O primeiro Dune realizado por Villeneuve foi um filme interessante, ainda que inferior ao fantástico Blade Runner 2049. A fotografia, o desenvolvimento de personagem, o mistério e um argumento pesado, recheado de reviravoltas, com vilões majestosos e implacáveis, fizeram dele um filme que conseguiu sobreviver à monotonia da sua estética imagética e sonora, bem como à sua duração, mas que não o impediu de ser também um enorme pastelão, ainda que saboroso. Em Dune: Part Two a expectativa subiu, uma vez que, despachada a primeira parte, “agora é que vai ser”. As reações vindas dos Estados Unidos davam conta de se ter atingido o clímax do cinema de ficção científica, que se teria esgotado até o potencial que o cinema poderia oferecer, tal era a majestosidade desta obra-prima. Mas será assim? Não, e provavelmente algo de errado se passa na percepção moderna do cinema comercial de autor (se é que se pode usar esta expressão), como é o de Villeneuve.
Esta sequela de Dune traz de volta consigo todos os problemas de ritmo que o primeiro filme tinha, agravando-os. A tensão e o mistério associados ao primeiro capítulo, com os seus plot twists, desaparece em Part Two para dar lugar a algo mais pausado mas ausente de conteúdo. Villeneuve foca a primeira parte do filme nos Fremen, o povo que habita Arrakis, o planeta desértico, a quem Paul Atreides, nosso herói profético interpretado por Chalamet, se junta. O desenvolvimento de personagem, em geral, é praticamente inexistente, com Villeneuve a filmar o tudo e o nada, numa série de sequências vazias e aborrecidas neste filme longo em duração mas curto em conteúdo, procurando explorar uma história de amor partindo de uma química inexistente entre Chalamet e Zendaya. Todo o cast de Dune: Part Two parece estar fora de contexto, seja por ineptidão dos seus intérpretes, seja por inabilidade na forma como as personagens são transpostas para o ecrã.
Temos uma Zendaya francamente má, com pouco ou nenhum carisma, e um Chalamet não muito melhor em regime de auto-consumo da imagem que criou fora do cinema. Juntos conseguem transpor para a tela o desenvolvimento de um romance desconfortável e aborrecido, um plot point que teria que acontecer de forma aparentemente obrigatória, mas sem qualquer sustentação. Depois temos a chegada de Austin Butler, sobrinho do Barão dos Harkonnen, apelidado pelas personagens de psicopata maléfico, mas que em tela nunca deixa transparecer a sua psicopatia a não ser pela forma como sorri e olha para cima. Não basta. Num filme que se assume pesado, e que tem nos misteriosos Harkonnen o seu principal trunfo (de longe mais complexos e interessantes que os Fremen, tal é a sua carga misteriosa), a personagem de Butler fica pela rama. Ainda assim é capaz de proporcionar um dos dois bons momentos do filme, a preto e branco, no planeta natal dos Harkonnen. E o que dizer de Javier Bardem e Josh Brolin, dois grandes actores consagrados reduzidos a um comic relief despropositado que caberia bem num Star Wars mas que em Dune, tão sério e importante, não conseguem encaixar. Bardem é especialmente sacrificado. Sobra o bom esforço de interpretação de Rebecca Ferguson, a mãe, numa personagem igualmente mal desenvolvida. No fundo este é o grande calcanhar de Aquiles de Dune: Part Two. Um filme de quase 3 horas onde as personagens se caracterizam pelos adjectivos que lhes são atribuídos por outras personagens e não pelo desenvolvimento que vemos desenrolar no ecrã. Não basta chamar actores famosos para fazer um filme importante.
Posto isto, o que resta de Dune é a sua componente visual, bem conseguida sim, mas que ainda assim deixa a desejar. Os belos planos paisagísticos (ainda que repetitivos) captados por Villeneuve são curtos em duração, num malabarismo entre cenário e personagem que acaba por não ser coisa nenhuma. As cenas de grande escala são boas, mas invariavelmente inferiores ao que já vimos antes em tantas produções de Ridley Scott ou em Lord of the Rings, até mesmo em Game of Thrones. Os momentos mais fortes serão certamente os instantes finais, mais cinéticos, mas minados por novas reviravoltas novamente não sustentadas pelo desenvolvimento de personagem, para um final repentino que fica em aberto. Esse será o outro grande ponto de discussão de Dune, a sua estrutura seriada, a incapacidade de Villeneuve em fazer funcionar os seus “episódios” de forma individual que acaba por deixar o virtuoso realizador na corda bamba entre a liberdade autoral e as obrigações comerciais.