O cinema de acção não voltou a ser o mesmo depois do primeiro John Wick, quando Chad Stahelski, o stunt double de Keanu Reeves no Matrix original e coordenador de stunts das sequelas Reloaded e Revolutions decidiu chamar Keanu Reeves para o papel para o qual nasceu. Keanu Reeves nunca foi um actor consensual, com fragilidades na interpretação e uma série de maus filmes que sempre puseram em questão que o actor não fosse, afinal, mais que uma boa figura. Felizmente o cinema não é teatro, e a interpretação no sentido mais clássico do termo não é condição exclusiva para um actor se afirmar na sétima arte. Não é que Keanu seja também propriamente um galã carismático, no entanto, a sua persona cinematográfica, taciturna, física e silenciosa, assenta que nem uma luva no herói, ou anti-herói, que é John Wick.
Como sempre ao longo da franquia, o que importa neste quarto capítulo é o movimento, a cinética, a coreografia, a acção! Através de uma comunhão quase perfeita entre a equipa de produção dos 4 capítulos, todos com Stahelski no leme, e as expectativas do público, bem fiel ao franchise e que só tem vindo a aumentar em termos de número, John Wick é um dos raros casos em que as sequelas não são inferiores ao original, pretendendo sempre crescer e expandir o seu universo, as suas coreografias, as suas impressionantes stunts que quase esgotam a rés do cinema de acção. É evidente que existem opiniões pessoais. Uns dizem que o segundo capítulo é mais fraco por perder o foco da vingança que move o protagonista no primeiro filme, outros dizem que é o melhor devido à sua crueza e objetividade na acção. Tudo isso é válido, no entanto é inegável que o franchise tem tido mais sucesso a cada capítulo, inclusivamente entre a crítica, expandindo sempre o escopo de forma considerável a cada tentativa, mantendo sempre a qualidade e criatividade das suas incríveis coreografias, a soturnidade do seu protagonista, e uma realização e fotografia estilizadas que enchem o olho.
O que traz então um quarto capítulo de novo? E é necessário que traga algo de novo? É bastante a mera expansão face ao capítulo anterior? A verdade é que, pela primeira vez no franchise, esta nova sequela não se limita à expansão. Isso acaba por ser, ao mesmo tempo, o seu maior trunfo e a sua maior fraqueza. Com uma impressionante duração de 2h49m, John Wick 4 funciona ao mesmo tempo como continuação e como final do franchise. O cuidado com o argumento é visivelmente superior aos seus capítulos intermédios. Com longas sequências de diálogo e um desenvolvimento de personagem mais aprofundado, a maioria das vezes assente nas suas interessantes personagens secundárias, e menos cenas de acção em termos de quantidade, embora maiores e mais longas, John Wick 4 transforma-se num filme muito mais redondo que os seus antecessores, um filme de sala para o grande público, perdendo alguma da magia da crueza série B que pontuava o franchise de forma quase absoluta e inquestionável até agora. Desta vez não se trata apenas de ver Keanu Reeves a despachar adversários de toda a forma e feitio, quase sem recuperação de fôlego. Trata-se de observar o desenvolvimento do mundo criado pro Chad Stahelski em todas as suas vertentes, desde personagens secundárias à sua própria mitologia. John Wick continua a ser protagonista sim, mas já não se trata apenas de um ex-assassino que procura vingar a morte do cãozinho deixado pela sua falecida mulher.
É isso, e apenas isso, que torna este quarto capítulo um filme diferente dos seus antecessores. Diferente, não pior, não melhor. Apenas menos cru e mais coeso. Se existe algo que John Wick 4 consegue fazer é levar o espectador a olhar em retrospectiva para os três primeiros volumes: serão eles afinal ainda melhores do que originalmente pensamos? Será a saga John Wick uma obra-prima do cinema de acção, compondo até possivelmente os melhores filmes de acção de todos os tempos?! Começam a faltar argumentos para defender a tese contrária. Veremos de que forma o franchise nos continuará a surpreender no futuro.