Análise do Filme Um Iaque na Sala de Aula (2019) de Pawo Choyning Dorji e do Documentário O Professor Bachmann e a Sua Turma (2021) de Maria Speth.
Ser Professor é uma profissão eternamente ligada ao Ensino, à Aprendizagem Formal e à Exposição de Factos e Conhecimentos que capacitam os alunos para os desafios do futuro assim como os instrui para a procura constante do estímulo intelectual como fonte de instrução e saber. Convencionalmente, entendemos o Ensino como um sector pedagógico com regras pré-estabelecidas pelos Ministérios da Educação, no entanto, os seus parâmetros avaliativos partilham algumas semelhanças a nível europeu. Contudo, assume-se aqui a variação no investimento que cada um destes Ministérios faz no que diz respeito aos orçamentos aplicados ao Ensino (Infraestruturas Escolares; Equipamentos; Material Escolar; Recursos; etc.;) e respectiva preparação para os desafios que anualmente enfrenta.
No universo da memória, quase todos nós guardamos com saudosismo e alguma melancolia, a recordação de um ou outro Professor que, em tempos idos, nos marcou particularmente pelo simples facto de nos ter olhado ou falado de forma graciosa e compreensiva, sem nos inserir no mesmo lugar-comum onde pairavam todos os nossos colegas. Apesar do sistema ser rígido e de obedecer a timings, a maioria dos alunos teve Professores que se queixavam que não tinham tempo suficiente para leccionar determinada matéria, porém, e apesar de todas as funções complementares que assumem, este ou esta Professora, em algum momento, captou a nossa dor ou mesmo as nossas dúvidas e, calmamente, devolveu-nos a clareza que o momento precisava.
Por todas estas razões, há quem considere que ser Professor é uma das profissões mais ingratas do mundo. Um para vinte e cinco. Uma pessoa para vinte e cinco almas turbulentas, díspares e com graus de percepção da vida desiguais. Dito isto, e pegando no mote do filme Um Iaque na Sala de Aula (2019), “O Professor tem a capacidade de tocar no futuro” visto que o nosso início como ser reflexivo e agente de mudança começa numa sala de aula.
Viajando até um dos países mais felizes do mundo – o Butão -, um jovem professor prestes a terminar os cinco anos de carreira iniciais, informa os seus superiores que deseja cessar funções pois não se identifica com o rumo inerente à profissão. É imediatamente relembrado que terá ainda que conceder mais um ano da sua mestria ao Estado, todavia, é convidado a leccionar o seu último ano em Lunana (Himalaias), a região onde se situa a escola mais remota do mundo, a 2800 metros de altitude. Apesar de toda a sua ambição estar depositada na Austrália e na carreira de músico, o jovem professor, após se despedir de amigos e da sua avó, inicia a viagem mais longa que alguma vez fará. Não a física, mas sim a da aprendizagem e do crescimento.
Quando chega enfim a Lunana, após uma fastidiosa jornada, Ugyen é recebido com toda a pompa e circunstância. À sua espera está toda a população de Lunana, expectante sobre o novo residente e agitador de Iaques. Num cenário indescritível e longe de todos os luxos e modernismos contemporâneos, Ugyen compreende que não é esta a vida que deseja para si. Naquele sítio nada o salva. Nem a vegetação verde, as canções profundas e cheias de significado, a plenitude, nem a adoração à fauna e à flora. Encontrando-se numa crise existencial, considera abandonar Lunana e voltar para casa, lugar este onde nunca encontrou a sua realização pessoal mas que naquele momento lhe parece o sítio idílico para retornar.
O que Ugyen não esperava é que um grupo de nove crianças lhe restaurasse o amor ao ensino e à partilha do saber e, desde o primeiro dia de aulas, fica fascinado pelo interesse e curiosidade que os seus novos alunos demonstram por si mas também por todos os mundos, lugares, vivências e experiências que nunca viveram. Todos estes alunos têm Lunana como casa e de lá nunca saíram, no entanto, a dedicação e a envolvência que se vai criando entre o professor e aquele lugar, faz com que estes jovens alunos possam vivenciar um pouco do mundo que desconhecem e ao qual não têm acesso.
Por sua vez, no documentário O Professor Bachmann e a Sua Turma (2021), é-nos apresentada uma escola situada numa cidade industrial alemã, na qual a maior parte dos alunos tem proveniências distintas, ou seja, a generalidade dos alunos são emigrantes, refugiados ou expatriados, prevalecendo na mesma sala de aula diferentes nacionalidades, sobretudo a Búlgara, Macedónia, Romena e Turca. Nesta escola e como em tantas outras, a política de integração dos jovens tem como destino um ensino formal que aqui é alvo de resistência por parte do Professor Bachmann. Este é, desde o início, adepto de uma forma pouco convencional de ensino educativo.
Começando pela forma descontraída das suas vestes, passando pela sua serenidade e paciência e terminando na guitarra que acompanha os seus sermões. É mediante a exploração da música e dos diferentes instrumentos musicais, das conversas de carácter social e da abordagem das temáticas mais relevantes dos países de onde os alunos provêm, que se pode resumir o encadeamento das suas aulas. Aqui o Professor demite-se das suas funções de líder e assume-se como ouvinte acérrimo daqueles que nunca subordinou. O Professor Bachmann consegue fazer com que cada aluno seu se sinta especial naquele espaço de convivência, onde todos têm uma história e um percurso distinto para contar. Os aprendizes de Bachmann são escutados com interesse e admiração e prevalece sempre o incentivo pela busca do que melhor sabem fazer, obrigando-os a um intenso conhecimento do “eu”. É na complementaridade e junção de culturas que o seu ensino se torna mais artístico do que tradicional, mais humano do que racional.
Sintetizando, ambos os filmes se centram na figura do Professor como um ser ao qual é incumbida a mais árdua tarefa, a de ensinar e educar para a sociedade, jovens com inúmeras potencialidades mas também com diversas exigências educativas. Em Um Iaque na Sala de Aula (2019), Pawo Dorji apresenta o Professor como um Deus terreno, alguém que é glorificado, apreciado e extremamente respeitado, isto é, que tem a capacidade de tocar no futuro através da partilha dos conhecimentos que são conferidos aos seus aprendizes. O estatuto do Professor é tão grandioso que ele é tido como responsável pela preparação, não só intelectual como física, mental e social para a vida que está reservada ao aluno. O Professor é aqui representado como o arquitecto que constrói a ponte para o futuro, concedendo aos alunos os saberes necessários para eles mesmos um dia também serem agentes de construção temporal e criatividade. Por sua vez, em O Professor Bachmann e a Sua Turma, Maria Speth procura enaltecer o Professor pela justaposição de carácteres interventivos e pela forma como este concilia inúmeros mundos dentro de uma sala de aula, sem recurso a momentos de exaltação ou castigos.
Tanto Bachmann como Ugyen sabem que o seu dever perante o Ensino é cumprir o calendário oficial e obrigatório, no entanto, ambos adoptam um comportamento em sala menos mecanizado e aborrecido do que o habitual, procurando sempre adaptar o seu discurso à sensibilidade de cada educando, nunca fazendo juízos de valor nem nunca assumindo que estes têm as mesmas necessidades educativas. Todos os alunos são tratados como um ser único e é isso que faz destes dois filmes uma lição, ou até mesmo filmes de visualização obrigatória no que deveria ser um Plano Nacional do Cinema (a ponderar) e, consequentemente, da vida.