No segundo dia do LEFFEST 2023 tivemos como cabeça de cartaz Priscilla, o mais recente filme de Sofia Coppola. Para além da continuação da retrospectiva a Clint Eastwood e demais secções do festival, o destaque vai também para a exibição da cópia digital restaurada em 4K de Record of a Tenement Gentleman do mestre japonês Yasujiro Ozu. Debruçamo-nos sobre Priscilla, que reuniu consenso dentro da equipa.
Priscilla (2023), Sofia Coppola
É difícil avaliar Priscilla, um filme tão complexo e ao mesmo tempo tão simples. Sofia Coppola apresenta um filme narrativo clássico, sem laivos de grande criatividade ou originalidade, rígido, mas ao mesmo tempo subtil na forma como introduz planos de belo efeito e detalhes de composição complexos. A fineza está lá. Por outro lado temos a narrativa, baseada no livro que Priscilla Presley escreveu sobre Elvis, que apresenta o ídolo como um marido distante, dominador e adúltero, anulando Priscilla desde a adolescência e confinando-a a uma gaiola dourada. Apesar do filme ser sempre apresentado do ponto de vista da sua protagonista, é inegável dizer que este filme se trata mais de um retrato da relação com Elvis do que propriamente um biopic. No filme, tal como na vida, Priscilla é reduzida a acessório de alguém “maior” que está em constante ausência, e é pena que esse gravitas de Elvis esteja sempre tão presente no filme, questionando-nos por vezes afinal quem é a personagem principal: ele, ela, ambos?
David Bernardino
Sofia Coppola no seu pleno amadurecimento como cineasta, revela elevada competência e seriedade ao retratar de forma singular mas pouco maleável o prisma de Priscila sobre Elvis o homem, marido e amante, nunca o Elvis cantor e estrela universal. A linha narrativa sem grandes amplitudes, revela-se tensa, crua e rígida. Por vezes, parece que estamos a assistir aos famosos e coloridos comerciais televisivos americanos dos anos 50 e 60, sendo este um filme esteticamente denso, com alguma sobrecarga capitalista e exploração de uma vertente mais frívola e presunçosa. A própria desproporção no tamanho entre Elvis e Priscilla revela a escala daquilo que os distanciava, levando a fama de um ao massacre de outro. Todo o filme é um processo gradual de separação, um caminho para o purgatório e para uma vida claustrofóbica. Priscilla é tornada prisioneira numa casa em que ele raramente vive. E ele era Elvis Presley.
Rita Cadima de Oliveira
O novo filme de Sofia Coppola é facilmente identificável como seu. Uma história contada da perspetiva duma adolescente é uma premissa que a realizadora explorou em títulos como “The Virgin Suicides”, “Marie Antoinette” e “Somewhere”. Desta vez, a adolescente em foco é Priscilla Beaulieu, antes de se tornar Priscilla Presley. O filme retrata precisamente essa passagem repentina (e forçada) de criança para esposa, sem espaço para Priscilla crescer como as raparigas da sua idade. O seu novo papel é o de acompanhante de Elvis, de apoio à estrela – nada mais. Priscilla fica consequentemente fechada em Graceland, qual canário numa gaiola. Elvis e a sua família vão tentando fazê-la esquecer da sua situação de prisioneira através de presentes como um cachorro, que ela não pode levar à rua, ou um carro lustroso, que ela não pode conduzir. Até uma pistola ela recebe – várias, na verdade – como se de um brinquedo se tratasse. “Priscilla” é assim um filme de interiores. As poucas cenas exteriores são de Elvis a fazer o que lhe apetece com os seus (sempre presentes) amigos desordeiros. Desde capotar carros-miniatura às tantas da noite, a demolir uma casa só porque estava a estragar a vista. No final, “Priscilla” é um filme capaz e eficaz, muito anti-Elvis, mas não pró-Priscilla o suficiente. A sua personagem é silenciosa, contemplativa e infelizmente aborrecida.
Pedro Barriga