O grande destaque do quarto dia do Motelx 2023 foi a presença de Brandon Cronenberg para apresentar em estreia em Portugal Infinity Pool, a sua nova longa metragem desconcertante, sobre a qual falaremos em breve. Além de Infinity Pool vimos Raging Grace, do realizador anglo-filipino Paris Zarcilla, filme de terror e mistério acerca de uma imigrante ilegal filipina no Reino Unido que pode muito bem vencer o prémio para melhor longa de terror europeia este ano. Lovely, Dark and Deep é filme de terror onírico filmado em Portugal, no Gerês, com a protagonista de Barbarian, que não nos convenceu. Ficámos ainda para a sessão dupla composta por Vermin, um regresso às aranhas de Arachnofobia (1990) e a metáfora às redes sociais de Influencer que fechou bem a noite.
Raging Grace (2023), Paris Zarcilla
O realizador anglo-filipino, Paris Zarcilla, esteve presente no Motelx para duas sessões de apresentação do seu “coming-of-rage”, Raging Grace. Zarcilla confessa-nos que nesta obra teve oportunidade de expor a raiva que não lhe era permitido sentir aquando da sua juventude, sendo então um filme profundamente pessoal. A história é a de Joy, uma emigrante filipina, e da sua filha Grace que, vivendo na precariedade e sem documentos, procura trabalhos que lhe permitam a legalização e respectiva permanência no Reino Unido. Joy consegue um emprego como cuidadora informal de um idoso aristocrata, aparentemente em estado terminal, sendo contratada pela sobrinha do mesmo, que cedo revela um comportamento atípico e insólito. É no quotidiano das tarefas laborais nesta “mansão assombrada” que assenta toda a poeira, mistério e subjugação que esta obra representa. Raging Grace é um filme sobre o sacrifício e a penitência de quem não está em casa mas é, sobretudo, uma obra que aborda, por meio do terror e do medo, a dor da submissão e do esforço sobre-humano, numa luta infindável pela reposição da dignidade pessoal.
Rita Cadima de Oliveira
Produção britânica da autoria do realizador anglo-filipino Paris Zarcilla, Raging Grace é a história de uma imigrante filipina ilegal no Reino Unido começa a trabalhar como empregada interna numa grande mansão de uma mulher rica e seu tio, acamado e medicado, indo viver com ela a sua filha às escondidas no quarto que lhe é destinado. Existe uma grande quantidade de subtexto político acerca da imigração ilegal, do preconceito racial, do conceito de white savior (o branco que se comporta como salvador de minorias), mas por cima de tudo isso está um filme de terror social de belo efeito. Raging Grace não se perde na arrogância das metáforas do seu contexto social, mas antes consegue criar um Mundo atmosférico e claustrofóbico dentro desta mansão repleta de segredos.
David Bernardino
Lovely, Dark, and Deep (2023), Teresa Sutherland
Lovely, Dark, and Deep é o novo filme de Teresa Sutherland e tem como particularidade ter sido rodado em Portugal. Pertencendo ao subgénero do folk horror, a cinematografia de Rui Poças transporta o espectador para um mundo místico e cósmico, sendo que a paisagem e a preservação da natureza são altamente focadas e espiritualizadas. O filme tem como premissa o esforço e ousadia de Lennon (Georgina Campbell de Barbarian) na candidatura a um cobiçado cargo de guarda-florestal, num posto completamente isolado, no Arvores National Park. É neste lugar selvagem e perigoso que rapidamente percebemos que esta jovem mulher é acompanhada por traumas e tragédias do passado. Memórias pouco explícitas de um passado distante, planos repetitivos e exaustivos, compasso extremamente lento e uma fórmula esgotante de abordagem da dicotomia humano vs. terra, prejudicam o foco da obra, deixando o espectador perdido no que diz respeito ao seu significado e compreensão global.
Rita Cadima de Oliveira
Havia grande expectativa para esta co-produção norte americana e portuguesa, filmada nas florestas portuguesas do Gerês, e não só, apresentadas no filme como um parque nacional canadiano. A actriz de Barbarian, Georgina Campbell, regressa ao terror para interpretar uma guarda florestal isolada na imensidão natural. O que é ao início um filme com um cenário prometedor de isolamento, barulhos nocturnos e sombras que se movem na escuridão rapidamente cai numa espiral de onirismo e terror psicológico de difícil compreensão e orientação. A estética repetitiva, com câmara invertida e o rosto choroso da protagonista, em busca de algo ou alguém pela floresta, coloca o espectador numa posição de observador algo desinteressado pela falta de eficácia com que Lovely, Dark and Deep transmite o seu parco argumento e a sua estética bocejante.
David Bernardino
Vermin (2023), Sebástien Vanicek
Vermin é um filme de horror que pelo seu grafismo algo repulsivo e serve como metáfora para a dura realidade dos jovens que habitam em bairros sociais, a rebelião nos subúrbios urbanos, a precariedade e a luta pela sobrevivência da população jovem num mundo de armadilhas e caos. Kaleb é um desses jovens, é órfão, vive com a irmã e nunca esteve tão só. Vive de negócios ilícitos e é apaixonado por animais exóticos. Certo dia, chega a casa com uma aranha invulgar e venenosa que acidentalmente, é deixada escapar. É neste contexto de desenvolvimento do crime que também este aracnídeo se multiplica, causando o caos e a desordem neste edifício. Ordenada uma quarentena neste subúrbio, os habitantes são forçados a viver em confinamento com as aterradoras aranhas, que aumentam de tamanho mas também de grau de violência. Estamos perante uma obra movimentada, cheia de acção, nunca dando espaço para o espectador respirar. Os momentos de humor contrapõem os momentos de tensão, fazendo com que a obra de Sebástien Vanicek seja uma aceitável obra de eco-terror, que cria um assustador mundo decorado por armadilhas e teias. A grande sensação causada pelo filme é a impressão de também nós estarmos encurralados, muito graças a um elenco bastante eloquente e convincente, no entanto, a obra não é suficientemente legítima para que a sua credibilidade seja preservada neste género.
Rita Cadima de Oliveira
O primeiro filme da sessão dupla desta sexta feira, Vermin é o regressar das aranhas de Arachnofobia, o clássico americano de 1990, desta vez em França para um filme semi low-budget passado num prédio num bairro de classe baixa, quando uma aranha começa a reproduzir-se e a tomar conta do prédio, isolando-o e aos seus habitantes. Ao início estamos perante algo realmente refrescante, com um grupo de jovens desorientado sem papas na língua a verem-se confrontados com a presença desta bicheza um pouco por todo o lado. Rapidamente o filme vira o hit espanhol Rec, mas com aranhas e sem found footage, em ritmo acelerado e grande entretenimento, que apenas é manchado por um excesso de desenvolvimento de personagem à medida que caminha para o seu final (este é um daqueles filmes nos quais a unidimensionalidade das personagens assenta bem) e de dramatismo que o filme nada pedia.
David Bernardino
Influencer (2022), Kurtis David Harder
O último filme de dia 15 de Setembro do Motelx fechou com Influencer, uma obra norte-americana que nos conta a típica vida de uma influenciadora de redes sociais, Madison, na sua viagem à Tailândia. Madison viaja sozinha e acredita fielmente que o conhecimento deste lugar distante pode ser feito dentro de um resort. Aqui está a primeira crítica de Kurtis David Harder, mas seguem-se mais. É na quantidade de vezes que a jovem pega no telemóvel para gravar e registar cada passo que dá, que o realizador nos mostra o quão ridículo poderá ser os inúmeros posts, pubs, lives, reels e autopromoções para um público, por vezes, tão oco e vazio quanto quem os produz. É na autocomiseração, no passar do tempo num resort de luxo e na restrição à comida ocidental estando num país oriental, que esta viagem que deveria ser paradisíaca e excitante se torna num aborrecimento. Este thriller psicológico começa a tornar-se num terror quando Madison conhece CW, uma desinibida aventureira que lhe abre caminho para uma viagem mais expansiva mas também mais sombria. A coragem e a ousadia de CW e o facto de ser estranhamente camera-shy, a par da sua tendência e gosto para o roubo de documentos, identificam rapidamente a identidade cruel da mesma e, consequentemente, o desfecho desta tragicomédia. Apesar de ser uma obra extremamente previsível, tem tanto de prenúncio como de entretenimento. Kurtis David Harder não é nada reservado no que diz respeito à apreciação negativa e à denúncia da escravidão da população relativamente às redes sociais e à realidade virtual, expondo fortemente o quão prejudicado pode ser o ser humano quando os perigos da internet interferem na vida real.
Rita Cadima de Oliveira
A segunda oferta da sessão dupla começou pelas 2h30 da manhã e teria sido uma excelente escolha para uma sessão de abertura ou encerramento do Motelx. Uma influencer perde o seu passaporte numas férias na Tailândia depois do seu namorado, pintado como um idiota, ter decidido não a acompanhar. Quem a ajuda é uma outra jovem hóspede misteriosa que, claro, tem carta na manga. Repleto de uma ironia saborosa, mas não pretensiosa, acerca da falsidade das redes sociais e dos seus influencers viajantes, do efeito rebanho dos followers e das relações amorosas não gratuitas, Influencer é um thriller de terror refrescante e divertido, com plot twists, comédia negra, e tudo o que mais se podia pedir no seu pacote de subscrição.
David Bernardino