Le Deuxième Acte, de Quentin Dupieux : NONFILM

Miguel AllenMaio 15, 2024

On n’imagine pas du tout ça quand on regarde un film chez nous, c’est dingue les coulisses ! É o novo filme de Quentin Dupieux, mas na verdade, não é mesmo nada « dingue » (louco). Se a nossa preocupação ao abordar o “filme de abertura do 77e Festival de Cannes” era se Dupieux se tinha definitivamente vendido, será também verdade que o próprio conseguiu esquivar-se completamente à questão. Um grande vazio, Le Deuxième Acte nem é sem os seus encantos, porque sempre existiu algo de cativante na estupidez de Dupieux, sobretudo quando aplicada com tamanha teimosia como neste filme. O exercício é também de um sincero (por uma vez…) e salutar aborrecimento – e o mais divertido aqui talvez até seja ver o “grande público” a comer da mão de Dupieux, graças à presença de Léa Seydoux naquele terrível despautério (Seydoux, no seu mesmo de sempre…) ou às titubeações de Raphaël Quenard – hoje “en haut de l’affiche” justamente, e desde Yannick. Porque Dupieux parece, com esse seu filme de 2023, ter encontrado uma fórmula de rentabilidade e sobrevivência infalível para o seu “cinema” – guiões prontos para uma farra no twitter, interpretados, claro, por actores na moda.

Um filme sobre um filme sobre um filme, abordando o trabalho dos actores (e em cinema, no geral) como uma vanidade, Le Deuxième Acte funciona como uma espécie de metaSeinfeld – um grande filme “about NOTHING” – com caras conhecidas em sucessivas interpretações, e, necessariamente, algumas deixas ou gags divertidos. Dizer que se trata de um filme aborrecido, será seguramente o melhor elogio que lhe poderemos fazer. Não tentemos, contudo, “escavar” este aborrecimento. À conta de dois filmes por ano, não é de espantar que Dupieux esteja simplesmente esgotado. E se a vacuidade de ideias não lhe é exactamente estranha, esta atinge, aqui, um ponto verdadeiramente inadmissível. Para o nosso espanto, ou talvez não, este filme sobre “nada”, é mesmo um filme sobre e com “nada”. Pior, o travelling que compõe grande parte da sua gramática cinematográfica, e que o realizador se propõe “homenagear” naquele ambicioso e totalmente irrelevante gesto final, é feio – Dupieux não é Buñuel, e simplesmente não parece ter a mínima noção de onde posicionar a sua câmara. O obstinado contre-plongée é cansativo ao ponto de se tornar fisicamente irritante.

Claro que, o potencial mais imediato (e trivial) de um exercício “meta” será de basicamente poder justificar quase todo o tipo de postura. Mas do nosso cansaço, as brincadeiras narrativas de Dupieux revelam-se aqui absolutamente irrelevantes, e colocamo-nos até, forçosamente, a questão de se teremos sido justos ao apreciar os seus outros “filmes”. Isto porque, também aqui, um conceito potencialmente interessante – quatro actores A-list (em França) apeados em nenhures – se revela, na prática, uma autêntica nulidade cinematográfica. Preguiçoso, pobre… “metido no abismo”.

Quebremos nós também a “quarta parede” deste texto : vamos Quentin, ninguém se chateia se demorares mais de duas semanas a conceber e filmar um filme. Mas bem vistas as coisas, está o  homem a “abrir” Cannes… de que sei eu às 2h da manhã com 38º de febre.

Miguel Allen