Especial Trás-os-Filmes – Ciclo de Cinema Contemporâneo em Trás-os-Montes

Rafael FonsecaOutubro 14, 2024

Nos passados dias 4 e 5 de Outubro estivemos na vila de Mondim de Basto, distrito de Vila Real, para o segundo ciclo Trás-os-Filmes, uma iniciativa do colectivo Filmes aos Montes. Como se originou este evento, uma charmosa combinação entre uma programação inusitada (uma das duas sessões principais focava-se na micro-curta, filmes até dois minutos, um formato raro de se ver destacado)  e um ambiente de hospitalidade, junto de locais como de pessoas de fora, pelo qual o Ciclo se mostra querer marcar? Quisemos saber mais sobre a iniciativa, que este ano ficou marcada por um grande alcance nas redes sociais e na comunicação gráfica – foi também como a ficámos a conhecer. Falámos com Gonçalo André, um dos principais nomes por detrás da criação da mostra – também por ter nascido em Mondim de Basto – parte de um grupo que se quer colectivo e horizontal.

algumas das vistas em Mondim de Basto este fim-de-semana.
algumas das vistas em Mondim de Basto este fim-de-semana.

 

O Ciclo – que prefere por agora não se chamar Festival, pois é na agregação de público em Mondim de Basto para assistir a uma selecção de filmes que está o seu foco, não em elementos de competição, premiação e exclusividade – iniciou-se na sexta-feira, passado dia 4, com a Selecção Oficial. A selecção foi composta por apenas sete curtas-metragens, de durações que não excedessem os trinta minutos, escolhidas a dedo, as suficientes para uma sessão depois de jantar. Foram elas “A Fuga”, de João Brás, “Quem Te Vê Daqui”, de Arnaldo Sousa, “Monstro do Meu Quarto”, de Lou Loução, “A Incessante Conquista da Escuridão” de João Pedro Soares, “Água Morna” de Pedro Caldeira e Paulo Graça, “Seja o que Deus Quiser”, de Giovanni Chiconelli e Melissa Rodrigues, e “Só Nós Dois”, de Carolina Aguiar – seguiu-se uma Q&A com os realizadores presentes.

A sessão decorreu no Favo das Artes, antiga Casa da Cultura de Mondim de Basto, assim renomeada aquando de uma renovação e de obras que tiveram lugar em 2021. Foi esta nova vida dada ao espaço e à possibilidade cultural do município que a tornou o palco perfeito para uma iniciativa deste género, levada a cabo por um grupo de amigos que chegou a Mondim.

Voltando atrás no tempo, tudo começou com uma ideia para um filme. Corria o Outono de 2022, e dois colegas de trabalho em Lisboa tinham nas mãos o argumento para uma longa. A esses dois juntou-se um terceiro, e depois mais: era o grupo que viria a dar origem ao colectivo. A longa passou a curta-metragem: o grande objectivo era a exequibilidade do projecto, ser rodado numa única localização, com poucas personagens. Mondim de Basto foi escolhido pois Gonçalo, natural da região, sentia que haveria possíveis apoios logísticos e apoios à produção, por causa da maior proximidade que teria com os responsáveis pela Cultura. Assim foi: escrito e tratado o guião, estabelecidos os contactos, o grupo filmou a curta no Verão de 2023, nesta vila. Dadas as circunstâncias de feliz hospitalidade, pareceu-lhes claro que haveria espaço e oportunidade para de alguma maneira retribuir simbolicamente, agradecer ao município a preciosa ajuda e participação. Juntamente com Tiago, o responsável pelo Favo das Artes – a Casa da Cultura – começou-se a conceber o projecto de uma mostra de cinema, e particularmente de cinema de curta-metragem: tratava-se de uma lacuna em Mondim de Basto, cuja oferta cultural passava mais pelo teatro e pela música. Assim aconteceu o primeiro Trás-os-Filmes, que teve lugar o ano passado e que, apesar das dificuldades de uma iniciativa estreante, levou vários realizadores e cidadãos curiosos à sala de cinema.

o Favo das Artes encontra-se também frequentemente guardado por vários gatos.

 

Este ano, a adesão e a open call explodiram, facto que Gonçalo explica com um alargamento da equipa do colectivo e um foco especial na presença em social media e em comunicação. O Ciclo tem de facto uma imagem elegante e um estilo de promoção muito pessoalizado: e a atenção dada aos convidados e ao público presente é notória – sentimo-nos imediatamente em casa assim que chegámos. Com esta redobrada inventividade para o segundo ano, surgiu uma ideia verdadeiramente especial: o ou a vencedora do “prémio do público” (no registo de “competição saudável” que o colectivo sublinha, esta atribuição, a única na selecção oficial, é “o filme que o público gostou mais”), em vez de um prémio monetário, tem como recompensa a atribuição de apoios logísticos, ajudas ao alojamento, alimentação e à produção, para o próximo filme do ou da cineasta vencedor/a – com a condição de que o mesmo seja depois mostrado também em Mondim de Basto. Chamaram a este apoio “Berço d’Ouro”, em honra ao hino da vila, que nos diz – “És o meu tesouro / o berço de ouro onde eu nasci”.

Esta bonita honra foi atribuída este ano a Carolina Aguiar, natural de Leiria, com a curta “Só Nós Dois”, protagonizada por Inês Sá Frias, que ganhou a distinção do público. O filme conta a história de uma recém licenciada, desempregada, numa situação psíquica e material precária, em tentativa também de correspondência com as expectativas dos seus pais.

“Só Nós Dois” (2024) de Carolina Aguiar, vencedora do Berço d’Ouro do segundo Trás Os Filmes

 

O festival continuou para um segundo dia, se possível, ainda mais original. Sábado, dia 5 de Outubro, foi a exibição de “micro-filmes” Favo d’Ouro em conjunto com a exibição “Favinho d’Ouro”. A primeira referia-se a filmes de duração até 2 minutos. A segunda igual, mas com obras feitas por alunos das escolas de Mondim de Basto, na sua maioria turmas do 9º e do 10º ano, em workshops efectuados pelo colectivo. Esta segunda mostra foi esplendorosa, facilmente das sessões mais divertidas de que tenho memória recente. A razão é simples: as crianças e jovens tiveram oportunidade de usufruir de uma liberdade completa, e sem ser algumas noções básicas de plano e montagem – algumas das quais também eram deliciosamente subvertidas – tinham recreio aberto para o que quisessem. O resultado foi obviamente um conjunto de vídeos hilariantes, despretensiosos e completamente experimentais – uma das curtas durava apenas dois segundos, e a mais gostada foi anunciada com a presença da professora.

plateia no Favo das Artes, no dia 5 de Outubro

 

É de elogiar abertamente o Ciclo por esta iniciativa, tão engraçada e estimulante para os envolvidos, assim como pelo Favo d’Ouro, prato principal, a mesma coisa mas para “graúdos”, onde tivemos oportunidade de assistir a cerca de vinte e cinco micro filmes, formato que fomenta a experimentação, o poder de síntese e a criatividade: em termos de temas e premissas houve de tudo um pouco. Foi uma felicidade ver o auditório cheio.

O ciclo terminou com um concerto por parte do Literatus, Grupo de Fados da Faculdade de Letras do Porto, belo e genuinamente emocionante, e com um convívio final no piso superior do Favo, onde também estava exposta, para completar o conjunto, uma exposição do artista gráfico Pedro Nascimento, Pendura, onde também não faltava qualidade.

no concerto do Literatus – Grupo de Fados da Faculdade de Letras do Porto
fecho do festival, com os membros do colectivo e alguns dos realizadores presentes.
algumas das obras em exposição do artista Pedro Nascimento
algumas das obras em exposição do artista Pedro Nascimento

Por um festival não-competitivo, completo, acolhedor e envolvente, com uma grande comunicação, e numa vila encantadora, toda a equipa está de parabéns, com um projecto que de certeza continuará o seu crescimento e onde estaremos de certeza presentes com entusiasmo para o ano.

O colectivo Filmes aos Montes é composto por Gonçalo André, Miguel Chorão, João Alves, Leonor Zuzarte, Duarte Henriques, Madalena Fontelo Martins, Márcio Castro, Mariana Seixas, Ana Martins, João Pedro, Linda Inês e Inês Leitão.

 

Rafael Fonseca