
      9. The Wild Robot, de Chris Sanders
      10. Oh, Canada, de Paul Schrader
      11. La Passion de Dodin Bouffant, de Trần Anh Hùng
      12. The Zone of Interest, de Jonathan Glazer
      13. A Flor do Buriti, de João Salaviza e Renée Nader Messora
      14. All We Imagine As Light, de Payal Kapadia
      15. Black Dog, de Guan Hu
      16. Challengers, de Luca Guadagnino
      17. The Room Next Door, de Pedro Almodóvar
      18. Fallen Leaves, de Aki Kaurismäki
      19. Dune: Part Two, de Denis Villeneuve
      20. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller

 

Os melhores de Bruno Victorino

Debatemo-nos anualmente acerca dos critérios mais justos, corretos e dignos a utilizar nas listas de melhores filmes do ano. Apenas filmes estreados comercialmente em Portugal? Incluir também filmes que passaram nos vários festivais de cinema? Incluir estreias em serviços de streaming? Separar uma lista para filmes que ainda não tiveram distribuição no nosso país? Todas as opções têm fortes argumentos a favor e contra. Neste momento cada redator da Tribuna tem total liberdade para definir o seu critério individual, apenas com a premissa de serem longas-metragens estreadas no presente ano em qualquer lugar do planeta. Nessa senda a minha lista serve fundamentalmente para desejar um excelente 2025 onde tenhamos a oportunidade de ver nas salas nacionais: By The Stream, Juror #2 (não deverá acontecer), Chime, The Shrouds, In Our Day, A Traveler’s Needs e Volveréis. Uma ressalva para Hit Man e Bowling Saturne, excelentes filmes que fizeram parte das listas de 2023 e 2022, respetivamente. Melhores curtas-metragens: Trabalho de Amor Perdido e Duna Atacama, de Vinícius Romero; Tomahawk Clouds, de Eric Marsh; Sensación de Nada, de Francisco Rojas; Motus, de Nélson Fernandes; Natureza Humana, de Mónica Lima; NYC RGB, de Viktoria Schmid; Interaction 9: Stone Circle, Avebury, de Fred Camper e Jelena, de Friedl vom Gröller.

      1. By The Stream“, de Hong Sang-soo
      2. Fallen Leaves“, de Aki Kaurismäki
      3. Juror #2, de Clint Eastwood
      4. Trap, de M Night Shyamalan
      5. Chime, de Kiyoshi Kurosawa
      6. The Shrouds, de David Cronenberg
      7. Ferrari, de Michael Mann
      8. In Our Day“, de Hong Sang-soo
      9. Evil Does Not Exist“, de Ryusuke Hamaguchi
      10. All We Imagine As Light, de Payal Kapadia
      11. A Traveller’s Needs“, de Hong Sang-soo
      12. O Dia Que Te Conheci, de André Novais Oliveira
      13. La Passion de Dodin Bouffant, de Trần Anh Hùng
      14. Volveréis, de Jonas Trueba
      15. Vincent Doit Mourir, de Stéphan Castang
      16. Yannick, de Quentin Dupieux
      17. The Sweet East, de Sean Prince Williams
      18. Scorched Earth“, de Thomas Arslan
      19. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      20. Anyone But You, de Will Gluck

 

Os melhores de Gil Gonçalves

O que vai animando o tempo a apagar, à sua passagem, as luzes do nosso espírito curioso? Será o efeito de acumulação do que vamos vendo, ouvindo, sentindo? Será a poda neuronal? Talvez ambos. Certo é que, a cada ano que passa, as alegrias de uma nova descoberta vão sucumbindo mais e mais às ilusões do conforto (às quais se soma o incentivo mediático para a homogeneização e a repetição – de gostos, atitudes e ações) e tudo conspira para que nos fraquejem os dedos, na hora de reacender os interruptores que se desligaram cá dentro. Temos de (nos) combater. Acreditar que a consciência desta rigidez mental em curso não é uma sentença, mas o primeiro passo da luta. Tem-me faltado essa fé em diversas frentes, mas no cinema mantém-se inabalável. Esta lista, que dá primazia a trabalhos de cineastas que conheci pela primeira vez em 2024, que integra três filmes portugueses (extensão do esforço que tenho feito para conhecer melhor as propostas do cinema nacional) e produções de 10 países diferentes, incluindo dois documentários a que assisti num festival onde nunca tinha posto os pés, é uma lista de combate. Um combate que deu frutos muito imediatos, como o prazer mais substancial e duradouro que advém de obras que nos desafiam, e outros mais perenes – e vastamente mais importantes – como a abertura a novas perspectivas estéticas, políticas, sociais e filosóficas. O cinema não é a vida real, mas está, como qualquer outra forma de arte, em diálogo íntimo com ela. Tem, portanto, o potencial de nos ajudar a navegá-la melhor, a sermos mais nós-com-os-outros. Sorrio ao olhar para os títulos desta lista, lembrando o que cada um destes filmes me ensinou. Partilho-os, agora, sabendo que podem ensinar (e, claro, agradar) tanto ou mais a alguém que os veja. E durmo mais descansado.

      1. Do Not Expect Too Much From The End of The World, de Radu Jude
      2. Chime, de Kiyoshi Kurosawa
      3. Sempre, de Luciana Fina
      4. Le Retour du Projectionniste, de Orkhan Aghazadeh
      5. La Bête, de Bertrand Bonello
      6. Parthenope, de Paolo Sorrentino
      7. Ferrari, de Michael Mann
      8. Yannick, de Quentin Dupieux
      9. Juror #2, de Clint Eastwood
      10. Megalopolis, de Francis Ford Coppola
      11. About Dry Grasses, de Nuri Bilge Ceylan
      12. Os Papéis do Inglês, de Sérgio Graciano
      13. Fallen Leaves, de Aki Kaurismäki
      14. Hit Man, de Richard Linklater
      15. Poor Things, de Yorgos Lanthimos
      16. Grand Tour, de Miguel Gomes
      17. Le Chemin du Serpent, de Kiyoshi Kurosawa
      18. La Chimera, de Alice Rohrwacher
      19. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      20. Trap, de M. Night Shyamalan

 

Os melhores de Francisco Sousa

No final de 2023, as perspetivas para as salas de cinema em 2024 não eram animadoras. Em Hollywood, com a greve dos argumentistas (que se estendeu por mais de quatro meses) e dos atores, temeu-se que os multiplexes tivessem de fechar devido à falta de filmes para estrear. Contudo, a situação revelou-se diferente, e não faltaram grandes sucessos de bilheteira ao longo do ano que agora termina. Filmes como Dune: Parte 2, Inside Out 2, Deadpool & Wolverine e Moana 2 (sequelas, sequelas e mais sequelas) encheram salas pelo mundo fora e garantiram, em parte, a sustentabilidade dos cinemas.

Por outro lado, foi um ano de confirmação de tendências: a insistência de Hollywood em legacy sequels continua, cada vez com menor retorno artístico (Gladiator 2) e financeiro (Furiosa); as produtoras independentes mantiveram o seu crescimento (a Neon teve o seu maior sucesso de bilheteira com Longlegs; a A24 destacou-se com Civil War, Heretic e We Live in Time; e a Mubi acertou em cheio ao adquirir os direitos de distribuição de The Substance). Foi também um ano em que novas vozes se afirmaram (Coralie Fargeat, Jane Schoenbrun, Rose Glass e Dev Patel) e em que regressaram velhos conhecidos (Clint Eastwood, Kevin Costner, Ridley Scott e Francis Ford Coppola), uns com mais sucesso do que outros.

O critério usado para a criação desta lista foi a data de estreia internacional, razão pela qual filmes como Iron Claw, Ferrari e Fallen Leaves não estão presentes neste top 20. Uma lista como esta é sempre altamente subjetiva, volátil e curta. No entanto, aqui ficam os filmes que, para mim, foram os melhores de 2024.

      1. The Substance, de Coralie Fargeat
      2. Anora, de Sean Baker
      3. Challengers, de Luca Guadagnino
      4. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      5. Hit Man, de Richard Linklater
      6. Dune: Part Two, de Denis Villeneuve
      7. Red Rooms, de Pascal Plante
      8. Rebel Ridge, de Jeremy Saulnier
      9. Hundreds of Beavers, de Mike Cheslik
      10. I Saw the TV Glow, de Jane Schoenbrun
      11. Civil War, de Alex Garland
      12. Love Lies Bleeding, de Rose Glass
      13. Juror #2, de Clint Eastwood
      14. Snack Shack, de Adam Rehmeier
      15. Trap, de M. Night Shyamalan
      16. Conclave, de Edward Berger
      17. Alien: Romulus, de Fede Álvarez
      18. Kill, de Nikhil Nagesh Bhat
      19. The Wild Robot, de Chris Sanders
      20. Evil Does Not Exist“, de Ryusuke Hamaguchi

 

Os melhores de Carla Rodrigues

Chegamos à altura do ano propícia a balanços, e o cinema não é exceção: estes foram os meus filmes favoritos de 2024. Não necessariamente os “melhores” no sentido técnico, mas aqueles que mais prazer me deram a ver.

O filme que arrebatou o primeiro lugar na minha lista (e, devo confessar, assim que o vi tive a certeza que ficaria no topo), The Substance, é um exemplo perfeito disso: uma obra de body horror e crítica social que não só exala frescura, criatividade e talento a todos os níveis – das interpretações ao design de som – como também reafirma porque é que o terror é o meu género preferido. Vi-o mais do que uma vez, sempre com um sorriso de orelha a orelha.

Ainda no campo do cinema de género, Love Lies Bleeding, que vi na primeira metade do ano, conseguiu aguentar-se no meu coração até ao fim de 2024 como um exemplo de irreverência, um thriller bombadão (pun intended) que merece mais atenção do que aquela que recebeu. Já no território dos blockbusters, fomos brindados com dois gigantes que elevaram o padrão das superproduções: Dune II e Furiosa. Ambos trouxeram experiências imersivas que não só revisitaram universos familiares, como o fizeram sob novas perspetivas. A sensação de estar num deserto foi tão vívida em ambos os casos que quando saí da sala quase senti a necessidade de sacudir as sapatilhas para me certificar de que não trazia areia.

Por outro lado, o cinema intimista também teve o seu espaço para brilhar em 2024. All of Us Strangers, de Andrew Haigh, foi um dos filmes mais comoventes do ano, uma exploração delicada das memórias, do luto e da possibilidade de conexão. Já La Chimera, de Alice Rohrwacher, trouxe-nos um mergulho deliciosamente etéreo num mundo que oscila entre o real e o mítico, com uma sensibilidade quase poética. Apesar disso, o recorde para o filme que mais me fez chorar vai para The Wild Robot, um filme de animação para o qual entrei com zero expectativas, mas que me puxou – e bem – as cordas do coração. Mesmo com o nevoeiro das lágrimas, consegui confirmar que é um filme visualmente lindo, com uma animação belíssima em que o digital se mistura com toques de gouache.

Apesar de ainda ter uma longa lista de filmes por explorar – o tempo é, afinal, um mestre cruel – olho para este top com satisfação. 2024 foi mais um ano que mostrou que o cinema, mesmo perante expectativas elevadas, continua a ter o poder de surpreender em todos os estilos e géneros. Só é preciso permitirmo-nos a descoberta.

      1. The Substance, de Coralie Fargeat
      2. Challengers, de Luca Guadagnino
      3. Love Lies Bleeding, de Rose Glass
      4. The Wild Robot, de Chris Sanders
      5. All of Us Strangers, de Andrew Haigh
      6. A Different Man, de Aaron Schimberg
      7. Kinds of Kindness, de Yorgos Lanthimos
      8. Dune: Part Two, de Denis Villeneuve
      9. The Sweet East, de Sean Price Williams
      10. La Chimera, Alice Rohrwacher 
      11. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      12. Anatomie d’une Chute, de Justine Trier
      13. The First Omen, de Arkasha Stevenson
      14. Strange Darling, de J. T. Mollner
      15. Anora, de Sean Baker 
      16. The Devil’s Bath“, de Veronika Franz e Severin Fiala
      17. The Iron Claw, de Sean Durkin
      18. Oddity, de Damian McCarthy
      19. Priscilla, de Sofia Coppola 
      20. Longlegs, de Osgood Perkins

 

Os melhores de André Filipe Antunes

“É impossível ordenar as ‘melhores’ obras de arte”, diz o crítico médio a cada dezembro. É um daqueles clichés perpetuamente relevantes — o que, como todos os bons clichés, se deve ao facto de ser verdade. Publicar um “ranking objetivo” dos melhores filmes do ano é um impulso inerentemente antagónico à nossa relação com a arte, tantas vezes privada, emotiva e até irracional; fazer crítica, contudo, é também aceitar esse paradoxo, mais ainda num país como Portugal, em que as janelas de lançamento fazem com que certos filmes demorem meses ou anos a estrear, e numa era em que a força da internet e do algoritmo condensam toda a história do cinema num único plano temporal, impondo questões sobre onde para a fronteira que delimita um filme “deste ano” (um assunto para outra altura, quem sabe). E em abono da verdade, estaria a mentir se dissesse que não é divertido fazer listas.

Os melhores filmes do ano foram ao passado recuperar a banalidade do mal, sonharam as ansiedades de um futuro não tão distante assim, e projetaram a ambivalência do presente e do fim do mundo como o conhecemos (we feel fine). Foi um bom ano para o cinema, em parte devido ao facto de que muitas das melhores estreias nacionais de 2024 vieram do ano anterior; mas sobretudo porque, à semelhança de outras épocas de instabilidade, o cinema foi um espelho onde nos pudemos reconhecer no meio do caos: sem procurar dar respostas, oferecendo-nos antes a catarse coletiva que só os grandes filmes tornam possível.

O critério para a elaboração desta lista foi simples: estreias comerciais (em sala ou em streaming) em Portugal nos últimos doze meses. De fora ficam filmes que apenas passaram por festivais (fãs de O Brutalista terão de esperar por 2025), bem como algumas obras que até agora não têm estreia nacional prevista. Esperemos que as nossas distribuidoras estejam atentas à receção internacional de filmes como Hundreads of Beavers, Queer, Nickel Boys, Cloud ou Chime, só para citar alguns.

E porque não resisto a uma menção honrosa: o primeiro impacto foi atenuado pela azáfama de ver o máximo de filmes possível antes de finalizar a lista, mas não consigo parar de pensar em Os Delinquentes. Suspeito que, ao longo dos próximos meses e anos, regressarei ao heist film(? É tão mais, e tão menos, do que isso) do argentino Rodrigo Moreno para continuar a explorar as suas camadas, as divagações e becos do seu onírico labirinto narrativo. Porque, afinal de contas, também disso se faz o cinema.

      1. The Zone of Interest, de Jonathan Glazer
      2. Do Not Expect Too Much From The End of The World, de Radu Jude
      3. I Saw the TV Glow, de Jane Schoenbrun
      4. La Bête, de Bertrand Bonello
      5. The Substance, de Coralie Fargeat
      6. Les Filles d’Olfa, de Kaouther Ben Hania
      7. Monster, de Hirokazu Kore-eda
      8. Challengers, de Luca Guadagnino
      9. Kinds of Kindness, de Yorgos Lanthimos
      10. Baan / Casa, de Leonor Teles
      11. Red Rooms, de Pascal Plante
      12. Love Lies Bleeding, de Rose Glass
      13. I’m Not Everything I Want to Be, de Klára Tasovská
      14. Anora, de Sean Baker
      15. Fallen Leaves, de Aki Kaurismäki
      16. Dahomey, de Mati Diop
      17. The Apprentice, de Ali Abbasi
      18. Anatomie d’une Chute, de Justine Triet
      19. Das Lehrerzimmer, de İlker Çatak
      20. The Bikeriders, de Jeff Nichols

 

Os melhores de Hugo Dinis

A demarcação de 2024 é impiedosa para o cinema norte-americano. Na ressaca definitiva da pandemia, Hollywood foi reinventada em definitivo enquanto fórum de impressão comercial e cultural para fundos de capital de risco e investimento que, em conjunção com os grandes estúdios, combinaram para consolidar um cinema iterativo de regressos ao passado, sequelas e propriedade intelectual usada e reutilizada. Este desaparecimento cultural reflecte-se nos filmes do ano, com a declarada impressão do sul global e do contexto europeu. Trabalhos como A Different Man ou Hit Man, não necessariamente cinema independente mas certamente produtos de nicho, desafiam um paradigma sobretudo pela ousadia de escolhas simples e originais. Por outro lado, a necessidade de criar filmes deste tempo, que ressoem na biosfera cultural actual e lidem com esta realidade, é cada vez mais forte. Do ponto de vista mais directo, foi isso que fizeram cineastas como Radu Jude ou Pascal Plante. Contudo, a tensão entre isolacionismo (Do Not Expect Too Much From The End Of The World, Red Rooms, Monster) e comunidade (Reas, Twilight of the Warriors: Walled In) ilustra mais que nunca a urgência da intervenção do cinema na contemporaneidade. Mais do que um critério definido para a elaboração desta lista no que diz respeito a datas de lançamento, embora esse também tenha sido estipulado oficialmente, foi tido em conta uma bitola sensível para inclusão de títulos. Se um filme me dá pessoalmente a sensação de ser um trabalho de 2024, está elegível. Ainda que sejam filmes com estreia em Portugal em 2024, The Zone of Interest, The Holdovers, ou Ferrari, por exemplo, não são incluídos aqui por esta razão.

      1. By The Stream, de Hong Sang-soo
      2. Do Not Expect Too Much from the End of the World, de Radu Jude
      3. No Other Land, de Basel Adra, Yuval Abraham, Rachel Szor, & Hamdan Ballal
      4. Monster, de Hirokazu Kore-eda
      5. La Chimera, de Alice Rohrwacher
      6. Twilight of the Warriors: Walled In, de Soi Cheang
      7. Reas, de Lola Arias
      8. Grand Tour, de Miguel Gomes
      9. A Different Man, de Aaron Schimberg
      10. About Dry Grasses, de Nuri Bilge Ceylan
      11. Red Rooms, de Pascal Plante
      12. Hit Man, de Richard Linklater
      13. Super Happy Forever, de Kohei Igarashi
      14. Rapito, de Marco Bellocchio
      15. All We Imagine As Light, de Payal Kapadia
      16. Soundtrack To A Coup D’Etat, de Johan Grimonprez
      17. In The Blind Spot, de Ayşe Polat
      18. The New Year That Never Came, de Bogdan Mureșanu
      19. La Passion de Dodin Bouffant, de Trần Anh Hùng
      20. The Apprentice, de Ali Abbasi

 

Os melhores de Eduardo Magalhães

2024 veio firmar os sinais de ansiedade a todos evidentes nesta terceira década do século XXI. Este desassossego manifestou-se através de um fatalismo faminto por resolução ou de uma alienação tornada clarividente, pelo que muitos dos protagonistas das estreias nas salas portuguesas (ou nas plataformas de streaming) parecem, absortos, partilhar uma serenidade que não oculta o que os inquieta. Todos bafejados pelas cargas do passado que sangra no presente ou do presente que se prolonga no futuro. Se tudo isto era à partida expectável quer no registo de ficção, quer no de não-ficção, há o espectro de uma agonia a cirandar. Complexos de um mundo enfermo da sua nova normalidade.

Não seria desavisado descrever cada um dos melhores filmes do ano como variações sobre um tema, insistindo na exposição do mesmo, e em que o desenvolvimento passa não por uma linha narrativa, mas por um círculo. Numa era em que qualquer um facilmente se distrai a abrir múltiplos separadores, o cinema a exigir concentração num único dossier: a imagem recorrente. Os pneus da Ferrari, a pergunta de Huppert, os artefactos regressados, a faca do cozinheiro, o corpo que caiu, os pedaços de céu entre as árvores. Consciente da falibilidade da razão, o 2024 cinematográfico mostrou-se familiar pelos seus receios, as suas hesitações, e tudo aquilo que, não se percebendo, é um vício. Fica difícil distinguir 2024, todos fizemos dele parte.

      1. Juror #2, de Clint Eastwood
      2. La Bête, de Bertrand Bonello
      3. Ferrari, de Michael Mann
      4. Chime, de Kiyoshi Kurosawa
      5. Evil Does Not Exist“, de Ryusuke Hamaguchi
      6. Fallen Leaves“, de Aki Kaurismäki
      7. Dahomey, de Mati Diop
      8. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      9. A Traveller’s Needs“, de Hong Sang-soo
      10. Scorched Earth“, de Thomas Arslan

 

Os melhores de Miguel Allen

Se no ano passado, pelo cinema, se contemplava, aparentemente, um (ou o) fim — resquícios talvez de uma pandemia, numa arte de produção demorada —, 2024 foi um ano em que se abordou amplamente o tema da “identidade”. O lugar, o lugar do nosso cinema, e o nosso lugar no mundo, num panorama global que se desviou, na sua melhor parte, de uma casa-mãe que, ainda que já não constrangida pela famosa greve que a ocupara durante largos meses em 2023, se mostrou, sobretudo, a braços com uma grave crise de… identidade. De Hollywood, recebemos produtos gastos e cansados, essas badaladas sequelas, ou filmes sem sabor ou autor, e os dois autênticos grandes filmes americanos do ano — Ferrari e Juror #2 — foram peremptoriamente ignorados pelos distribuidores e público locais (um tanto menos na Europa). É certo que um filme de Mann ou de Eastwood se tornou, em 2024, um objeto estranho, que a máquina de produção americana, bem doutrinada por falsos profetas de herança scottiana, se apressará, forçosamente, a eliminar. Mas fica-nos uma sincera interrogação quanto à sobrevivência de um cinema nacional que parece hoje não se reconhecer nos seus próprios modelos.

Ainda a propósito de “produtos de massas”, que, para o bem ou para o mal, sempre foram a produção principal do cinema hollywoodiano, houve, contudo, um filme que muito me agradou, para pasmo e escárnio de alguns dos meus colegas. Challengers, de Luca Guadagnino (sim…), rasgou pela tela como uma velha comédia romântica (traduzida para termos correntes contemporâneos, sejam estes estéticos ou verbais), filmada por Bresson sob esteróides, e, pelas suas indagações geométricas (aí sim, relembrando Lubitsch), foi uma das grandes obras cinéticas do ano.

Mas, essencialmente, o cinema de 2024 chegou-nos, e ainda bem, de mais variadas paragens. A minha lista (que contempla as estreias deste ano em França, onde vivo) passa por dez países diferentes. O filme “do ano” terá sido, efectivamente, Nu aștepta prea mult (…), de Radu Lupu – um retrato agressivo do zeitgeist deste fiasco cultural e social contemporâneo, e um filme que carrega, cinematograficamente, a interrogação ”mehr Licht” ou “mehr nicht”, evocada por Nina Hoss, a propósito de Goethe. No entanto, a minha escolha recai sobre Miséricorde, de Alain Guiraudie — uma co-produção portuguesa que teima em não estrear em Portugal. Trilhos cruzados pela paisagem amorosa de um país, um “simples” noir, misterioso e de forte carga sexual, na província francesa. Evocando Chabrol e Hitchcock, mas, sobretudo, aprofundando inúmeras pistas da obra pessoal de Guiraudie, é, sem dúvida, o objeto cinematográfico mais elucidado do ano – um filme revelador, porque obscuro.

Enfim, um último destaque para algo essencialmente muito distinto. A filmografia recente (e farta) de Hong Sang-soo será, porventura, menos “concludente”, mas também a prova de um cinema que consegue existir quase “só por si”, fora de qualquer quadro contemporâneo — e que nos parece, portanto, sempre necessário celebrar. “A Traveller’s Needs” será apenas “mais um” filme do autor, mas, sobretudo, “mais um” filme de Hong que vive tanto da fragilidade das suas imagens quanto dos maravilhosos mistérios que coloca… em primeiro plano. E aquela maravilhosa pergunta de Huppert ecoa ainda nos nossos ouvidos, qual leitmotiv apetitoso para algum do melhor cinema deste ano: “Do you still love me?… as a friend?

      1. Miséricorde, de Alain Guiraudie
      2. Ferrari, de Michael Mann
      3. A Traveller’s Needs” (여행자의 필요), de Hong Sang-soo
      4. Trap, de M. Night Shyamalan
      5. Juror #2, de Clint Eastwood
      6. Nu aștepta prea mult de la sfârșitul lumii, de Radu Jude
      7. Challengers, de Luca Guadagnino
      8. Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller
      9. Trois Amies, de Emmanuel Mouret
      10. Evil Does Not Exist” (悪は存在しない), de Ryusuke Hamaguchi
      11. All We Imagine As Light, de Payal Kapadia
      12. Chime, de Kiyoshi Kurosawa
      13. Volveréis, de Jonas Trueba
      14. Hit Man, de Richard Linklater
      15. In Water” (물안에서), de Hong Sang-soo
      16. Grand Tour, de Miguel Gomes
      17. The Sweet East, de Sean Price Williams
      18. Janet Planet, de Annie Baker
      19. La Bête, de Bertrand Bonello
      20. La Chimera, de Alice Rohrwacher