Légua – Léguas Distantes

Légua é uma longa-metragem de ficção, resultado da já conhecida parceria entre Filipa Reis e João Miller Guerra. Trata-se de uma obra encabeçada por Carla Maciel, na pele de Ana, procedida por um elenco maioritariamente feminino. A representatividade geracional é o motor de arranque desta obra que eleva a força e a perseverança das mulheres no que concerne à continuidade da vida, não só física como espiritual.

Numa antiga casa senhorial no norte de Portugal, Ana é o auxílio e braço direito da sua colega e amiga Emília, a ancestral governanta que está determinada a perpetuar a existência desta casa, prolongando a sua desocupação, mas mantendo-a sempre em ordem caso os proprietários decidam aparecer. À medida que as estações do ano transitam, Mónica, a filha de Ana, confronta as escolhas da mãe e as três gerações de mulheres procuram compreender qual é o seu lugar num mundo que está gradualmente a desaparecer, e no qual o ciclo da vida só é renovado através da mutação inevitável da natureza da terra (pousio e cultivo).

Com efeito, a casa onde se desenrola a acção de Légua é, sem dúvida, o local de transmissão geracional, o sítio tão habitado quanto inabitado, na qual os realizadores captaram de forma impávida e serena, os gestos e as memórias das pessoas que por ali passam mas que também passaram. A fruta na mesa, a água que verte para o copo, os cortinados a esvoaçar, as fotografias na lareira e o tempo que flui, abalado pelo silêncio, transportam-nos para a materialidade daquele lugar mas também para o cuidado familiar e para a fruição do património. Aqui, é extremamente importante realçar a relação ancestral de poder, na qual estas duas mulheres gerem, limpam e conservam algo para alguém que nunca aparece.

Na verdade, Légua é simultaneamente um filme que nos remete para a transformação, regeneração e repetição. Tal como o pousio e o cultivo, são os cuidados da terra que determinam os frutos e alimentos que colhemos ao longo do ano.  De acordo com os realizadores, Légua foi “filmado durante um ano e ao longo das diferentes estações, os ciclos da natureza não são para nós apenas metáfora temporal ou biográfica“.

Por outro lado, podemos ver Légua como um filme que retrata passivamente o isolamento pessoal a que são submetidos os moradores das aldeias portuguesas mais remotas. A evocação fotográfica da paisagem é visualmente disciplinar e irrepreensível. Nesta obra, o espectador é confrontado com a decadência física humana, o envelhecimento e a inevitabilidade do tempo, ao mesmo tempo que é relembrado do sacrifício, traduzido ainda pela fuga destes portugueses para França. “Escolher entre limpar a merda dos Franceses ou ficar a limpar a merda dos Portugueses”. Eis a questão. Ou a decadência.

Por fim, Légua é um filme bucólico, que através da expressividade do nevoeiro e do fogo nos faz transparecer a ideia de que nem nas aldeias estamos mais unidos do que nas grandes cidades. Aqui, nem todos se ajudam e até estamos incrivelmente sós. Tentando ser tão popular como alternativo, Légua inspira-se na cinematografia da Metamorfose dos Pássaros mas também no voyeurismo popular de Tiago Guedes, em Restos do Vento.

A soma de todas as partes dá-nos um todo credível (som, imagem, fotografia), no entanto, reforça-se algum exagero no acting mas também alguma confusão e mistura de temas no argumento. A espiritualidade do filme é patente, contudo, a insistência na caducidade da vida e na doença  de Emília, poderão trazer algum cansaço ao espectador. O filme acaba como começa. Num acérrimo confronto com a natureza do local. Pairando sempre no ar o misticismo do nevoeiro, representante máximo da dúvida e da incerteza, enfatizando a decrepitude do que é ser humano.

Rita Cadima de Oliveira