Fugiu um Condenado à Morte é um filme simples. A frase que abre o longa é “Esta é uma história real. Conto-a como foi, sem a embelezar”. Porque o enfeite, para Robert Bresson, é desvio. No filme anterior a este, O Diário de um Pároco de Aldeia (1951), se diz: “As tarefas simples não significam ser fáceis”. A simplicidade não anula a profundidade, antes pelo contrário, a possibilita.
O filme é baseado nas memórias do membro da resistência francesa André Devigny, e narra a história do tenente Fontaine, interpretado por François Leterrier, que preso e condenado à morte pelos alemães na ocupação nazista da França, foge. Fugiu um Condenado à Morte foi um sucesso de público quando lançado, e respaldou (mesmo que por pouco tempo) o estilo de Bresson enquanto algo viável comercialmente.
Nos primeiros planos do filme há um muro e uma parede. Delimitações espaciais. Mas o que me chama atenção são as cascas, as rachaduras, a textura das paredes. Fugiu um Condenado à Morte está mais interessado em experimentar com essas texturas (em som e imagem) do que em pôr em cheque a intransigência material das paredes. A textura da colher na talha de madeira, do trançar do tecido, do rasgar das roupas. De pouco a pouco. Não se trata de eclosão mas de corrosão das estruturas.
As mãos são um motivo central na filmografia de Bresson e o plano seguinte aos das paredes mostra as mãos do protagonista. Em Fugiu um Condenado à Morte e no filme posterior a este, O Carteirista (1959), a habilidade das mãos protagoniza as ações; o isomorfismo formal em Bresson começa a se consolidar. A mão se torna meio para o fim: aqui, a fuga.
Se a repetição paciente rumo o escape já é lugar comum, expressa em filmes excelentes como O Buraco (1960), Os Fugitivos de Alcatraz (1979), e até no mais popular, Os Condenados de Shawshank (1994), é neste longa metragem que ele encontra sua expressão máxima, seu auge no cinema. Porque esse é um filme de Robert Bresson.
Para Tony Pipolo “O trabalho de Bresson dá sinais de uma criação católica unida às dúvidas de um pensador moderno profundamente engajado”. Nada mais católico do que o mistério da fé, o eterno otimismo da vontade rumo à superação da morte. O católico sabe que a morte não é o fim. E aqui desde o começo, a partir do título, sabemos que a morte é rota de partida, mas não o destino final.
No filme Fugiu um Condenado à Morte, a morte não é superada só de princípio, mas pela própria essência do que é o cinema. O fundamento do que é filmar, registro que embalsama a imagem e a duração das coisas, retoma a tradição centenária das mumificações egípcias, de vencer a morte a partir da fixação das aparências (aqui cito André Bazin em Ontologia da Imagem Fotográfica).
Falar de morte não é falar de cinema, já que tudo que aparece no quadro cinematográfico é eternizado em aspecto, som e duração. Ontologicamente, morte não é impressa em película. Com o triunfo sobre a morte já no nome, o quinto filme de Robert Bresson, o cineasta mais católico da história, é cinema de ponta a ponta.
A repetição de Fontaine remete ao mito de Sísifo, em seus esforços frustrados. Mas até Sísifo, se fosse filmado por Bresson, escaparia. Porque Sísifo tem mãos. E Bresson tem fé.