Flight Risk é um daqueles casos em que o filme beneficia claramente com não assistirmos ao seu trailer, ou mesmo lermos a sua sinopse. Há muitas reviravoltas, mas fora isso, em termos de pacote, este thriller de Mel Gibson é exactamente aquilo que parece ser: trapalhão, divertido e algo provocatório.
Mark Wahlberg
É estranho que, depois de tantos filmes aclamados pela crítica, esta tenha sido a primeira escolha de Gibson, em quase 10 anos, para regressar à realização: um típico filme de ação de médio-baixo orçamento dos anos 90 (quando aparentemente já está a rodar a ambiciosa sequela d’A Paixão de Cristo). Parece que fazer este tipo de filme mediano é precisamente o seu objectivo, procurando preencher um certo vazio que existe hoje em dia nas salas de cinema. O realizador cola a sua habitual ousadia algo sádica, ou exploitation (como na verdade sempre foi) a este thriller de acção, um género que perdeu espaço entre as grandes produções de Hollywood – hoje mais preocupadas em moralizar o espectador do que em simplesmente o entreter. Flight Risk recorda-nos que houve, de facto, uma época mais simples, há cerca de 20 anos, em que bastava ligar a televisão num domingo à tarde para ser entretido por um filme.
Qualquer filme de acção médio que evoque os anos 90 poderia ser assim, mas parece existir cada vez mais pudor de os fazer. Estes filmes existem, hoje em dia, mas “escondidos”, indo a maioria direto para vídeo ou streaming, e muitas vezes caindo no esquecimento por serem pura e simplesmente desinteressantes ou mal executados. Flight Risk não é certamente “um qualquer”, sendo bem sucedido em praticamente todos os seus elementos. O enredo é simples, mas intenso; as personagens são enérgicas, espirituosas e cativantes. Mark Wahlberg é um psicopata absoluto a interpretar um estereótipo de “edgelord” americano, que rouba cada cena entre as suas aparições soluçantes, numa tela preenchida principalmente por Michelle Dockery, competente, coadjuvada por um inspirado Topher Grace, o elemento cómico. Wahlberg é provocatório e animalesco, quebrando as barreiras do politicamente correcto de forma anárquica (tal como o filme) sem pensar duas vezes, demonstrando mais uma vez que Mel Gibson “não tem noção”. A eles ligam-se personagens secundárias de uma singularidade incomum (a palavra mais adequada para o sedutor Hassan, e para tudo isto, na verdade, seria talvez “surreal”) via rádio.
Michelle Dockery & Topher Grace
Imaginemos agora este trio à deriva num frágil aviãozinho, algures no Alaska… Acção em tempo real, durante uns redondos 90 minutos – o que, por si só, é uma afirmação, numa era em que mais de 2 horas de filme é uma medida quase obrigatória (para não falar das doses superiores a 3 horas cada vez mais comuns). Por cima de tudo isto, temos ainda alguns detalhes “meta” tão curiosos e tontos, como assertivos, como o facto de a personagem de Wahlberg ser aleatoriamente careca às escondidas, à semelhança dos 4 “boomers” que assistiam ao filme, sentados na primeira fila, no dia de estreia, rindo-se e divertindo-se no cinema como provavelmente há algum tempo não faziam. Na sua improbabilidade trapalhona, todas as peças de Flight Risk coexistem harmoniosamente, o que dificilmente acontecerá por acidente. É este o principal mérito do filme: sendo absolutamente mediano, cumpre tudo o que se propõe fazer, sem inventar. Um fenómeno cada vez mais raro.