Integral Kinuyo Tanaka: “A Lua Ascendeu” – Os Amores de Nara

Miguel AllenAbril 20, 2023

O segundo filme realizado por Kinuyo Tanaka, “A Lua Ascendeu” (月は上りぬ, 1955) conta os amores de três irmãs na cidade de Nara, Japão, no pós-2ª Grande Guerra. Um projecto abandonado por Yasujiro Ozu, que escrevera o argumento em 1947 (com Ryosuke Saito), o filme aproxima-se formalmente do estilo do mestre japonês (que filmara Tanaka em várias ocasiões), sendo paralelamente um exemplo forte da individualidade e importância de Tanaka enquanto autora a título próprio.

– Lembras-te ?

“A Lua Ascendeu” – belíssimo nome – é um retrato sentimental da sociedade japonesa nos anos 50, desenhado a partir das suas três personagens femininas principais : Chizu, em perene lembrança dum amor passado, Ayako, na expectativa dum amor futuro, e Setsuke, ocupada por um amor presente não consumado (e pouco interessante ou interessado ?). As três irmãs Asai, são três imagens dum país sem saber bem o que fazer do seu Passado, ainda que saudoso, sem grandes certezas quanto ao seu Futuro, e pouco animado, embora conformado, com o seu Presente.

Existe como que um permanente desejo que trabalha cada personagem do filme, um vazio deixado pelo objecto ausente, a evocação ou idealização de algo fora da cena (como fora do quadro ficará a Lua no sublime passeio nocturno ao centro exacto do filme). Amor, emprego, cidade, e mudança. A trama “familiar” aborda evidentes temas queridos a Ozu, e é de facto surpreendente como Tanaka, ainda que mostrando a sua natural influência, envereda por um caminho consideravelmente mais pessoal (e curiosamente proximo do seu estilo enquanto actriz, ainda que essa seja uma comparação algo arriscada) ao trabalhar uma história fortemente melancólica com uma graça ligeira e frequente boa disposição. “A Lua Ascende” revela-se pouco a pouco enquanto surpreendente e surpreendentemente humorada comédia romântica. E com a lua cheia ao alto, o crepúsculo de Nara do título desvendará luzes bem diferentes das sombras tristes do “crepúsculo de Tóquio” (Tōkyō boshoku de Ozu, 1957).

Um melodrama dividido entre um certo realismo social e um romantismo sonhador. Um Japão de novas tecnologias e novas tendências, mas também um Japão de desemprego, e de algum ennui ou desilusão para com o mundo desses dias. Rádio-comunicação por micro-ondas de alta frequência, telegramas codificados, e poemas de amor. Maçãs e cebolas.

– É mesmo antiquado ou é moderno?

– Ambos.

Dois amantes observam o enigmático astro branco, cuja luz vemos reflectida nos seus rostos hesitantes. Um encontro por engodo inocente, será talvez o começo dum amor sob o feitiço da lua de Nara. E num filme sobre “prosseguir” (ou sobre a dificuldades que encontramos ou que nos impomos para o fazer), mesmo o preguiçoso Shoji acabará por compreender que a vida existe bem para além do perímetro limitado das nossas simples actividades. A Lua enquanto sonho ausente na Terra, mas tão necessário à vida.

De uma maturidade estética admirável, com quadros de composição sublime, que evidenciam tanto uma singular sensibilidade formal e material quanto um olhar naturalmente harmonioso. Um filme poético e evocativo, como abstracto e teatral (veja-se a referida cena central, no parque sob aquele luar mágico), mas também um filme que coreografa admiravelmente a complexidade social e a teatralidade espacial da arquitectura japonesa. Movendo-se livremente entre cada polo amoroso – de Setsuke para Ayako, de Ayako para Setsuke, para chegar enfim a Chizu – uma rede sentimental generosa traçada por entre as suas diferentes personagens. Procurar o amor na lua cheia. Perceber o amor nos olhos do outro. E os veados de Nara que pastam tranquilamente em pano de fundo.

Miguel Allen