Kinds of Kindness, de Yorgos Lanthimos: Histórias de Perversidade

Pedro BarrigaJulho 4, 2024

Foi no passado dia 17 de maio que Yorgos Lanthimos subiu a escadaria de Cannes, acompanhado pelo elenco de Kinds of Kindness, nomeadamente Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Hong Chau, Joe Alwyn e Hunter Schafer. Um regresso do cineasta ao festival de cinema francês, após The Killing of a Sacred Deer em 2017 – facto curioso, dadas as parecenças entre este e o seu novo filme.

Kinds of Kindness constitui efetivamente um desvio na estrada que é a carreira de Lanthimos. Trata-se de um distanciamento dos seus últimos filmes de época e um retorno ao contra-senso de The Killing of a Sacred Deer – diga-se de passagem, o filme que menos aprecio do realizador. A cidade de Nova Orleães surge em substituição dos cenários elaborados e fantásticos a que Lanthimos nos habituou com The Favourite e Poor Things.

O filme consiste num tríptico composto pelo mesmo grupo de atores a interpretar personagens diferentes em três histórias independentes. Entramos até com o pé direito: créditos iniciais ao som de “Sweet Dreams (Are Made of This)”, canção que reaparecerá para efeito cómico ao longo do primeiro conto de Kinds of Kindness. Infelizmente, o filme tem o seu auge durante este capítulo. Os que se seguem são algo pálidos em comparação, especialmente o segundo, no qual Plemons duvida da identidade da sua mulher quando esta regressa a casa depois de vários dias desaparecida.

É certo que a estrutura em três atos assegura novidades a cada hora – novas personagens em novos contextos absurdos – o que afasta o filme do tédio, uma ameaça genuína dada a sua extensa duração. No entanto, findo o filme, a sensação predominante é a de que não há um fio condutor que una os três episódios que acabámos de ver. As temáticas são semelhantes – submissão a ditadores, cultos, crenças, seres sobrehumanos – mas o projeto final é confuso. Ocasionalmente divertido, mas maioritariamente dúbio e desnorteado. Qual é o seu propósito? Qual o ponto deste homem atropelado? De um dedo cortado? De água purificada?

Uma última nota para Jesse Plemons, que tem em Kinds of Kindness o maior papel da sua carreira: tanto pela notoriedade que advém de protagonizar um filme de Lanthimos, como pelo talento que aqui demonstra. É merecido o troféu de Melhor Ator atribuído em Cannes.

 

Pedro Barriga