Baseado em Au Hasard Balthazar (Robert Bresson, 1966), EO de Jerzy Skolimowski está longe de se tratar de um remake. O seu filme figura antes uma perspectiva diferente, fresca e moderna da clássica história do burro que passa precariamente de dono em dono.
Eo é um burro de circo – pelo menos, é a isso que o público o reduz. A sua parceira de espetáculo Kassandra aparenta ser o único ser – quer humano, quer animal – que o estima profundamente. Um dia o circo é fechado, os animais confiscados, e burro e bela separados. Começa então uma aventura relutante, um road movie que leva Eo a novos sítios: passa por um estábulo de cavalos, uma quinta de burros, uma claque futebolística, esquiva-se de caçadores furtivos, e até se cruza com um padre e uma condessa em Itália, interpretada por nada mais nada menos do que Isabelle Huppert. Verdade seja dita, trata-se de um cameo inteiramente supérfluo. Uma sequência sobre dramas familiares que parece pertencer a outro filme – não admira que o burro fuja deste local à primeira chance.
Entre paragens, Eo vive a sua vida através de janelas e grades. Lá fora, cavalos galopam livremente. A certa altura, há um corte entre o burro – estendido no chão de uma clínica, em sofrimento, o seu corpo salpicado com sangue – e a mão da sua antiga companheira de circo a afagar-lhe o pêlo. É dos momentos mais ternurentos de EO, uma amostra do laço que partilhava com Kassandra e um exemplo da empatia que Skolimowski nutre não só pelo seu protagonista mas pelo mundo animal. O seu filme é uma ode à natureza e uma condenação da humanidade, se bem que esta condenada já está.
Na última edição do Festival de Cannes, EO foi galardoado com o Prémio do Júri, que equivale ao terceiro lugar do pódio. Em dezembro, conquistou o European University Film Award e encontra-se também nomeado aos Óscares na categoria de Melhor Filme Internacional. Láureas que Skolimowski não antecipava nesta fase da vida. Do alto dos seus 84 anos e com uma carreira que expande seis décadas, o realizador polaco e ator em The Avengers (sim, é verdade) traz-nos um filme que não parece de despedida, muito pelo contrário. A sua abordagem em EO é dinâmica, estilizada, cinemática e jovem. De cenas em câmara lenta a cenas de movimento invertido; ora recorre a filmagens aéreas com drones, ora assenta a câmara na cabeça do burro à la GoPro; filtros vermelhos transformam uma floresta numa paisagem em chamas. Skolimowski emprega uma multitude de técnicas e exibe uma vitalidade ausente em tantos jovens cineastas.
EO teve a sua estreia nacional em novembro passado, no LEFFEST. Curioso que noutro filme exibido pelo festival, The Whale (Darren Aronofsky), a personagem principal declare que “people are amazing”, o que bem poderia ser a antítese do filme de Skolimowski. Em EO, há mais humanidade no protagonista animal do que nos humanos que o rodeiam.