Se Rian Johnson e o seu Knives Out, e agora Glass Onion, têm algum mérito é em trazer para a mesa de forma popular e instagramável a expressão whodunnit para rotular este tipo de filmes: um cinema Agatha Christiano, Poirotiano. Dá muito jeito. Por outro lado, Glass Onion também é útil para outra coisa: oferecer cinema de entretenimento de qualidade no pequeno écrã. Esta é mais uma de muitas produções Netflix, a gigante streamer que para o bem e para o mal mudou a indústria do cinema. Já nos ofereceu belos filmes, sim, como Roma ou Marriage Story, mas convenhamos que a maioria do catálogo de originais não passa daquilo que a própria denomina de “conteúdo”. Glass Onion é talvez o epítome de tudo isso: conteúdo de entretenimento de qualidade bem produzido, com tudo no sítio. Será isso cinema?
Knives Out foi um êxito. Um cast de luxo encabeçado por um Christopher Plummer fenomenal e Daniel Craig no papel de Poirot dos tempos modernos, intitulado de maior detective do Mundo, algo que, com franqueza, não assenta assim tão bem ao actual James Bond. Seja como for, foi um belo thriller de mistério, inteligente, com personagens carismáticas e interpretações inspiradas. Não se pode dizer exactamente o mesmo de Glass Onion, excêntrico não só em narrativa (à volta de um multi-milionário que julga dominar tudo e todos), como também em meios de produção num filme que não o pedia. Rian Johnson força o conceito de whodunnit numa história que é na verdade um revenge flick no qual o detective de Daniel Craig é personagem secundária, caído no enredo de forma algo atabalhoada para um final imprevisível, que o é apenas e só por não se limitar à revelação do assassino, e isso não é necessariamente bom.
Aquilo que de melhor se aproveita em Glass Onion é a sua primeira metade, excitante e ritmada, com um Rian Johnson inteligente a saber tirar o melhor do seu belo casting. Temos ainda uma metáfora, enfim, interessante acerca das relações de poder intersociais, na qual Edward Norton encabeça uma teia de interesses entre todos os seus “amigos disruptores” que apenas o são por conveniência. A exploração desta metáfora teria sido melhor valorizada não fosse pela segunda metade do filme, um pastelão que tenta justificar e intelectualizar a primeira metade explicando-a, desautorizando-a, tirando-lhe o brilho descomprometido que havia apresentado de forma hábil. É uma pena.
Apesar de tudo os pontos fortes de Glass Onion acabam por fazer o filme valer a pena apenas e só por cumprir a sua função de entretenimento. Os diálogos são picantes e apetitosos, a mise-en-scène numa ilha grega cai bem, e Kate Hudson e Dave Bautista têm carisma de sobra. Já Edward Norton continua incapaz de nos trazer o brilhantismo de outrora, como que preso numa letargia sempre competente, mas nunca brilhante. Quanto a Janelle Monáe continua a demonstrar que é uma actriz fiável, ideal para este tipo de papéis. Glass Onion é o que é. Conteúdo televisivo de qualidade. Não há nenhum mal nisso. Venha o próximo, o consumidor agradece.