Começou mais uma edição do Motelx, Festival de Cinema de Terror de Lisboa, que nos volta a trazer uma esplêndida programação proveniente dos 4 cantos do Mundo. Além do prémio para melhor curta de terror portuguesa, estarão também em competição 7 longas metragens europeias para o prémio Méliès d’Argent. Além dos filmes em competição a oferta é vasta na secção Serviço de Quarto e ainda nas redescobertas históricas apresentadas na secção Quarto Perdido. A Tribuna esteve presente no primeiro dia do festival e começa a sua cobertura com as críticas aos filmes The Animal Kingdom, exibido na sessão de abertura desta edição, e Run Rabbit Run, exibido à meia-noite.
The Animal Kingdom (2023), Thomas Cailley
A XVII edição do MotelX lisboa arrancou com The Animal Kingdom, a segunda longa-metragem do realizador Thomas Cailley, que estreou em Cannes na secção Un Certain Regard. O filme retrata uma sociedade num futuro não muito longínquo, no qual uma doença misteriosa transforma, lentamente, seres humanos em criaturas animalescas. François (Romain Duris) e o filho Émile (Paul Kircher) decidem mudar para o sul de França para acompanhar o tratamento da mãe, uma das muitas pessoas afectadas por esta doença, quando o autocarro em que esta seguia se despista e várias criaturas ficam à solta. Émile tem então de lidar com o desaparecimento da mãe, a adaptação a uma realidade diferente e, simultaneamente, com a sua própria transformação. Um mash-up de géneros, que combina uma história coming of age com uma boa dose de body horror. Numa edição que inclui uma retrospectiva de Brandon Cronenberg, o filme lembra algo saído não da sua filmografia mas sim do pai, David Cronenberg, remetendo-nos, entre outros, para o filme The Fly. Com uma produção e efeitos especiais nem sempre presentes num filme desta escala, a primeira metade do filme está envolta em tensão e mistério (o realizador habilmente esconde as criaturas e ao invés de as mostrar apenas sugere a sua presença) a segunda metade perde um bocado o gás ao tornar-se algo previsível e sem conseguir combinar todas as ideias que tenta transmitir.
Francisco Sousa
A sessão de abertura do MotelX 2023 começou com um filme francês, Le Régne Animal, um drama visceral e animalesco, repleto de body horror. The Animal Kingdom é um filme cru e sanguinário, com demasiados laivos humorísticos que, por vezes, descarregam no espectador alguma descredibilidade na aventura coming of age que esta obra também pretende ser. A inserção da ficção científica por meio da mutação humana para animal, abalam a relação já acesa entre pai e filho, acabando o filme por ser uma correria descontrolada e algo longa. A realização perde o seu norte, tornando o argumento desfocado, não permitindo ao filme ser o verdadeiro terror que poderia ter sido, com menos patas e penas.
Rita Cadima de Oliveira
O filme de Thomas Cailley move-se mais no cinema fantástico do que no terror, com a sua excelente premissa na qual pai e filho “enfrentam” uma doença misteriosa transforma alguns humanos em animais. Com um início intrigante que captura a atenção do espectador para aquilo que aparenta vir a ser uma espécie de zombie outbreak com body horror animal, acaba por se metamorfosear em drama coming of age, em pertencer vs não pertencer, em metáfora para a segregação, com uma sociedade humanos contra criaturas, na qual as criaturas são excluídas. Animal Kingdom perde o seu foco e torna-se um bocejo, um arrasto sem grande interesse que perdeu uma excelente oportunidade para fazer da sua premissa um excelente exemplo de eco-terror.
David Bernardino
Run Rabbit Run (2023), Daina Reid
Run Rabbit Run é um thriller australiano com laivos de terror, no qual a actriz Sarah Snook nos concede mais expressões faciais do que emoções causadas pela obra em si. O desafio de criar e educar um filho como mãe solteira poderia ser uma premissa interessante na medida em que o medo, os sustos e a incerteza são os aspectos mais terroríficos desta jornada, no entanto, o desgoverno argumentativo é tal que todos os planos são desequilibrados e o espectador fica perdido na gritaria interminável de uma mãe a chamar pela filha que já foi irmã. Perceberam? Eu também não.
Rita Cadima de Oliveira
As expectativas estavam baixinhas para este filme de terror que ganha tração apenas devido à participação de Sarah Snook, actriz da série Sucession, que não tem conquistado nem crítica nem público. Formalmente Run Rabbit Run é um exercício onírico interessante, com uma fotografia soturna e uma filmagem bucólica que enchem as medidas. O problema é tudo o resto. Com uma narrativa desconjuntada que apenas cativa na sua primeira meia hora, o filme transforma-se numa repetição ad nauseum de drama/thriller psicológico de mãe à procura da filha e filha dizendo que é outra pessoa em modo sonho febril. Aparentemente um trauma aconteceu na juventude da mãe protagonista, mas nada é devidamente explorado, o ritmo é péssimo, e os vários fades da tela para preto antecipam um final que teima em chegar. De fugir.
David Bernardino