Especial LEFFEST 2023 Dia #3 – May December e WALL-E

Continuamos a nossa cobertura do LEFFEST 2023 deixando impressões sobre 2 filmes da programação de domingo. O destaque vai para o mais recente filme de Todd Haynes, realizador de Carol, que deixou os membros da nossa equipa bastante reticentes. Por outro lado o consenso foi pleno na revisão do clássico da Disney/Pixar WALL.E, que foi exibido no âmbito do Ciclo Temático: A Inteligência Artificial e a Criação Artística.

May December (2023), Todd Haynes

“Não temos cachorros quentes suficientes”. Começando por algumas deixas desnecessárias e terminando na forma impessoal e desligada como Haynes (não) explora as suas personagens, resta-nos um filme enervante, perturbador, que desorienta e que apenas indicia fornecer alguma informação nas entrelinhas. Tudo nele tem uma mensagem subliminar. Quanto mais a recente obra de Todd Haynes parece ameaçar focar-se em alguns aspectos-chave para a sua compreensão, mais rapidamente os finda, sem o espectador ver desenvolvido o grande cerne da questão. Quase todas as personagens denotam trauma e desequilíbrio, porém, a causa para tal é infimamente explorada, ficando sempre algo a faltar. Se Maio e Dezembro forem, respectivamente, o mês do início da primavera e mês de início do inverno, isto é, os opostos. Mais certos ficamos de que nem sempre os opostos se atraem.

Rita Cadima de Oliveira

 

Todd Haynes regressa ao melodrama silencioso de Carol para lhe adicionar um romance, ou análise de romance, desconfortável, com uma linguagem a baloiçar entre o humorístico e o trágico. Haynes vai desembrulhando a complexa teia de personagens ao longo de toda a película, cada uma delas aparente protagonista do seu próprio filme, naquilo que treme entre o cinema e a telenovela. Portman, em plena maturidade de carreira, é ao mesmo tempo personagem e espectador, recuperando a obsessão (desta vez controlada) em se transformar em algo tal como havia feito em Black Swan. Moore traz-nos mais uma forte interpretação dramática a recordar Still Alice. Ainda assim o filme parece desconjuntado, sendo pouco claro com que seriedade é que Haynes pretende tratar o delicado tema do filme (uma relação entre uma mulher de 37 anos e uma criança de 13), sendo ambíguo ao ponto de não ser inteligível se essa desarmonia é propositada ou não, ou se é precisamente isso que liga o filme como um todo. Haynes é capaz tanto de oferecer fabulosos planos claustrofóbicos (veja-se as várias cenas em que Moore e Portman aparecem lado a lado, invocando Bergman) como de mandar verdadeiros tiros ao lado (a última cena do filme é de bradar aos céus). O cerne da trama nunca é devidamente explorado, mas também seria esse o busílis da questão? Enfim, é difícil descortinar se o resultado final é ou não intencional, mas a verdade é que na soma de todas as suas imperfeições está um filme redondo estranhamente coeso que suscita e releva pensamento cinematográfico.

David Bernardino

 

WALL.E (2008), Andrew Stanton

WALL·E é o último robot que permanece na Terra. A mesma terra que viu todos os seres humanos fugirem para o espaço quando foi invadida pelo lixo e a decadência ambiental. Ao longo de 700 anos, WALL·E é a luz ao fundo do túnel pois continua numa extenuante luta para assear a terra, limpando a confusão e extinguindo a proliferação de detritos e entulho. Toda a impureza e resíduos que com ele convivem, representam a tirania representativa do excesso de população na terra e as consequências que daí advêm. Neste complexo e solitário processo, Wall-E desenvolve qualidades humanas, realçando-se a veia criativa desta obra em detalhes e pormenores altamente engenhosos e inventivos. Apesar de todo o drama associado à catástrofe ambiental, Andrew Stanton faz um retrato jocoso, simbólico e algo esperançoso da mudança de paradigma e consciencialização de temas como a sobrepopulação, a desflorestação, a escassez de água, o esgotamento dos solos e as tragédias climáticas. Toda a obra poderia tornar-se exaustiva no que diz respeito à elucidação para a escassez dos recursos naturais, todavia, WALL·E carrega uma carga tão eloquente e relevante, que se torna a representação metálica e figurativa daquilo que é suposto serem os valores morais e éticos da sociedade. Confirma isto o choro da criança que vê o filme na fila de trás, que não consegue suportar a dor física que é causada ao robot, por carregar sozinho o peso do nosso futuro.

Rita Cadima de Oliveira

 

O tratamento das emoções sempre foi terreno fértil para a Pixar, antes e depois de WALL-E. Mas é com WALL-E que essas emoções se apresentam mais refinadas, como aliás tudo o resto nesta aventura romântica espacial. Ainda hoje se questiona a audácia da Pixar em fazer um filme de animação de grande orçamento praticamente sem diálogos, baseando-se apenas em elementos como a solidão, a esperança e o sonho. O nosso herói, um robozinho que dedicou os últimos 700 anos a cuidar de uma Terra que se tornou numa lixeira, espera na solidão pela oportunidade de se apaixonar, de dar a mão, de viver aventuras. O que se segue é não só uma história comovente a la Pixar, mas uma ode ao cinema de ficção científica e aos temas que desde cedo pautam esse género cinematográfico tais como a inteligência artificial ou o hiper consumo dos recursos terrestres. A homenagem a 2001: Odisseia no Espaço é óbvia, mas também estão presentes referências a Star Wars ou Planet of the Apes, nunca de forma invasiva e sempre na medida certa. Duas filas atrás estavam duas crianças a ver o filme, interrompendo o silêncio da sala por um choro emocional de quem estaria a ver um filme que lhes iria marcar de forma indelével a sua relação com o cinema. É também essa a magia dos filmes.

David Bernardino