A ligação entre Natal e Cinema existe desde 1898. Foi esse o ano em que o britânico George Albert Smith realizou Santa Claus: uma curta de 1 minuto e 16, que mostrava o velhote mais adorado do mundo a descer da chaminé para entregar presentes a dois irmãos. Desde então, muitos realizadores deram o seu contributo, com as mais variadas propostas, para estreitar o laço entre a Sétima Arte e a quadra que transcendeu a sua origem religiosa para se tornar uma das mais adoradas e celebradas em todo o mundo.
Este ano, a Tribuna do Cinema reuniu-se dar uma prenda aos leitores que procuram um bom filme para celebrar em família ou, quem sabe, uma proposta mais alternativa para explorar o tema do Natal por outros ângulos. Reorganizando e acrescentando novas sugestões à primeira lista que criámos, em 2022, contámos com o contributo de todos os tribunos – os novos e os veteranos – para um leque verdadeiramente eclético de opções, que espelha as diferentes sensibilidades da nossa equipa. Esperamos que gostem e, como sempre, desejamos-vos “Merry Christmas, Ya Filthy Animals!”
31° Jingle All The Way(1996) de Brian Levant
Os anos 90 foram frutíferos para os heróis americanos de acção que por vezes faziam uma perninha em comédia. Schwarzenegger não foi excepção. Jingle All The Way não é um grande filme, nem sequer é a melhor comédia do ex-governador da Califórnia, mas existe um certo guilty pleasure em ver Schwarzenegger correr de loja em loja na véspera de Natal em autênticos combates com outros pais em busca do esgotado Turbo Man, o brinquedo que todos os miúdos querem esse Natal. É um filme diabólico sobre consumismo, sim, mas é tão idiota que consegue dar a volta e sair por cima, fazendo parte do subgénero “tão mau que é bom”.
David Bernardino
30° Moonstruck (1987) de Norman Jewison
Moonstruck é uma comédia romântica que tem no seu centro o romance entre Loretta (Cher num dos seus papéis mais icónicos) e Ronny (Nicolas Cage exuberante como sempre). No entanto, o segredo deste filme está na atenção que o argumento de John Patrick Stanley dá a personagens secundárias que vivem ao redor dos protagonistas e que emprestam a este filme um nível de autenticidade muitas vezes ausente. Seja os pais de Loretta (Olympia Dukakis e Cosmo Castorini) que lidam com a infidelidade do marido, os tios ou o professor universitário que sabe que os seus esforços de seduzir alunas são fúteis, Moonstruck reúne vários romances que convergem na cena final do filme, uma refeição onde toda a família está reunida à volta da mesa, qual ceia de Natal.
Francisco Sousa
29° Distant Voices, Still Lives (1988) de Terence Davis
Quando Pete Postlethwaite, o patriarca da família retratada em Distant Voices, Still Lives, decora a árvore de natal enquanto os filhos, em pose de grupo, lhe dão as boas noites, é provavelmente a única vez que o vemos sorrir. A primeira longa de Terence Davies cristaliza a memória de um homem imperfeito de uma forma tão clara, com uma visão tão poderosa, num olhar que tem tanto de infantil como de adulto. Ele próprio irmão mais novo de nove outros filhos de um casal profundamente católico de Liverpool, Davies retrata a sacralização dos rituais da família de classe trabalhadora inglesa, com o mesmo respeito e reverência com que John Ford havia tratado a cerimónia americana. O ritual é estruturante e confere previsibilidade e conforto, mas também o poder da música e dos cânticos, tão presentes que estão no natal, define cultura e identidade. Quando Postlethwaite decora a árvore de natal, Distant Voices tem cor. Uma cor quente numa casa quente. Um filme de uma visão soberba, diferente de todos os outros.
Hugo Dinis
28º The Holdovers (2023) de Alexander Payne
O mais recente filme de Alexander Payne, e o filme mais recente nesta lista, é um marco inesperado no panorama dos filmes de Natal, e um regresso à forma do cineasta americano. Numa carreira pautada pela exploração da complexidade das relações humanas, sempre com um tom agridoce, Payne conta uma história cativante que desafia os padrões tradicionais do género. Com Paul Giamatti no papel de um rigoroso professor, numa das suas melhores performances, o filme retrata a solidão e os laços improváveis que surgem num período onde a celebração, a família, e o companheirismo nem sempre estão garantidos. Não há neve idílica ou música festiva, mas o espírito natalício está presente na empatia que cresce entre os protagonistas e na mensagem de que ninguém deveria enfrentar esta época do ano sozinho. O filme rejeita o sentimentalismo fácil, optando por uma melancolia calorosa que o coloca ao lado de obras como Do Céu Caiu Uma Estrela, na forma como celebra redenção e conexão humana.
Francisco Sousa
27º Home Alone 2: Lost in New York (1992) Chris Columbus
Ao invés de voar para a Florida com os seus inúmeros familiares, Macaulay Culkin (Kevin) acaba por passar mais um Natal sozinho, mas desta vez em Nova Iorque. É na dicotomia alone but not lonely que Chris Columbus garante a continuidade da rebeldia extravagante deste pequeno adulto. É na cidade que nunca dorme que Kevin McCallister põe em prática a experiência ganha em Home Alone, e mais uma vez responde com tropelias, artimanhas e astúcia ao reencontro com os seus Wet Bandits, Harry e Marv, que estão determinados a roubar uma loja de brinquedos na véspera da noite de natal. Apesar de Nova Iorque ser a cidade que melhor representa a estética do Natal, é no espaço interior do The Plaza Hotel que esta sequela se torna icónica, principalmente na forma equilibrada e na distribuição de cenas existentes entre Kevin e os ladrões, mas também entre Kevin e a inquisição hoteleira. Os avanços e recuos e o modo intrometido como os empregados do Hotel tentam desmascarar Kevin, tornam todo o alarido em torno do jovem justificado. Na verdade, é um adolescente, está sozinho e está instalado, em pleno Natal, num Hotel com mais estrelas que a capacidade do cartão de crédito do pai. Mas Kevin vai ser sempre Kevin e é perdoado pela determinação em frustrar os planos maquiavélicos dos bandidos. Home Alone 2: Lost In New York é mais um filme intemporal desta saga, cuja popularidade tem sido espremida nas últimas décadas como filme de culto para qualquer geração, nesta quadra familiar. Uma quadra que se espera menos rebelde do que o filme em questão.
Rita Cadima de Oliveira
26° The Christmas Chronicles (2018) de Clay Kaytis
Kurt Russell a fazer de Pai Natal devia ser razão mais que suficiente para ver The Christmas Chronicles, mas a verdade é que este é mesmo um dos melhores filmes de Natal para toda a família dos anos recentes. Dois irmãos, o adolescente, mais velho, que não acredita no Natal depois da morte do seu pai, e a sua irmã mais nova, que está decidida a provar que o Pai Natal existe, unem esforços com o barbudo Kurt Russell para salvar o Natal em tempo-relógio. Temos perseguições de renas, momentos musicais fora da caixa e muitas mensagens de amor natalício. Perfeito para ver nas tardes lentas de dia 25.
David Bernardino
25° The Sign of the Cross (1932) de Cecil B. DeMille
Em jeito de tradição, é comum na quadra natalícia encontrarmos por diferentes canais de televisão a exibição de épicos romanos e bíblicos. Fazendo fé no gosto dos programadores, estranha-se que “The Sign of the Cross” não goze ainda da popularidade de um “Ben-Hur”, um “The Ten Commandments”, entre outros. Muitos terão a pompa e o gládio, outros tantos sublinharão o mártir e o verbo, mas poucos ambicionaram caminhar verdadeiramente pela fé e ainda menos encarar a virtude como este filme de Cecil B. de Mille.
Debaixo da loucura de Nero, que consome Roma, longe dos caprichos de Claudette Colbert, amparada numa célebre piscina de leite de burra, esconde-se uma complicada paixão entre o prefeito de Roma e uma inocente moça cristã. A idolátrica romana tem muitos talentos…em sonhos, em intermináveis sonhos…onde a tortura é doce… Imagens prazerosas tomam o ecrã, tentando-nos pela sua imponência e imprevisibilidade. Alto! O romance conhece agora uma nova arena. Somos convidados para uma festa repleta de atrações, onde não faltam boa comida e bom espetáculo. Entre a fanfarra, vozes levantam-se falando de uma alegria e um amor sempiternos. O par é agora invadido por uma nova excitação, já não ouvem, já não os vemos. Que mais tem o filme para mostrar? A cruz brilha, a terra arde.
Eduardo Magalhães
24° The Bells of St Mary’s (1945) de Leo McCarey
Há um gozo enorme na simplicidade. É nela que a beleza atinge uma tal força que supera qualquer forma. “The Bells of St. Mary’s” é um suave milagre, vestígio de uma era inesperadamente familiar. Mães e filhas distantes, pais desencontrados, rapazes em bolandas – quantos não verão na estação fria e nevosa, que o filme retrata, um calor imensamente reconfortante? Da natividade improvisada às sereníssimas irmãs, tudo soa cristalino no tempo e no modo certos.
Há também que saber dar um murro para, de seguida, dar a outra face. Perceber que, apesar do registo proverbial, tudo tem uma idade e um lugar, pelo que não vale a pena rebobinar uma lição já aprendida. Mais ainda, em “The Bells of St. Mary’s”, todos os rostos compartilham a provação, na qual o choro e o riso se revelam como as duas faces da mesma. Luminosa, Ingrid Bergman persiste inabalável. Já Bing Crosby que entende que aqui há gato quando uma mulher insiste na gargalhada, ao ver as irmãs partirem… os seus olhos cedem, apaixonados, à contemplação. A beleza existe! Obrigado, Leo McCarey.
Eduardo Magalhães
23° Merlusse (1935) de Marcel Pagnol
A simplicidade e a beleza dos actos de amor são reproduzidas neste filme que tem tanto de terno como de malévolo. Merlusse é um filme evocativo da redenção e do perdão como símbolos máximos daquilo que é o Natal e que deveria ser, sobretudo, a vida. Neste filme, um grupo de alunos é deixado à mercê do internato onde vive, não podendo passar o Natal perto da sua família. Alguns rejeitados, outros órfãos, acostumados à rigidez e à repressão dos seus autoritários professores, sofrem por antecipação nesta véspera de Natal já atormentada. Constatando que terão de a passar na pesarosa presença do mal amado Professor Merlusse, um homem disforme, estranho e que os apavora com o olhar. A véspera de Natal é, sem dúvida, diferente para estes jovens. Até austera. Mas o mais improvável acontece na madrugada, que se torna mágica, quando todos eles acordam rodeados de presentes no dormitório. Marcel Pagnol entrega ao Professor Merlusse o significado do Natal, concedendo-lhe toda a humanidade e bondade num gesto físico, mas sobretudo simbólico, que é o de dar mais do que se tem. O que o Professor Merlusse recebe em troca é ainda mais significativo, pois todas as crianças reflectem o quão errado é presumir e julgar alguém pela sua aparência física, quando a maior bravura é aprender a conhecer o interior dos nossos semelhantes.
Rita Cadima de Oliveira
22° Ikiru 生きる (1952) de Akira Kurosawa
O significado a ser atingido pela força do propósito que são os outros. Ikiru representa a primeira abordagem de Kurosawa ao tema da morte, que depois viria a repensar em vários outros trabalhos no final da carreira (Dodes’ka-den e Rhapsody in August). Contado em dois actos, o primeiro desde que Kanji Watanabe (Takashi Shimura) sabe da sua doença terminal até de facto falecer, o segundo em flashbacks que preenchem os espaços da história que ficaram por contar durante o seu velório, ao estilo Mankiewicz. Aqui, Kurosawa deliberadamente reflecte sobre o seu legado. Muito mais um filme invernal que propriamente natalício, Ikiru força o espectador a confrontar a indiferença da máquina burocrática perante o desafio de um homem apenas: de facto, Watanabe pensa no suicídio (como Kurosawa eventualmente o faria). No contexto de uma sociedade profundamente empenhada na deificação da cultura laboral, não é de espantar que Kurosawa veja em Watanabe a personificação da poesia da rejeição do normativo. Devastador e cintilante.
Hugo Dinis
21° Batman Returns (1992) de Tim Burton
O tema da natividade, no seu sentido identitário, está presente em todo o universo dos super-heróis. Estes, como os seus vilões, têm histórias de origem que configuram o nascimento das personas que realmente os virão a definir. Seria, realmente, uma questão de tempo até alguém problematizar esta temática tendo a quadra natalícia como pano de fundo. É o que Batman Returns propõe, em diversas instâncias, ainda que sempre pelo ângulo da negatividade. Em choque direto com muitas convenções dos franchises do género, e questionando os próprios valores natalícios, Tim Burton oferece-nos uma verdadeira subversão, um nega-Christmas em torno de 3 pessoas profundamente solitárias, órfãs, que procuram, na violência e na materialização dos seus desejos mais obscuros, um escape para as suas dores. No mais negro dos natais, conhecemos o outro lado das luzes (o resultado dos esquemas misantrópicos de um milionário corrupto), um retorcido Pai Natal, que vem dos esgotos, e não dos céus, para levar crianças, ao invés de as presentear, e uma neve implacável, nunca romântica – leito de morte e renascimento de uma mulher violentada; “enfeite” do rio de negligência e preconceito de uns pais fúteis, que quase leva (e definitivamente molda) um recém-nascido; materialização da alienação psicológica de Bruce, Selina e Oswald. Todos renascidos do frio da solidão, cada um degenerado numa representação do seu id. As coreografias cartoonescas e as diatribes circenses da banda sonora de Danny Elfman não são uma suavização, mas uma última partida de Burton: uma ligeira camada cosmética para fazer passar por “filme de família” uma denúncia, carregada de innuendo sexual e de profunda mágoa, das mais diversas formas de violência social; da hipocrisia de valores lembrados e celebrados por decreto, em data marcada.
Gil Gonçalves
20° The Hudsucker Proxy (1994) de Joel Coen
Apesar da carreira de Joel e Ethan Coen (Este País Não É Para Velhos, Fargo) estar recheada de filmes aclamados pela crítica e pelos fãs, Hudsucker Proxy não costuma figurar no panteão dos realizadores norte-americanos. Com um argumento escrito em parceria com o amigo e realizador Sam Raimi (Evil Dead, Spider-Man), Hudsucker Proxy é uma comédia que segue Norville Barnes (Tim Robbins), um homem simples que se torna no presidente-fachada de uma enorme empresa onde, numa montagem genial realizada por Raimi, acaba por inventar o Hula Hoop. Uma história saída de um filme de Frank Capra (o filme presta homenagem de forma explícita a Do Céu Caiu Uma Estrela), em que o protagonista tem de combater o cínico e corrupto sistema capitalista americano, Hudsucker merece, quase 30 anos depois e no espírito natalício, ser revisto e reavaliado.
Francisco Sousa
19° The Night of the Hunter (1955) de Charles Laughton
Um padre, e serial killer, persegue duas crianças que sabem o local onde se encontra escondida uma avultada soma de dinheiro. A sinopse do único filme realizado por Charles Laughton aponta para tudo menos um filme de Natal. Mas a verdade é que cada plano de The Night of the Hunter parece retirado de um postal e que a narrativa nos encaminha no sentido da esperança, depois do confronto da inocência com a personificação do mal, encarnada magistralmente por Robert Mitchum. O filme terminar no dia da consoada não é coincidência.
Bruno Victorino
18º Fanny & Alexander (1982) de Ingmar Bergman
Esta é a única origin story possível para a obra do mestre sueco. A história de uma família que, lembrando Tolstói, é infeliz à sua maneira e que responde às questões “De onde vem o medo?”; “De onde vêm as clausuras mentais em que se encontram todas as mulheres e todos os homens bergmanianos?”. A reconhecível técnica dramatúrgica de descascar as camadas das personagens até as vermos em carne viva está presente em Fanny & Alexander, como em quase todas as obras do autor. Aqui, contudo, parte também do cenário (o idílico e sumptuoso Natal da família Ekdahl, encantador verniz de infelicidades múltiplas), e foca-se principalmente no peso que as revelações e mudanças familiares têm nas crianças. Fanny e Alexander crescem num ambiente fechado (quase toda a vivência acontece dentro de portas), e o seu desenvolvimento é marcado, desde tenra idade, por abusos de diferentes dimensões, pelo contacto prematuro com a morte, pela religião enquanto motor de repressão e por uma etiqueta que constrange quase todos os momentos das suas vidas. Eis a sua preparação para o mundo dos adultos, no tempo, cultura e estrato social nos quais nasceram. Por vezes leve e divertido, outras cruel e opressivo, este filme alude aos fantasmas a que muitas vezes nos entregamos, na infância, para fugir a uma realidade demasiado dolorosa. Dessas dores resulta uma cisão irreversível da alma, sim, mas também surgem outros Natais, isto é, os despertares para interesses e talentos que nos podem não só manter à tona, mas também valorizar-nos. No caso de Alexander (alter ego de Bergman), falamos da descoberta do teatro e das suas possibilidades de reescrita de (e reconciliação com) um passado traumático.
Gil Gonçalves
17° Meet Me in St. Louis (1944) de Vincente Minnelli
Um ano na vida da família Smith. Minnelli acompanha-nos ao longo das quatro estações do ano, mas o destaque vai inquestionavelmente para o inverno. É durante a quadra natalícia que a família – mãe, pai, quatro filhas, um filho – tem que decidir entre ficar na pacata St. Louis ou mudar-se para a próspera Nova Iorque. Na véspera de Natal, Esther, interpretada pela ímpar Judy Garland, tenta tranquilizar a pequena Tootie com a canção “Have Yourself a Merry Little Christmas”. Comovente, melancólica, receosa do futuro e, por certo, a mais famosa canção de Natal do cinema.
Pedro Barriga
16° A Charlie Brown Christmas (1965) de Bill Melendez
Qual é o verdadeiro significado do Natal num mundo focado nos aspectos mais “comerciais” da quadra? Charlie Brown sente-se deprimido, sem conseguir partilhar a alegria dos amigos que, em sintonia, patinam sobre o lago gelado. A sua psiquiatra (Lucy van Pelt, 5 cêntimos a consulta) sugere-lhe que se envolva num “projecto maior” e impõe-lhe a direcção da peça de Natal. Desenquadrado, Charlie não conseguirá, contudo, motivar a sua equipa e provocará, pelo contrário, o escárnio dos amigos ao apresentar-lhes a mais tímida árvore de Natal — que, imagine-se, não é feita de alumínio nem cor-de-rosa… “Boy, are you stupid, Charlie Brown.” Será então pela iluminada voz de Linus, que recita a Anunciação aos Pastores, que tudo terminará em alegria, com um encantador, comovente, e natalício Hark! The Herald Angels Sing em coro. As estrelas e a neve, e os sorrisos dos amigos. Um filme sobre essa “favorite time of the year” para os mais pequenos, mas, sobretudo, um comentário bem-humorado sobre o mundo dos adultos, pela boca das crianças. Primeira curta-metragem de animação para os Peanuts de Charles M. Schulz, maravilhosamente acompanhada pelo jazz de Vince Guaraldi (que não é Beethoven, é certo, mas também “everyone talks about how ‘great’ Beethoven was. Beethoven wasn’t so great.“). “That’s what Christmas is all about, Charlie Brown.”
Miguel Allen
15° Carol (2015) de Todd Haynes
Está frio. Lá fora, neva. A azáfama das compras invade as ruas. Gorros de Pai Natal surgem por todo o lado. Mesmo com todos os adereços típicos da época, Carol pode não ser visto como o típico filme de Natal. Mas Todd Haynes transforma a Manhattan dos anos 50, coberta de neve e de luzes natalícias, no cenário perfeito para uma história de amor tão delicada quanto um adorno de vidro para o pinheirinho. Por detrás das decorações festivas e das luzes cintilantes, o filme retrata uma época de revoluções silenciosas, em que o calor do Natal contrasta com a frieza de uma sociedade relutante em aceitar um amor como o de Carol e Therese. As paisagens invernais são geladas, sim, mas suavizadas pelo brilho da intimidade e pela promessa tremeluzente de liberdade, de amor. O Natal é filmado como um período de transformação, um momento em que se quebram barreiras e se revelam verdades com a mesma expectativa com que se desembrulham presentes. Em Carol, Todd Haynes relembra-nos de que esta é não só uma altura para celebrar, mas também para amar sem restrições. No quadro de honra dos filmes de Natal, Carol mais do que merece o seu lugar como um hino belo e melancólico à coragem de viver e sentir plenamente.
Carla Rodrigues
14º Edward Scissorhands (1990) de Tim Burton
Eduardo Mãos-de-Tesoura é como um globo de neve que, ao ser agitado, nos envolve nos flocos da imaginação singular de Tim Burton, ainda fresca e irreverente em 1990. Burton pega na monotonia suburbana dos EUA e transforma-a num mundo pastel que balança entre a realidade e o conto de fadas. Aqui, o Natal está nas luzes cintilantes que se refletem nas mãos de tesoura de Edward, na inocência do seu olhar, na neve impossível que cai enquanto ele esculpe as suas obras geladas, na atmosfera encantada que se aproxima de uma história para adormecer. Mas não é daqueles filmes de Natal açucarados que nos convidam a comer rabanadas à lareira. A magia de Eduardo Mãos-de-Tesoura está na sua ousadia em expor o lado mais superficial e intolerante da sociedade, mesmo no meio de um ambiente de fábula. Por mais paradoxal que pareça, é através do seu universo de fantasia que o filme nos oferece uma reflexão crua e, por vezes, sombria sobre a realidade. Captura a beleza dolorosa do Natal— a solidão de ser diferente numa época que deveria ser sinónimo de acolhimento e união, mas também a magia que uma ligação genuína pode trazer quando um coração se abre à possibilidade. A neve de Edward transforma-se no mais improvável dos milagres natalícios, tornando este filme na canção de Natal definitiva de Burton: inquietante, comovente e inesquecível.
Carla Rodrigues
13° Three Godfathers (1948) de John Ford
Pois é, um western natalício. E quem senão John Ford para conseguir conjugar os elementos de um género aparentemente distante da quadra festiva de forma tão eloquente. Três caçadores de recompensas (um deles John Wayne, naturalmente) em fuga das autoridades pelo deserto, deparam-se com uma mulher às portas da morte e o seu recém nascido filho. Os três companheiros apadrinham a criança, comprometendo-se a levá-la para um porto seguro, mesmo colocando a sua própria vida em risco. As referências à Bíblia e a Jerusalém são frequentes e os três “reis magos” tudo fazem para cumprir o seu desígnio, devolvendo alguma humanidade aos seus pecaminosos atos.
Bruno Victorino
12° The Dead (1988) de John Huston
O mais belo dos últimos filmes, John Huston filma uma noite de reis (a “Epifania”) na casa das Tias Morkan. Dublin em 1904, uma reunião de família e amigos, revivem-se memórias, entre danças e canções, ou à mesa, durante um tradicional jantar de ganso (sem puré de maçã). Uma neve doce parece cair, lá fora, na noite escura, e peça a peça, ou trecho a trecho, o filme constrói um retrato íntimo e sensível da sociedade e identidade irlandesas no início do século XX: política, cultura e arte, religião e amor. Baseado numa adaptação (pelo seu filho, Tony Huston) de um conto de James Joyce (parte de Dubliners, 1914), o estilo de Huston é aqui de apurada simplicidade. Pondo em relevo as palavras do texto original, o filme concentra a nossa atenção nas veladas, e importantes, revelações, por cinema, que vão sendo progressivamente trabalhadas. Será pela chama das velas que acaricia o rosto de Mary Jane (Ingrid Craigie), ao piano, será pela expressão enigmática de Gretta (Anjelica Huston), que segue o poema gaélico declamado por Mr. Grace (Sean McClory, numa personagem acrescentada à história por Huston), será nos objetos silenciosos da casa, durante a canção de Bellini pela voz tão, tão frágil, da Aunt Julia (Cathleen Delany). E será em todos os cuidados ou desconforto em torno de Freddy (Donal Donnelly), ou no assumido nervosismo de Gabriel (Donal McCann) quanto ao “medíocre” discurso que preparara, ou ainda no impossível plano subjetivo das “tias”, quando congratuladas pelos seus convidados. Huston opera como que pequenos milagres de mise-en-scène que parecem desvendar, entre cada figura por aquela casa, ou a cada gesto, um mundo secreto de sentimento. Pelo seu trecho final, um tocante adeus do realizador à arte e ao mundo. Um longo plano de Gretta ao som de The Lass of Aughrim, e aquele monólogo final de Gabriel sobre as imagens de um país adormecido.
“Snow is falling. Falling in that lonely churchyard where Michael Furey lies buried. Falling faintly through the universe and faintly falling, like the descent of their last end, upon all the living, and the dead.”
Miguel Allen
11° Gremlins (1984) de Joe Dante
Vésperas de Natal em Kingston Falls, Pensilvânia. Azevinho sob neve fofa, e canções em coro a cada porta. Bing Crosby na rádio, It’s A Wonderful Life na televisão. E monstrinhos verdes que destroem tudo à sua passagem. Retrato pop de americana às avessas pela mais absurda figura de horror. Uma irresistível pândega cinematográfica, bem-humorada, violenta e extravagante, movida pelo olhar atrevido, pulp, de Joe Dante, pupilo de Corman e de tradição despudoradamente B. Gizmo, esse adorável mogwai, e os assustadores Gremlins são hoje figuras essenciais da cultura popular dos anos 80. Mas será francamente impossível encontrar no cinema “comercial” deste século, um filme tão perfeitamente descarado, e tão descaradamente perfeito, cujo fundo e fonte sejam especificamente cinéfilos e, nisso, populares.
Miguel Allen
10° Ma Nuit Chez Maud (1969) de Éric Rohmer
Um filme falado, da mais sublime simplicidade, em profunda interrogação moral. Amor, religião, e sexo, com a “aposta” de Blaise Pascal enquanto principio teorico de fundo. Na noite escura de Natal, o manto branco de Dreyer cobrirá a tela, e Rohmer desvendará milagres insondáveis no rosto de Maud (Françoise Fabien). Interior e interiores, Rohmer despe a imagem a negros densos e brancos crus, concentrando a acção nos corpos e rostos dos personagens, nas suas longas conversas, nas suas histórias. A profunda melancolia de Maud, os jogos pueris de Jean-Louis (Trintignant), o olhar hesitante de Françoise (Marie-Christine Barrault), Ma Nuit Chez Maud é um filme opaco mas sensível, triste mas romântico. Abrindo sob a neve branca, o precioso e preciso desenlace chegará numa cena estival de praia, que traçará enfim o arco entre os diferentes personagens. Conto moral e do acaso, um filme sobre religião, e um filme de fé : aquela que nos impele ao amor, aquela que nos falta quando o amor morre.
Miguel Allen
9° Conte d’hiver (1992) de Éric Rohmer
É a época natalícia – Paris, terrivelmente monocromática – e Felicie não se consegue entregar a nenhum dos seus companheiros românticos. O seu coração pertence a outro: a Charles. Por mais que tente, não consegue esquecer o romance veranil de que desfrutaram há 5 anos – costa francesa, incrivelmente colorida. Uma morada incorreta – eis o tão rohmeriano elemento do acaso – separa os dois amantes e deixa Felicie dentro de um conto de inverno, mas com a cabeça no verão. Um limbo auto-inflingido entre seguir em frente com a vida ou esperar pelo regresso do príncipe encantado. Conte d’hiver é um verdadeiro conto de fadas, ou pelo menos é o mais próximo de um que Rohmer alguma vez esteve.
Pedro Barriga
8° Klaus (2019) de Sergio Pablos
Jesper é o preguiçoso filho do diretor-geral dos Correios. Como castigo, seu pai nomeia-o carteiro de Smeerensburg, uma vila situada numa ilha distante, gélida e em permanente rebuliço. É aqui que Jesper descobrirá a origem por detrás do Pai Natal. Nesta sua primeira longa, o espanhol Sergio Pablos opta por um regresso à animação desenhada à mão. O resultado é lindíssimo, desde as cores aos cenários, desde as luzes às sombras. A palete do filme vai evoluindo de fria para quente, à medida que Jesper e Klaus mudam a vila de Smeerensburg para sempre. Um filme bonito, comovente, divertido e, talvez um dia, um clássico de Natal.
Pedro Barriga
7° The Shop Around the Corner (1940) de Ernst Lubitsch
O mais doce dos filmes. Sob uma neve branca perfeita, aquela véspera de Natal na “Matuschek & Company” será feliz e de grande optimismo, mesmo se construída sobre todas as lágrimas do ano que passou. Esperança e desilusão, anseio e ambição. Família e comércio, amor e engano. O “descaramento” de Lubitsch poderá até se mostrar nas manhas de Kralik (James Stewart), mas é impossível não apoiar o paradoxo feliz evocado por Klara (Margaret Sullavan), tal a graça musical com que cada cena nos é oferecida (veja-se o progressivo apagar das luzes para a revelação final). Entre portas que se abrem e fecham, aquele pequeno comércio será um mundo de sentimento, com cartas de amor secreto que se trocam inocentemente sob os olhos de todos. Lubitsch faz-nos, como ninguém, chorar de alegria e tristeza, naqueles maravilhosos momentos em que tudo aconteceu, entre dois desconhecidos tão próximos, na loja ao virar da esquina. Um dos pontos mais altos do “Lubitsch touch”.
Miguel Allen
6° Black Christmas (1974) de Bob Clark
Black Christmas merece estar nesta lista por várias razões. O filme de Bob Clark, de 1974, é considerado por muitos o primeiro slasher de terror norte americano de todos os tempos, precedendo o muito mais conhecido The Texas Chainsaw Massacre, e tem como pano de fundo precisamente o Natal, mais concretamente um grupo de universitárias que são perseguidas por uma figura misteriosa e arrepiante nas férias de Natal. Além de slasher, Black Christmas é também um filme exploitation repleto de violência e crueldade que irá satisfazer uma noite de Natal alternativa às alegrias familiares. Um filme de culto que inspirou Carpenter a realizar Halloween.
David Bernardino
5° Home Alone (1990) de Chris Columbus
Home Alone é um filme intemporal, cuja popularidade tem sido arrastada nas últimas décadas como filme de culto para qualquer programa televisivo nesta quadra familiar. Talvez mais icónico do que tecnicamente perfeito, Home Alone é uma comédia natalícia que garante animação aos mais jovens e nostalgia aos mais graúdos. A premissa é simples, mas revelou-se vencedora. Kevin, um jovem de oito anos, é esquecido pelos pais e irmãos em pleno voo para Paris. As férias de Natal de sonho da família McCallister ficam destruídas para ambas as partes, mas é o pequeno adolescente quem mais se diverte com este imprevisto. Ao ficar sozinho em casa, Kevin é alvo da tentativa de assalto de dois hilariantes e desorganizados bandidos. Ao longo de toda a narrativa, o jovem adolescente arquitecta armadilhas, esparrelas e estratagemas, criando uma verdadeira batalha campal em busca da defesa do seu território mas também da sua fraca figura em contraste com a destes impostores. Sádica é também a forma como este miúdo se defende, visto que através de uma chamada para a Polícia local, poderia ter evitado o melhor filme de Natal que já vimos até hoje e que nunca nos iremos importar de repetir.
Rita Cadima de Oliveira
4° Die Hard (1988) de John McTiernan
O eterno debate: Die Hard é ou não um filme de Natal? A resposta é sim, e que filme! Die Hard marcou toda uma geração com os seus 40 andares de adrenalina no Nakatomi Plaza e estabeleceu Bruce Willis como um herói do cinema de acção. Realizado por John McTiernan (Predator, Last Action Hero), Die Hard é icónico por inúmeros motivos. Desde a personalidade anti-herói e as one liners de John McClane, ao terrorista morto com chapéu de Pai Natal no elevador com a mensagem a sangue “Now I have a machine gun. Ho-ho-ho.”, passando pela frieza arrepiante de Alan Rickman e o seu Hans Gruber, este tornou-se um filme de culto que marcou o género e que é presença recorrente nos tops não só de acção como de… Natal.
David Bernardino
3° The Nightmare Before Christmas (1993) de Henry Selick
The Nightmare Before Christmas é uma fantasia musical animada, repleta do obscurantismo e das trevas próprias de um cinema gótico e imediatamente associado à temática das bruxas, fantasmas e esqueletos que tão comummente caracterizam o Halloween. No entanto, nesta stop-motion, a temática principal é a descoberta do Natal como época representante da alegria e da felicidade, mas também da partilha, mesmo que, a princípio, seja entendida de uma forma diabólica por parte de Jack Skellington, o Rei das Abóboras. Confrontado com um novo mundo, até aí desconhecido, um mundo repleto de neve, cor e sorrisos, Jack acaba por não compreender o verdadeiro espírito harmonioso da quadra e traz para o seu reino a ideia errada do que é o Natal. A par da sua repetitiva exaustão no papel que desempenha na noite de Halloween, e desta se resumir a assustar fantasmas, duendes, vampiros, lobisomens e bruxas, Jack, faz do rapto do Pai Natal a sua maior investida, planeando ser ele o decisor das prendas que as crianças do reino irão receber. O estratagema maquiavélico é descoberto por Sally, que luta incessantemente para que este não consiga estragar o Natal a todas essas crianças. É um filme simbólico, sobre a aprendizagem e o perdão, que explora de uma forma tão macabra como divertida as temáticas do Natal e do Halloween, carregando-as de canções que nos ficam na memória. Não é um filme assinado por Tim Burton, mas todo ele é associado ao seu génio criativo e, na verdade, é inspirado num poema que o mesmo escreveu em 1982, tendo ficado a produção a seu cargo.
Rita Cadima de Oliveira
2° The Apartment (1960) de Billy Wilder
The Apartment, de Billy Wilder, traz-nos uma Nova Iorque a preto e branco, no ano de 1960, e recorda-nos aquele que deve ser o verdadeiro espírito do Natal, a união e a esperança no futuro mesmo em momentos adversos. Para muitos poderá não ser o filme de Natal perfeito, pois este Natal não é como gostaríamos que fosse, o seu foco não é a neve, os sinos, as bolas de natal e os enfeites de rua, ou até mesmo as lareiras quentes, mas oferece-nos o rigor do Natal verdadeiro e como é na realidade para muitos. Tão mundano quanto solitário, tão alegre quanto depressivo. Para Billy Wilder, esta época festiva oferece introspecção e rebeldia, momentos de gratidão mas também de crueldade. A mestria está na forma como consegue, sem grande esforço nem muita seriedade, fundir momentos de riso e sarcasmo com tragédias pessoais, e com delicadeza consegue fazer executar uma plena transição entre ambas. A sua capacidade de explorar de forma objectiva os costumes conservadores da década a par da forma subjectiva como insere a temática da crescente sexualização e emancipação femininas, propicia um recair de atenção nos conceitos de poder e de corrupção moral. Mas mesmo sem negar esta realidade pouco imaculada, é visível o tom alegre que Wilder imprime a The Apartment, este que é a amálgama perfeita entre romance, comédia e drama, tão divertido e ternurento, tão louco e emocionante, e que do princípio ao fim lida subtilmente com temáticas árduas para a época do Natal, encapsulando assuntos controversos com uma excelente habilidade e inteligência nos diálogos. The Apartment é fotografado com precisão, editado com rigor, pontuado com humor refinado e interpretado irrepreensivelmente pelo seu elenco, destacando-se Jack Lemmon e Shirley MacLaine.
Rita Cadima de Oliveira
1° It’s a Wonderful Life (1946) de Frank Capra
Do Céu Caiu Uma Estrela, o filme de Frank Capra (Peço a Palavra, Uma Noite Aconteceu) estreado em 1946, é vagamente baseado no Conto de Natal de Charles Dickens e conta a história de George Bailey (Jimmy Stewart) um homem que pôs de parte os seus sonhos de vida para ajudar a comunidade de Bedford Falls. Na véspera de Natal, George pondera terminar a sua vida, mas o anjo Clarence (Henry Travers), caído do céu, convence-o do impacto positivo que teve na vida dos outros e que a sua vida teve significado. Originalmente feito com o intuito de celebrar o fim da segunda guerra mundial, Capra nunca julgou que este filme se tornasse, para muitas pessoas, o filme definitivo de Natal, aquele que anualmente junta a família à volta da televisão. No entanto, os seus temas de família, comunidade, redenção e generosidade fazem de Do Céu Caiu Uma Estrela um dos filmes mais emblemáticos da época natalícia.
Francisco Sousa
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