Are you familiar with the Manhattan Project?
As they approached the first atomic test, Oppenheimer became concerned that the detonation might produce a chain reaction, engulfing the world.
in Tenet
Por tanto que “tempo”, “dimensão”, e “espaço” sejam temas centrais dos seus filmes, Christopher Nolan sempre mostrou grande dificuldade em trabalhar esses mesmos três elementos no campo restrito de uma cena. O ritmo épico das suas vontades cinematográficas parece afinal influir no mais ínfimo detalhe dos seus filmes, e mesmo a mais simples ou prosaica das cenas irrompe e acelera como uma batalha. Esse seu vício problemático parecia francamente atenuado em Dunkirk, e praticamente resolvido em Tenet – o filme mais equilibrado da sua filmografia, curiosamente tão mal recebido -, e é uma franca desilusão que grande parte do seu Oppenheimer relembre a edição brusca e impaciente de The Dark Knight Rises, de 2012 (sem chegar, apesar de tudo, ao nível desastroso de The Dark Knight, de 2008, diga-se). Essa dita “aceleração” sistemática é tanto mais problemática em Oppenheimer dadas as necessidades narrativas do filme (sejamos francos, filmes biográficos são uma desgraça), e a por demais evidente vontade de Nolan em contar muita coisa.
Oppenheimer abre, assim, com duas horas terrivelmente densas em informação, trabalhadas com mão confrangedoramente constante para todo o tipo de imagem – sejam explosões atómicas, académicos ao trabalho, ou uma inesperada cena de sexo (diga-se que as sequências com Florence Pugh serão mesmo o pior do filme, sem que a actriz ou Cillian Murphy tenham grande culpa disso). A grande maioria das cenas é veloz, curta, e algo involuntariamente elíptica (como o “nosso” primeiro encontro com Einstein e o seu chapéu), e a famosa e habitual necessidade expositiva de Nolan é levada ao máximo neste caso de um dito biopic. Parte da montagem resulta num académico (ou pobre) pergunta-resposta, campo-contracampo – e siga! -, francamente simplista num filme que se imaginou tão monumental, sendo dado pouco “espaço” para respirar a cada elemento ou sequência do filme. Ainda assim, podemos argumentar que Oppenheimer é seguramente a sobreposição de narrativas mais conseguida de Nolan. O paralelismo dos diferentes “tempos” que, seguindo três linhas históricas distintas, não seguem uma trajectória paralela nem perfeitamente linear, é particularmente bem conseguida. O filme, correndo sérios riscos de se tornar totalmente ilegível, é afinal perfeitamente compreensível de um ponto de vista narrativo, mesmo apesar da enormidade de informação que é exposta. A utilização de película a preto-e-branco em paralelo da película de cor, não será talvez o recurso mais necessário de todo o grande empreendimento, mas ainda assim uma ideia que parece, pelo menos, contribuir para uma leitura mais digestiva da narrativa global (Nolan, note-se, explica a ideia de um ponto de vista mais psicológico e menos funcional).
Oppenheimer é, em grande evidência, um filme escravo da história que ilustra. Nolan parece confortável com este aspecto, mas o espectador talvez um pouco menos : as três horas revelam-se curtas para tanta coisa. Não chegaremos a pedir então que cada cena possa respirar no centro daquela tempestade, mas talvez seja mesmo necessário que o espectador possa respirar por entre aquela sobrecarga colossal de discurso. Não era necessário explorar tanto a vida pessoal de Oppie (as cenas em torno das crianças, convenhamos…), por tanto que esta possa evidenciar o conflito ou contradição morais do homem, porque um filme, espante-se, não é um livro. Oppenheimer precisa de perder um pouco de peso (um pouco de tempo !) para enfim se libertar àquilo que tem de melhor : as explosões. Isto porque Oppenheimer, o anunciado blockbuster de Verão, existe de facto. Uma boa parte, mesmo se curta tendo em conta a duração e sobretudo a espessura do filme, é dedicada a uma exploração formal e puramente cinematográfica – ou, ao menos, espectacular – das ideias e construções, sonhos e terrores de J. R. Oppenheimer. São essas explorações que, talvez a despeito da sua vontade própria, Nolan tem de melhor. Um cineasta com todos os meios à mão, uma equipa de colaboradores talentosos, e ideias particularmente excêntricas para resultar em algo de “novo”. O ensaio de Trinity é, sem grande surpresa ou rodeios, a sequência mais memorável do filme – e uma que individualmente justifica a sua existência. E por tanto que Nolan insista em filmar um momento de conversa em torno de uma fogueira, no deserto, entre dois irmãos, como se do lançamento de um foguete se tratasse, é desses perigosos e aterrorizantes céus preenchidos de foguetes que estamos justamente à espera.
A história que o filme conta é obviamente importante, mas o erro de Nolan terá sido então o de pensar que essa sua importância advém da sua representação no filme, quando se trata evidentemente do contrário. Tenet, e mesmo Interstellar no que tem de melhor, são filmes que vivem duma exploração bombástica das suas ideias formalmente ambiciosas e cientificamente loucas. São filmes onde o absurdo é uma necessidade e, portanto, uma qualidade, mesmo apesar do eventual discurso científico e “sério” de Nolan. Por outro lado, Dunkirk é um filme despido até à sua alma maquinal, até à sua forma ou força bruta e brutal. Oppenheimer será talvez um filme “moralmente” mais ambicioso (com um orçamento consideravelmente inferior ao de Tenet), mas tropeça nos habituais enredos do “filme biográfico”, confundindo talvez um espectador mais expectante de “acção” (tal foi a campanha de promoção do filme), ou desinteressando um espectador mais focalizado em “cinema”.
Será enfim, a tão badalada megalomania colossal do cinema de Nolan, que acabará de novo por compensar grandemente mesmo os seus maiores pecados (e The Dark Knight Rises vem de novo à cabeça). A dimensão dos seus filmes, e especificamente deste Oppenheimer, é simplesmente tão admirável porque grande, que se tornam obras imperiosamente fascinantes. Existe algo de terrivelmente aliciante (pelo menos tanto quanto perigoso) de ver alguém esbanjar orçamentos tão volumosos, em obras que estão, finalmente, longe de meras odisseias de justiceiros mascarados (à la MCU), ou simples filmes de espiões (Tom Cruise !). Denso, Oppenheimer é um filme louco e exuberante, ao qual se quer voltar, mais não seja pelo deslumbre, digamos, “Futurista”, daquele cinema terrivelmente mecânico. E Nolan até sabe que “um carro de corrida (…) um carro que ruge, que parece correr sob tiros de metralhadora, é mais belo do que a Vitória de Samotrácia” (Marinetti). Mas é talvez a pouca convicção própria nessa sua falta de humanismo que tornam então o conflito moral do seu Oppenheimer, por tanto que aterrador, menos palpável (e menos grave ?) aos olhos do espectador. Oppenheimer é, ainda assim, um triunfo formal no cinema de Nolan, um filme que vislumbra o assombroso abismo da alma de um homem.
*
We knew the world would not be the same. A few people laughed, a few people cried, most people were silent. I remembered the line from the Hindu scripture, the Bhagavad-Gita. Vishnu is trying to persuade the Prince that he should do his duty and to impress him takes on his multi-armed form and says, “Now, I am become Death, the destroyer of worlds.” I suppose we all thought that one way or another.
J. Robert Oppenheimer