Chegado o final do ano, depois deste que é o primeiro Natal da Tribuna do Cinema, é tempo de fazer os clássicos balanços de Melhores Filmes do Ano. O problema é evidente: o que define um filme ser de determinado ano? Mesmo ignorando o facto de muito filmes já terem sido filmados há alguns anos e só agora estreados, como Avatar: The Way of Water, temos vários critérios possíveis: data de estreia internacional, data de estreia em Portugal, estreia em cinema comercial ou em festival, estreia em streaming, e até mesmo casos de filmes com décadas que só agora tiveram estreia em sala no nosso país.
Por esse motivo a Tribuna decidiu, ao invés de criar um top único de Melhores Filmes do Ano, apresentar os tops individuais de cada Tribuno participante, tendo cada um liberdade de escolher o seu próprio critério e eleger até 20 filmes para a sua lista. O resultado são 10 listas bastante ecléticas que vão sem pudores do mainstream ao chamado cinema de autor. 2022 fica marcado pelo regresso em massa às salas de cinema e termina com um catálogo sólido que ainda assim não satisfez a maioria dos membros da Tribuna. Fica ainda marcado pelo desaparecimento do mestre Jean-Luc Godard.
Ora vejamos:
Os Melhores de Bruno Victorino
1 Chronique d’une Liaison Passagère, Emmanuel Mouret
2 The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft, Werner Herzog
3 In Front of Your Face, Hong Sang-soo
4 Mr. Bachmann and His Class, Maria Speth
5 Viens Je T’Emmène, Alain Guiraudie
6 Memoria, Apichatpong Weerasethakul
7 Terra que Marca, Raul Domingues
8 Mato Seco em Chamas, Adirley Queirós e Joana Pimenta
9 Bowling Saturne, Patricia Mazuy
10 What do We See When We Look at the Sky?, Alexandre Koberidze
11 Un Beau Matin, Mia Hansen-Love
12 Il Buco, Michelangelo Frammartino
13 O Trio em Mi Bemol, Rita Azevedo Gomes
14 Atrás dessas Paredes, Manuel Mozos
15 Introduction, Hong Sang-soo
16 Wife of a Spy, Kiyoshi Kurosawa
17 Les Passagers de la Nuit, Mikhaël Hers
18 Coma, Bertrand Bonello
19 Licorice Pizza, Paul Thomas Anderson
20 The Fabelmans, Steven Spielberg
Considerei apenas estreias em Portugal em 2022 (sala, streaming e festivais), com excepção de Licorice Pizza que estreou nos últimos dias de 2021. Drive My Car ocuparia um dos primeiros lugares da lista, mas elegi-o em 2021. A partir do 4° classificado a ordem é relativamente aleatória. Em ano de progressivo regresso às salas o destaque natural vai para o cinema francês, refletido com a presença de 6 títulos nesta lista, inclusive o primeiro classificado. Mouret com estilo cada vez mais depurado e que encontrou em Macaigne o protagonista perfeito. O documentário de Herzog foi responsável por algumas das imagens mais impactantes do ano, marcando um regresso do cineasta à forma. Hong Sang-soo volta a demonstrar a sua veia prolífica sem comprometer de forma alguma a qualidade e garantindo com In Front of Your Face um dos melhores filmes da sua obra mais recente. Quanto ao cinema português relevam-se 2 confirmações (Mozos e Azevedo Gomes, aos quais se poderia juntar João Pedro Rodrigues) e 1 descoberta (Raul Domingues). Apenas no 19° lugar aparece um filme norte-americano, testemunho de uma Hollywood em decadência. Spielberg, PTA (aos quais se poderia juntar Cronenberg) vão segurando as pontas de uma indústria marvelizada. A imagem que escolhi para ilustrar a lista é do excelente filme do georgiano Alexandre Koberidze e fala por si. Para finalizar destaco algumas curtas, porque o cinema não se mede aos palmos: El Sembrador de Estrelas (Lois Patiño), Inner Outer Space (Laida Lertxundi), EVENTIDE (Sharon Lockhart), Mangrove School (Filipa César e Sónia Vaz Borges) e FIRST TIME (Nicolaas Schmidt).
Bruno Victorino
Os Melhores de David Bernardino
1 Top Gun: Maverick, Joseph Kosinski
2 The Whale, Darren Aronofsky
3 X, Ti West
4 Everything Everywhere All at Once, Daniel Kwan e Daniel Scheinert
5 The Batman, Matt Reeves
6 Resurrection, Andrew Semans
7 Armageddon Time, James Gray
8 Barbarian, Zach Cregger
9 White Noise, Noah Baumbach
10 Beast, Baltasar Kormákur
11 The Medium, Banjong Pisanthanakun
12 Swallow, Carlo Mirabella-Davis
13 Candy Land, John Swab
14 Holy Spider, Ali Abbasi
15 Crimes of the Future, David Cronenberg
16 The Northman, Robert Eggers
17 Kimi, Steven Soderbergh
18 Bodies Bodies Bodies, Halina Reijn
19 Speak no Evil, Christian Tafdrup
20 Amsterdam, David O. Russell
Note-se que 2022 foi um ano atípico a nível do que realmente acabei por ver, com filmes como The Fabelmans, Nope , Ambulance ou Three Thousand Years of Longing a não serem contemplados nas minhas escolhas. Também optei por não incluir filmes antigos como os que passaram em sala no ciclo Mestres Japoneses Desconhecidos II. Esta lista final, talvez algo atípica e carregada de cinema de género, acaba por premiar a espetacularidade de Top Gun: Maverick, o meu filme do ano. É importantíssimo que cinema mainstream deste calibre continue a levar público às salas, que estão de boa saúde, e recomendam-se através de um forte comeback pós-pandemia. Logo a seguir o provocatório The Whale, com a narrativa do regresso de Brendan Fraser sob a batuta de um Aronofsky a lembrar a estrutura catártica de Black Swan. O resto dos meus filmes de eleição de 2022 são sobretudo filmes de género, nomeadamente terror, um género que continua a dar cartas ano após ano. Destaque para o regresso do horror slow burn de Ti West com X, o body horror de Resurrection, a imprevisibilidade matemática de Barbarian e o leão comedor de homens de Beast, uma prova de que existe espaço para emoção e escapismo num subgénero dominado pelo cringe. Uma palavra ainda para o espantoso Everything Everywhere All At Once, um híbrido transgénero que corre da comédia ao drama por entre multiversos à velocidade da luz de forma surpreendentemente equilibrada, demonstrando que é possível a exploração de tais temas sem as amarras dos super-heróis ou outros que tais.
David Bernardino
Os Melhores de João Miguel Fernandes
- Tár, Todd Field
- Aftersun, Charlotte Wells
- Everything Everywhere All at Once, Dan Kwan e Daniel Scheinert
- You Won’t be Alone, Goran Stolevski
- The Fabelmans, Steven Spielberg
- Corsage, Marie Kreutzer
- Crimes of the Future, David Cronenberg
- Guillermo del Toro’s Pinocchio, Guillermo del Toro
- The Wonder, Sebástian Lelio
- Cha Cha Real Smooth, Cooper Raiff
- After Yang, Kogonada
- Ambulance, Michael Bay
- The Innocents, Eskil Vogt
- X, Ti West
- Petite Maman, Céline Sciamma
- Triangle of Sadness, Ruben Östlund
- Bubble, Tetsurô Araki
- Lightyear, Angus MacLane
- Nitram, Justin Kurzel
- Good Luck to You, Leo Grande, Sophie Hyde
Para a minha lista foram considerados filmes estreados comercialmente nos Estados Unidos durante o ano de 2022. Este critério tem um grande desafio que é o facto de não viver nos Estados Unidos, o que eventualmente irá prejudicar a apreciação de alguns filmes. Contudo, grande parte das publicações que sigo são americanas e desde sempre que me habituei a escolher os melhores filmes do ano no início do ano seguinte. Não tendo sido um ano particularmente forte a nível pessoal, conseguiu mesmo assim originar uma lista bastante coesa, com filmes de realizadores de diversos países e géneros diversificados. Destaque para Tár e Aftersun, este último a estreia de Charlotte Wells em longas metragens. Também é relevante mencionar a presença de um belo filme de Steven Spielberg (The Fabelmans), assim como o filme de animação Japonesa Bubble, do realizador do famoso anime “Attack on Titan”.
João Miguel Fernandes
Os Melhores de Pedro Barriga
- Licorice Pizza, de Paul Thomas Anderson
- Le Bleu du caftan, de Maryam Touzani
- 헤어질 결심 / Decision to Leave, de Park Chan-wook
- Holy Spider, de Ali Abbasi
- Nope, de Jordan Peele
- Zola, de Janicza Bravo
- Crimes of the Future, de David Cronenberg
- EO, de Jerzy Skolimowski
- She Said, de Maria Schrader
- Avatar: The Way of Water, de James Cameron
- The Northman, de Robert Eggers
- The Matrix Resurrections, de Lana Wachowski
- הַבֶּרֶךְ / Ahed’s Knee, de Nadav Lapid
- Kimi, de Steven Soderbergh
- Turning Red, de Domee Shi
- Petite Maman, de Céline Sciamma
- The Fabelmans, de Steven Spielberg
- Memoria, de Apichatpong Weerasethakul
- Ambulance, de Michael Bay
- Close, de Lukas Dhont
Para a minha lista considerei apenas filmes estreados em Portugal ao longo de 2022. Fruto deste critério, vemos incluídos filmes que demoraram a chegar ao nosso país (Zola, Ahed’s Knee, Petite Maman, Memoria), como vemos excluídos filmes agendados para 2023 (e.g. Aftersun, TÁR, The Banshees of Inisherin). Foram também concedidas wild cards a dois títulos que estrearam em Portugal nos últimos dias de 2021: Licorice Pizza e The Matrix Resurrections. Uma nota geral sobre o ano que agora termina: 2022 não correu como esperado. O prometido regresso dos espectadores às salas de cinema? De todo – com excepção de alguns blockbusters, um dos quais figura nesta lista. O retorno aos níveis pré-pandemia no que diz respeito ao número de filmes produzidos e distribuídos? Também não. Prova disso foram os vários meses do ano com pouquíssimas estreias – Agosto, por exemplo, foi um autêntico deserto. O resultado é, inevitavelmente, uma colheita que peca em qualidade quando comparada às dos anos anteriores. 2023, que a colheita seja mais rica.
Pedro Barriga
Os Melhores de Inês Bom
- A Hero, Asghar Farhadi
- Aftersun, Charlotte Wells
- The Banshees of Inisherin, Martin McDonagh
- In Front Of Your Face, Hong Sang-soo
- The Lost Daughter, Maggie Gyllenhaal
- Okul Tirasi, Ferit Karahan
- Triangle Of Sadness, Ruben Östlund
- After Yang, Konogada
- Cha Cha Real Smooth, Cooper Raiff
- Tár, Todd Field
- Mr. Bachman and His Class, Maria Speth
- The Novelist’s Film, Hong Sang-soo
- Serre Moi Fort, Mathieu Amalric
- Hit The Road, Panah Panahi
- Lamb, Valdimar Jóhannsson
- Fresh, Mimi Cave
- Barbarian, Zach Cregger
- Corsage, Marie Kreutzer
- Crimes Of The Future, David Cronenberg
- The Wonder, Sebastián Lelio
Chegamos àquela altura do ano. Entre presentes, bolo rei e o inferno de Dante (aka centros comerciais no Natal), é chegada a época das infames listas dos melhores do ano. Os argumentos sobre a pertinência destas listas divergem, mas creio que há um que se destaca neste aceso debate: a divulgação. E divulgar cultura será sempre relevante. O único critério que segui para a elaboração desta lista foi a não repetição dos filmes incluídos no top que escrevi em 2021. Apesar de ser uma estreia neste novo espaço cinematográfico, senti que devia dar lugar a novos nomes que tanto contribuíram para a minha satisfação pessoal ao longo deste ano. Assim, deixo de fora lugares outrora cimeiros como Drive My Car, The Woman Who Ran ou The Worst Person of The World, para agora deixar brilhar nomes conhecidos como Asghar Farhadi ou estreias como Charlotte Wells. Especial menção a Hong Sang-soo que conquistou sem qualquer esforço dois lugares no top. Foi das melhores surpresas do ano passado e parece que veio para ficar. Como apontamento final não podia deixar de referir o prazer imenso que tive com o cinema Terror este ano. Um género que tem sido cada vez mais difícil de subsistir, mas que este ano se reinventou com estreias como Fresh, The Barbarian e mesmo Pearl, deixando-me esperançosa neste revival cinematográfico.
Inês Bom
Os Melhores de Diogo Serafim
1 The Novelist’s Film, Hong Sang-Soo
2 In Front of Your Face, Hong Sang-soo
3 Bowling Saturne, Patricia Mazuy
4 Chronique d’une Liaison Passagère, Emmanuel Mouret
5 Don Juan, Serge Bozon
6 The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft, Werner Herzog
7 Introduction, Hong Sang-soo
8 Il Buco, Michelangelo Frammartino
9 Viens Je T’Emmène, Alain Guiraudie
10 Three Thousand Years of Longing, George Miller
11 Coma, Bertrand Bonello
12 A Vendredi, Robinson, de Mitra Farahani
13 Skinamarink, Kyle Edward Ball
14 Poet, Darezhan Omirbayev
15 Memoria, Apichatpong Weerasethakul
16 L’Innocent, Louis Garrel
17 Fogo-Fátuo, João Pedro Rodrigues
18 Confess, Fletch, de Greg Mottola
19 Fumer Fait Tousser, Quentin Dupieux
20 Incroyable Mais Vrai, Quentin Dupieux
Apesar do circuito comercial de cinema parisiense durante 2022 ter sido longe de insatisfatório, a minha atividade cinéfila definitivamente deixou a desejar. Por ter priorizado de forma renitente retrospectivas aos lançamentos do circuito convencional, boa parte dos filmes do ano passaram ignorados. Devido à minha falta de diligência, submeto aqui uma lista provisória e criminosamente incompleta. Não acredito que haja muitas recomendações que vão ajudar um cinéfilo mais curioso – como me mantive bastante atrelado aos lançamentos mais famosos, provavelmente nenhuma escolha será novidade para alguém – mas fica o gesto como atestado das minhas preferências pessoais durante o ano. Desejo um feliz ano novo a todos!
Diogo Serafim
Os Melhores de Francisco Sousa
1 Tár, Todd Field
2 The Fabelmans, Steven Spielberg
3 The Banshees of Inisherin, Martin McDonagh
4 Top Gun: Maverick, Joseph Kosinski
5 Aftersun, Charlotte Wells
6 Decision to Leave, Park Chan-wook
7 RRR, S. S. Rajamouli
8 Everything Everywhere All at Once, Daniel Scheinert & Daniel Kwan
9 Nope, Jordan Peele
10 After Yang, Kogonada
11 Glass Onion: A Knives Out Mystery, Rian Johnson
12 Avatar: The Way of Water
13 White Noise, Noah Baumbach
14 Crimes of the Future, David Cronenberg
15 The Northman, Robert Eggers
16 Barbarian, Zach Cregger
17 Cha Cha Real Smooth, Cooper Raiff
18 The Batman, Matt Reeves
19 Three Thousand Years of Longing, Goerge Miller
20 Jackass Forever, Jeff Tremaine
O critério que usei para a criação desta lista foi a data de estreia internacional, daí que filmes como Licorice Pizza ou Memoria não estejam presentes neste top 20 de 2022. O retorno em definitivo às salas de cinema, depois de dois anos intermitentes devido à pandemia, levou a que esta lista fosse algo “mainstream”, mas a verdade é que as experiências mais marcantes e entusiasmantes de 2022 foram em salas de cinema, na companhia de amigos e família. Desta forma, filmes como Top Gun: Maverick, RRR, Everything Everywhere All at Once e Avatar: The Way of Water, encheram não só as medidas no que toca a blockbusters como também mostraram que ainda é possível encher as salas de cinema com histórias que não sejam dominadas pela Marvel ou Star Wars. O top 3 é formado por três filmes que facilmente trocariam de ordem: Tár, o primeiro filme de Todd Field em quase 12 anos; The Fabelmans, o regresso de Steven Spielberg à melhor forma, com a sua obra mais pessoal e autobiográfica; e The Banshees of Inisherin, de Martin McDonagh. Um ano marcado por filmes de realizadores já estabelecidos e com uma vasta obra como Park Chan-wook, Noah Baumbach, David Cronenberg e George Miller, mas também com o aparecimento de novas vozes que poderão vir a marcar os próximos anos como Charlotte Wells, Os Daniels, Zach Cregger e Cooper Raiif que seguiu a sua obra de estreia Shit House com o já mais maduro Cha Cha Real Smooth, uma das agradáveis surpresas de 2022.
Francisco Sousa
Os Melhores de Yuri Lins
- Il Buco, Michelangelo Frammartino
- The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft, Werner Herzog
- Adeus Capitão, Vincent Carelli e Tita
Fazer uma lista de melhores filmes do ano é sempre um ato ingrato. Não temos acesso a todos os filmes que a vastidão do mundo abarca. Há de se imaginar que existam filmes secretos, verdadeiras obras-primas, que escapam ao esquemas de lançamento capitaneados pela máquina capitalista. Um outro problema: por não dispor de tempo para ver todos os filmes que me interessaram, precisei fazer escolhas, limitar minhas opções e concentrar meus interesses. 2022 foi um ano em que assisti a pouquíssimos lançamentos, preferindo ficar enclausurado com os filmes do passado, aqueles que contém uma gravidade e uma transcendência que, por vezes, é preciso garimpar arduamente nas obras do presente. Isto posto, minha lista se restringe a 3 filmes onde percebo estes sentimentos de outrora.
“ll Buco”, de Michelangelo Frammartino, é de uma simplicidade que fascina e atordoa. Sua câmera atenciosa e paciente absorve as impressões do mundo sem a dissimulação de um academicismo contemporâneo. A montagem paralela entre as cenas de um ancião, de pele tão sulcada como as raízes da terra, e a expedição de um grupo de espeleologistas nas profundezas enveredadas de uma caverna, fala com muita precisão sobre o processo civilizatório, ou de como o desejo de conhecimento também carrega uma consequência colonizadora. Os espeleologistas, ainda que movidos pela paixão dos pioneiros, adentram à terra tal qual um vírus que se propaga no corpo do ancião. Todavia, a terra resiste quando o eco da voz dos antigos continua a se propagar no ar, ricocheteando nos campos, nas montanhas e no céu.
Em “The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft”, o realizador Werner Herzog reencontra a energia primitiva do cinema ao trabalhar sobre o material filmado pelos cientistas Maurice e Katia Krafft. Mais de 200 horas de imagens de expedições às bordas dos vulcões mais perigosos, verdadeiros documentos precisos onde a dedicação ao conhecimento e à natureza são conjugados no amor que existe entre o casal. Se já não é possível que o cinema volte a ser inocente, e se muito já se falou sobre sua morte, é com um requiem aos Krafft que Herzog demonstra como o cinema permanecerá existindo enquanto ele ainda estiver próximo às coisas do mundo e sendo realizado como um gesto de amor.
“Adeus, Capitão”, os realizadores Vincent Carelli e Tita fazem um retrato da vida de Krohokrenhum, líder do povo indígena Gavião, habitante do sul do estado do Pará. As filmagens feitas durante um longo período de convivência e amizade são receptáculos da presença, da sensibilidade e da luta de um homem cuja existência significa e significará todos os povos tradicionais que estão em risco de desaparecer. O filme é um grande requiem com um desejo militante: enquanto descreve com didatismo os processos que envolvem seu personagem na grande história, “Adeus, Capitão” também cumpre a vocação do cinema onde cada imagem é uma luta contra o esquecimento e a morte.
Yuri Lins
Os Melhores de Miguel Allen
- Licorice Pizza (2021), de Paul Thomas Anderson
- 소설가의 영화 / “The Novelist’s Film”, de Hong Sang-soo
- Il Buco (2021), de Michelangelo Frammartino
- The Fabelmans, de Steven Spielberg
- Nope, de Jordan Peele
- Ambulance, de Michael Bay
- 私をくいとめて / “Hold Me Back” / “Tempura” (2020), de Akiko Ohku
- 헤어질 결심 / “Decision to Leave”, de Park Chan-wook
- 인트로덕션 / “Introduction” (2021), de Hong Sang-soo
- Three Thousand Years Of Longing, de George Miller
- Crimes Of The Future, de David Cronenberg
- Armageddon Time, de James Gray
- Viens Je T’Emmène, de Alain Guiraudie
- 당신얼굴 앞에서 / “In Front of Your Face” (2021), de Hong Sang-soo
- Incroyable Mais Vrai, de Quentin Dupieux
- Bones and All, de Luca Guadagnino
- The Souvenir: Part II (2021), de Joanna Hogg
- X, de Ti West
- Occhiali Neri, de Dario Argento
O ano do grande sono. Godard e Straub morreram e, num mundo em ressaca pós-confinamento, 2022 teve uma produção cinematográfica das mais pobres de que há memória (ou então muito me escapou). Algumas grandes surpresas – com Jordan Peele e Michael Bay entre os melhores do ano -, regressos sempre animadores – Spielberg, Gray, ou até Argento -, um certo coreano a realizar filmes como se fossem vídeos entre amigos, e pequenas novidades aqui e ali. Feita a partir de Paris, a minha lista é composta por estreias em França no ano de 2022 (com a natural excepção de Vitalina Varela, e de “Roda da Fortuna e da Fantasia”). Alguns filmes datados de 2021 (e um de 2020!) mascaram o conjunto final com uma qualidade que pareceu faltar e muito este ano – tanto que a minha lista se limita, simbolicamente, a 19 filmes. Num conjunto inevitavelmente desanimador, os escolhidos reflectem uma evidente vontade de “voltar atrás”, de regressar a um cinema mais descomprometido, a um cinema que nos divirta de facto, a um cinema que (se) viva enfim nessas grandes salas escuras, comunitárias, e menos no sofá. De fora, algumas falhas minhas (EO, Chronique d’une liaison passagère – com Sandrine Kiberlain em proa, o cinema francês também deixa muito a desejar –, Bowling Saturne, ou Pacifiction), e filmes que, apesar de já muito difundidos, estreiam apenas em 2023 (como Aftersun ou TÁR).
Miguel Allen
Os Melhores de Rita Oliveira
1 The Banshees of Inisherin, Martin McDonagh
2 Tár, Todd Field
3 Corsage, Marie Kreutzer
4 Okul Tirasi / “Brother’s Keeper”, Ferit Karahan
5 Serre Moi Fort / Hold me Tight, Mathieu Amalric
6 Fogo-Fátuo, João Pedro Rodrigues
7 The Novelist’s Film, Hong Sang-soo
8 Herr Bachmann und seine Klasse / “Mr Bachmann and His Class”, Maria Speth
9 La Caja, Lorenzo Vigas
10 La Caída / “Dive”, Lucía Puenzo
11 Nope, Jordan Peele
12 El Planeta, Amalia Ulman
13 The Super 8 Years, Annie Ernaux e David Ernaux-Briot
14 Ouistreham / “Between Two Worlds”, Emmanuel Carrère
15 The Innocents, Eskil Vogt
16 Vieirarpad, José Mário Grilo
17 Murina, Antoneta Alamat Kusijanović
18 Armageddon Time, James Gray
19 Speak No Evil, Christian Tafdrup
20 Alma Viva, Cristèle Alves Meira
Que se mantenha eterna a polémica de elaborar pódios para os melhores e piores filmes do ano, mas que igualmente permaneça a oportunidade de dar a conhecer filmes que nos fizeram reforçar o sonho e a idealização do que para nós é o cinema. Nesta lista algo longa e incongruente, fui à Alemanha, à Áustria, a Espanha, à França, ao México, a Portugal e a muitos outros países que, do terror ao documentário, do musical à comédia, me permitiram atravessar fronteiras e confirmar que estou perante diversas formas de encarar a vida. Não vendo muita coerência na minha lista, visualizo sim histórias impressionantes, argumentos que me fizeram florescer sentimentos tão nobres como a paixão, mas também sensações de medo e desdém, sobretudo formas de estar e ser que, por vezes, invejo não serem minhas. A injustiça de eleger os melhores filmes depois de um ano cinematograficamente complexo, mas especialmente composto e reforçado nos mais diversos géneros fílmicos, faz com que as minhas escolhas incidam do terror (The Innocents e Speak No Evil) à arte (Vierarpad), do documentário (Il Buco e O Professor Bachmann e a Sua Turma) à música (TÁR) mas também em fantasias mais ou menos realistas (Fogo-Fátuo e Corsage) e até mesmo filmes que meteram muita água (Murina e La Caída).
Rita Oliveira