Podia organizar as escolhas geograficamente (Coreia do Sul, Espanha, Alemanha, França, USA, Itália, Japão, Canadá, Argentina e Portugal). Ou agrupá-las entre suspiros (quase) finais de autores consagrados (Erice, Moretti, Miyazaki, Friedkin e Vecchiali), confirmações de autores estabelecidos (Sang-soo x3, Petzold, Linklater, Haynes, Shyamalan, Schanelec, Reichardt e Denis) e descobertas de novos autores (Depesseville, Craig, Citarella, Ball e Nobre). Ou sistematizá-las por géneros (drama, coming of age, comédia, animação, terror).
Mas parece-me mais enriquecedor estabelecer pontos de ligação reveladores de determinadas tendências. E o tema transversalmente mais identificável na lista de filmes que selecionei é o poder e a crença na ficção, os papéis que desempenhamos e a identidade. Dois filmes exploram esta ideia de forma genial e explícita, Hit Man, regresso em grande forma de Richard Linklater e May December. Mas é um traço comum aos 3 filmes de Hong Sang-soo, fazem parte da matéria do seu cinema. Presente também nas dinâmicas socialmente constrangedoras de Roter Himmel, nas fantasias do protagonista do último Miyazaki, ou no mais recente exercício de Shyamalan. Na busca pela verdade dos factos de The Caine Mutiny Court-Martial, na devastadora despedida de Vecchiali, nas histórias dentro de histórias de Trenque Lauquen e na fábula de Eugène Green.
Para além dos 20 filmes citados poderiam figurar igualmente na lista: Showing Up, de Kelly Reichardt, À Plein Temps, de Eric Gravel; Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois, de João Pedro Rodrigues e Rui Guerra da Mata; Master Gardener, de Paul Schrader; Detective vs. Sleuths, de Wai Ka-fai; Don Juan, de Serge Bozon; Anatomie d’une Chute, de Justine Triet; Mudos Testigos, de Luis Ospina e Jerónimo Atehortúa Arteaga; Mad Fate, de Soi Cheang; e Estranho Caminho, de Guto Parente.
Por outro lado, cingindo-me às estreias nacionais (em sala, streaming e festivais), ficaram infelizmente por ver: Tenéis que Venir a Verla, de Jonás Trueba; Saint Omer, de Alice Diop; Gigi la Legge, de Alessandro Comodin; Shin Ultraman, de Shinji Higuchi; No Bears, de Jafar Panahi; John Wick: Chapter 4, de Chad Stahelski; L’Été Dernier, Catherine Breillat; Menus Plaisirs – Les Troisgros, de Frederick Wiseman; Allensworth, de James Benning; Gli Ultimi Giorni dell’Umanità, de Alessandro Gagliardo e Enrico Ghezzi; Revolution+1, de Masao Adachi; O Canto das Amapolas, de Paula Gaitán; Los Delincuentes, de Rodrigo Moreno; e Evil Does Not Exist, de Ryusuke Hamaguchi.
Ficam então as minhas escolhas de melhores filmes de 2023, encabeçadas pelo sorriso de Kim Min-hee.
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Os Melhores Filmes de 2023
01 The Novelist’s Film / O Romancista e o Seu Filme, de Hong Sang-soo
02 Cerrar los Ojos / Fechar os Olhos, Víctor Erice
03 Roter Himmel / Afire, Christian Petzold
04 Astrakan, David Depesseville
05 Hit Man, Richard Linklater
06 Il Sol dell’Avvenire / O Sol do Futuro, Nanni Moretti
07 May December / Notas de um Escândalo, Todd Haynes
08 The Boy and the Heron / O Rapaz e a Garça, Hayao Miyazaki
09 Knock at the Cabin, M. Night Shyamalan
10 Are You There God? It’s Me, Margaret., Kelly Fremon Craig
11 in water, Hong Sang-soo
12 The Caine Mutiny Court-Martial, William Friedkin
13 Walk Up, Hong Sang-soo
14 Music, Angela Schanelec
15 Skinamarink, Kyle Edward Ball
16 Bonjour la Langue, Paul Vecchiali
17 Le Mur des Morts, de Eugène Green
18 Trenque Lauquen, Laura Citarella
19 Cidade Rabat, Susana Nobre
20 Avec Amour et Acharnement, Claire Denis
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Como o cinema não se mede aos palmos e foi no formato de curta-metragem que tive algumas das melhores experiências cinematográficas do ano, enumero as 6 curtas de 2023 que deixaram maior impacto.
As Filhas do Fogo, Pedro Costa
Film Annonce du Film qui n’Existera Jamais : « Drôles de Guerres », Jean-Luc Godard
Mnemosyne, Mário Fernandes
The Hidden Gesture. War and Melodrama in Hollywood’s 30s and 40s, Dana Najlis
O Rio e seu Labirinto, Ian Capillé
LES ILLUMINATIONS, Isao Yamada
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Por fim, deixo-vos com os melhores filmes vistos pela primeira vez em 2023, sublinhando mais uma vez o extraordinário trabalho da The Stone and The Plot, do Daniel Pereira e do Miguel Patrício para trazer às salas de cinema nacionais autênticas pérolas escondidas do cinema japonês.
Os Verdes Anos (1963), Paulo Rocha
Sound in the Mist (1956), Hiroshi Shimizu
A Time to Love and a Time to Die (1958), Douglas Sirk
Pat Garret & Billy the Kid (1973), Sam Peckinpah
La Prima Notte di Quiete (1972), Valerio Zurlini
Vilarinho das Furnas (1971), António Campos
A Bay of Blood (1971), Mario Bava
Du Côté d’Orouët (1971), Jacques Rozier
Forever a Woman (1955), Kinuyo Tanaka
Dalla Nube Alla Resistenza (1979), Jean-Marie Straub & Danièle Huillet
Benilde ou a Virgem Mãe (1975), Manoel de Oliveira
Mes Petites Amoureuses (1974), Jean Eustache
PS: menção honrosa para a primeira experiência cinematográfica em sala do meu filho, 101 Dálmatas na Cinemateca Portuguesa.